Enquanto cidadão e psicólogo, procedo ao seguinte parecer a cerca da proibição ao uso de camisetas com campanha ilustrada com caveira pelos professores do município de Maruim nas salas de aula.
Considerando os seres humanos, animais que têm dimensões basicamente biológicas, psicológicas, sociais e espirituais, faz-se necessário iniciar essa discussão com a premissa de que toda e qualquer imagem é polissêmica, não tem significado em si até que lhe seja atribuída sentido, podendo ser individual ou coletivo. Portanto, para fins de análise social, cabe aqui elencar algumas representações coletivas do conceito de caveira.
Historicamente, em especial nas ilustrações artísticas, a caveira foi associada à prática de assalto a navios e à idéia de morte. Na modernidade, as associações mais relevantes relacionadas à caveira são: anatomia científica da estrutura óssea humana e perigo. Na contemporaneidade, a esse símbolo foi associada a idéia de protesto pelos grupos de rock n´roll das décadas de setenta, oitenta e noventa. Merece ainda destaque o uso pelo Estado da caveira em emblemas de grupos táticos policiais ligados à segurança pública.
Como no contexto do protesto dos professores, o “significante” caveira é referente ao “significado” luta, os alunos na sala de aula deverão a associar a esse significado. Isso não traz nenhum prejuízo traumático as suas subjetividades em formação. A caveira, nesse contexto, traz o sentido transversal de defesa da cidadania e melhoria das condições de trabalho e da educação pública, algo fundamental no cotidiano das salas de aula.
Finalmente, já que se trata o caso de uma campanha publicitária, para que não haja deturpação do sentido que os professores querem transmitir, sugiro tecnicamente que os educadores contextualizem o sentido da campanha em cada sala de aula onde for exercer o seu ofício, significando ou ressignificando a referida imagem.
Aproveito enquanto profissional e cidadão, no calor desse debate, para sugerir que o Ministério Público e demais instâncias do judiciário, intervenham justamente no uso da imagem da caveira como símbolo da força coercitiva de Estado. A caveira, semioticamente, vem sendo associada a legitimação, por parte da segurança pública, de práticas criminosas por de funcionários públicos cumprindo o seu dever. Praticam tática e sistematicamente a violação dos direitos humanos através de assassinatos, torturas, invasões domiciliares, de inocentes e/ou seres humanos passíveis de defesa e cumprimento de pena. Esses fatos, exaustivamente pautados na mídia e na cinematografia nacional e internacional, tem sensivelmente produzido efeitos nefastos no tecido social. Quando seres humanos de qualquer faixa etária assistem passivamente a um filme ou notícia sem a devida análise, sem processos educativos e dialógicos associados, podemos ter como resultado a formação de subjetividades perversas e fascistas, promovidas pelo mesmo estado de direito que impede educadores de exercerem sua liberdade de expressão garantidas pela constituição. O exercício da cidadania só se realiza para além das imagens e representações, quando se concretiza o protagonismo social. O fortalecimento da consciência humana só se realiza em condições de esforço, de luta solidária pela vida. Como disse o educador brasileiro Augusto Boal, indicado ao prêmio Nobel da Paz, para ser cidadão não basta viver em sociedade, é preciso transformá-la.
Aracaju, 23 de setembro de 2011
Aldo Rezende de Melo
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