Lembranças abertas
Fonte: Revista de História AQUI
Aline Salgado
13/6/2013
O que pensa, como vive e com que sonha a geração que pegou em armas nos anos de chumbo para ver concretizada a utopia de um país livre e com justiça social aos moldes das letras de Marx? É na sala de espera de um hospital, frente ao drama de uma amiga no leito de morte, que um grupo de companheiros e ex-militantes voltam a se deparar com lembranças de um passado ainda aberto. Dor, culpa, revolta e a dúvida, se suas lutas e riscos valeram realmente a pena, norteiam a nova, e instigante, trama que Lúcia Murat traz para os cinemas, a partir deste fim de semana.
Tendo a ditadura civil-militar como pano de fundo, tema recorrente e sensível à diretora - militante e vítima de tortura nos anos de chumbo - A memória que me contam gira em torno da figura de Ana, ou melhor, Vera Silvia Magalhães, amiga e companheira de causa que participou do sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, em 1969. Assim como Vera, a personagem Ana, que ganha vida por meio da sensível atuação de Simone Spoladore, luta contra um câncer e se encontra em estado grave no hospital.
Reunidos pela dor da despedida de uma companheira símbolo da luta
armada, os amigos, hoje não tão jovens e menos idealistas, voltam a se
encontrar e repensar um passado cada vez mais vivo no presente atual.
Observadora atenta do conflito, externo e interno que se passa com cada
um dos amigos, inclusive consigo mesma, Irene, interpretada pela atriz
Irene Ravache, tem na aparência e no espírito elementos autobiográficos
da diretora, Lúcia Murat. E foi justamente por meio das inúmeras e
repetidas cenas do seu cotidiano que saiu a inspiração para rodar A memória que me contam.
"O longa é ficcional, apesar de ser inspirado em fatos reais. A base
foi escrita em 2008 e rodado em 2011. Parte dos conflitos que se
desenham com os personagens naquela sala de hospital foram vivenciados
por mim e por todo o grupo quando das recaídas de saúde de Vera. Mas
esta é uma obra ficcional que retrata situações e preocupações reais que
finalmente chegaram ao público. A Ana somos todos nós, uma geração que
viveu a luta armada", destaca Lúcia Murat.
É usando justamente o atraente jogo entre ficção e realidade que a
diretora explora às críticas à formação das Comissões da Verdade e os entraves que ainda envolvem a abertura de arquivos secretos do período
da ditadura civil-militar, sob a posse das Forças Armadas. Lúcia,
inclusive, voltou a ser personagem da História, quando deu seu
depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em maio deste ano, sobre as
sessões de tortura que sofreu no Doi-Codi - quartel do Exército,
localizado, ainda hoje, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Rio de
Janeiro.
Mesclando cenas reais como a Passeata dos Cem Mil, a volta dos exilados e arquivos fotográficos
pessoais, A memória que me contam toca o documental e de forma dramática, sensível e crítica constrói uma trama onde valores do presente e do passado se chocam a todo o momento. Para quem viveu em uma geração cheia de idealismos e apostas em um mundo mais justo, será que toda a luta valeu a pena? Até mesmo a armada?
Para Lúcia Murat, talvez essa seja uma pergunta ainda sem resposta. "Tem coisas que fazem parte da sua vida. E ver o passado sob uma perspectiva deslocada do seu tempo, é tarefa difícil de julgar", afirma Lúcia, deixando o desafio de entender a geração dos anos de chumbo nas mãos do próprio espectador.
Leia também: Filme Depois de Maio. As Encruzilhadas de Maio de 1968 AQUI
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pessoais, A memória que me contam toca o documental e de forma dramática, sensível e crítica constrói uma trama onde valores do presente e do passado se chocam a todo o momento. Para quem viveu em uma geração cheia de idealismos e apostas em um mundo mais justo, será que toda a luta valeu a pena? Até mesmo a armada?
Para Lúcia Murat, talvez essa seja uma pergunta ainda sem resposta. "Tem coisas que fazem parte da sua vida. E ver o passado sob uma perspectiva deslocada do seu tempo, é tarefa difícil de julgar", afirma Lúcia, deixando o desafio de entender a geração dos anos de chumbo nas mãos do próprio espectador.
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