Entrevista
Nabil Bonduki quer uma nova cultura urbana para São Paulo: 'Melhorar sem excluir'
Urbanista que substitui Juca
Ferreira na Secretaria Municipal de Cultura foi bem aceito por coletivos
culturais da periferia, especialmente pela criação do Programa de
Valorização de Iniciativas Culturais, o VAI
por Gisele Brito, para a RBA
publicado
25/01/2015 09:56
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'O VAI é um projeto fundamental para a cidadania cultural, especialmente para jovens e produtores de fora do circuito'
São Paulo – Urbanista, autor de diversos livros
sobre moradia e relator dos últimos dois planos diretores da maior
cidade do país, Nabil Bonduki,
de 59 anos, foi escalado para assumir a Secretaria Municipal de Cultura
de São Paulo. Ele substitui Juca Ferreira, que reassumiu o Ministério
da Cultura.
Apesar de Bonduki não ter proximidade com grupos de ativismo cultural, como o antecessor, sua nomeação foi recebida com tranquilidade por diversos setores. As ponderações se deram mais em função de sua saída da Câmara dos Vereadores de São Paulo, onde era considerado referência em temas de planejamento urbano.
Eleito pela primeira vez em 2000, não conseguiu se reeleger em 2004, o que deixou um vácuo na capacidade do Legislativo da cidade na área de política urbana durante as gestões José Serra (PSDB, 2005/2006) e Gilberto Kassab (2006/2012, ex-DEM, atual PSD). Em 2014, no entanto, sua eleição foi encarada como fundamental por movimentos de moradia e setores universitários, que se empenharam para elegê-lo.
Nabil deixa a casa depois de conduzir a reformulação do Plano Diretor Estratégico (PDE), considerado progressista. E já estará fora quando vierem votações importantes, como a do Código de Obras e da Lei de Zoneamento, que têm potencial para consolidar ou descaracterizar o plano. “Toda escolha produz perdas e ganhos”, resigna-se. Mas diz que continuará nos debates.
Os possíveis ganhos podem vir das qualificações do urbanista, que não cai de paraquedas na pauta cultural. Nabil teve influência nas negociações pela reabertura do Cine Belas Artes, no ano passado, depois que o espaço alugado perdeu o patrocínio de um banco e quase foi substituído por uma loja de departamentos.
A distribuição dos recursos da Cultura por territórios vulneráveis, o incentivo a um circuito não comercial de arte, o estímulo à juventude de baixa renda a buscar oportunidades na chamada “economia criativa”, como produtores de música, dança, teatro e outras expressões artísticas estão entre os desafios postos ao novo secretário. Bonduki fala em mudar a “cultura urbana”, algo que ele já vê em curso com a criação da zona rural na cidade e com a priorização do transporte coletivo e de bicicletas pela administração do prefeito Fernando Haddad (PT).
No ambiente do aniversário de 461 anos de São Paulo, Nabil Bonduki concedeu entrevista exclusiva à RBA e à Rádio Brasil Atual. Falou sobre a nova função e as complexidades da cidade e as expectativas para o futuro. Apesar das esperanças de que a capital paulista possa melhorar na esteira das mudanças propostas pelo Plano Diretor, o urbanista teme o cenário que pode vir a tomar conta da cidade, em função da falta de água.
Segundo ele, o sistema de abastecimento se "estressou demais" (por falta de investimentos). “Nós estamos próximos de viver uma situação que nós nunca vivemos. Nunca tivemos uma catástrofe no Brasil, como vulcão, tsunami. Tivemos problemas localizados. E em São Paulo, 20 milhões de pessoas sem água é catástrofe.”
Leia trechos das conversas abaixo e ouça aqui a íntegra do programa especial que foi ao ar na sexta-feira (23).
Para o senhor, que é urbanista com vasta experiência e bibliografia na área de planejamento e habitação, como é assumir a Secretaria de Cultura?
Tenho experiência de gestão pública, o que permite trabalhar em várias frentes, e tenho trabalhado muito na área de cultura em vários aspectos, por exemplo, patrimônio. Sou, inclusive, autor de um livro sobre o assunto (Intervenções Urbanas na Recuperação de Centros Históricos, editado pelo Instituto do Patrimônio Histórico). Existe uma relação muito forte entre cultura e cidade. Não é uma coisa distante das minhas preocupações. Além disso, ajudei a desenvolver várias políticas em cidadania cultural. Como a lei de incentivo ao cinema de rua, ao teatro, o programa VAI 1 e 2. Temos toda uma discussão sobre a cultura na cidade, artistas de rua, relação entre cultura e espaço público. Me sinto muito confortável nessa área para pensar de forma transversal, como estamos fazendo desde o Plano Diretor, a busca de uma nova cultura urbana.
Coletivos culturais da periferia se mostraram otimistas com a sua nomeação, especialmente pela sua relação com o VAI. Pode haver uma inversão da lógica de investimentos nas políticas culturais na cidade?
No início da gestão Juca Ferreira houve grande demanda para que as casas de cultura, espaços presentes em vários bairros periféricos, voltassem a estar sob gestão da Cultura e não da Secretaria das Subprefeituras. Isso já ocorreu?
Elas foram passadas para a Cultura, mas ainda vai ser necessário fazer uma análise. Elas estão muito precárias para ser postas em uso, tanto em termos de estrutura como de corpo artístico. É preciso fazer uma análise para recuperar isso. A ideia é que elas façam parte do sistema de cultura. Elas podem compor a rede de cinemas de rua que iremos criar, por exemplo. Pode ser que o que é uma casa de cultura hoje se torne um grande centro cultural.
Também persiste a crítica da concentração de eventos durante a Virada Cultural. Isso muda?
A gente pode garantir eventos de cultura espalhados pela cidade toda, ao longo do ano todo. E acho que já está em curso isso. Temos um circuito cultural, o carnaval, o São João, novembro, com as manifestações da igualdade racial, o Dia do Samba (2 de dezembro). Tudo isso faz com que não haja concentração apenas na Virada. Ela não é um evento único. É um entre vários que a secretaria promove. Acho que essa parte é bastante importante, garantir que a coisa avance além do que foi no passado. Isso já começou a mudar com a gestão do Juca.
A cultura usada como artifício de valorização de determinados lugares provoca a expulsão dos antigos moradores; e a gentrificação foi muito debatida no Plano Diretor. Essa é uma preocupação da sua gestão?
A gente não pode trabalhar com a lógica de que não se pode melhorar a cidade para que não haja valorização. Temos de trabalhar com a ideia de que é possível melhorar, sem excluir. Se não, estaremos mal. Trabalhar para melhorar. Se isso significa algum tipo de valorização, temos de evitar que isso gere gentrificação.
A Virada e o carnaval de rua cresceram muito e agora provocam críticas de quem mora nos bairros onde ocorrem os shows e desfiles de blocos...
Precisamos garantir e compatibilizar os eventos culturais e a vida na cidade. O carnaval é uma manifestação cultural do povo. Não podemos matá-lo ou reprimi-lo. Seria um crime. Mas precisamos garantir condições para quem não quer participar. Isso não é uma questão só nossa. Rio, Recife, Salvador têm carnaval. Mas acho que ter infraestrutura é fundamental, ter trajetos, garantir que não se prolongue a festa fora dos horários estipulados.
Mas levá-lo para locais fechados é uma opção?
O carnaval de rua é muito mais espontâneo. Não é adequada a exploração comercial. Acho que é importante que se mantenha sendo algo ligado à cidadania cultural, e não aos negócios.
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Apesar de Bonduki não ter proximidade com grupos de ativismo cultural, como o antecessor, sua nomeação foi recebida com tranquilidade por diversos setores. As ponderações se deram mais em função de sua saída da Câmara dos Vereadores de São Paulo, onde era considerado referência em temas de planejamento urbano.
Eleito pela primeira vez em 2000, não conseguiu se reeleger em 2004, o que deixou um vácuo na capacidade do Legislativo da cidade na área de política urbana durante as gestões José Serra (PSDB, 2005/2006) e Gilberto Kassab (2006/2012, ex-DEM, atual PSD). Em 2014, no entanto, sua eleição foi encarada como fundamental por movimentos de moradia e setores universitários, que se empenharam para elegê-lo.
Nabil deixa a casa depois de conduzir a reformulação do Plano Diretor Estratégico (PDE), considerado progressista. E já estará fora quando vierem votações importantes, como a do Código de Obras e da Lei de Zoneamento, que têm potencial para consolidar ou descaracterizar o plano. “Toda escolha produz perdas e ganhos”, resigna-se. Mas diz que continuará nos debates.
Os possíveis ganhos podem vir das qualificações do urbanista, que não cai de paraquedas na pauta cultural. Nabil teve influência nas negociações pela reabertura do Cine Belas Artes, no ano passado, depois que o espaço alugado perdeu o patrocínio de um banco e quase foi substituído por uma loja de departamentos.
Temos circuito cultural, carnaval, São João, manifestações da igualdade racial, Dia do Samba. Tudo isso faz com que não haja concentração. A Virada não é evento único. É um entre váriosEm seu primeiro mandato, também conseguiu aprovar a lei que criou o Programa de Valorização de Iniciativas Culturais, o VAI, um dos mais sólidos e bem-sucedidos programas de fomento a grupos culturais e artísticos de jovens que vivem na periferia. O VAI, expandido no ano passado graças a outra lei também de sua autoria, é apontado como um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da efervescência das quebradas.
A distribuição dos recursos da Cultura por territórios vulneráveis, o incentivo a um circuito não comercial de arte, o estímulo à juventude de baixa renda a buscar oportunidades na chamada “economia criativa”, como produtores de música, dança, teatro e outras expressões artísticas estão entre os desafios postos ao novo secretário. Bonduki fala em mudar a “cultura urbana”, algo que ele já vê em curso com a criação da zona rural na cidade e com a priorização do transporte coletivo e de bicicletas pela administração do prefeito Fernando Haddad (PT).
No ambiente do aniversário de 461 anos de São Paulo, Nabil Bonduki concedeu entrevista exclusiva à RBA e à Rádio Brasil Atual. Falou sobre a nova função e as complexidades da cidade e as expectativas para o futuro. Apesar das esperanças de que a capital paulista possa melhorar na esteira das mudanças propostas pelo Plano Diretor, o urbanista teme o cenário que pode vir a tomar conta da cidade, em função da falta de água.
Segundo ele, o sistema de abastecimento se "estressou demais" (por falta de investimentos). “Nós estamos próximos de viver uma situação que nós nunca vivemos. Nunca tivemos uma catástrofe no Brasil, como vulcão, tsunami. Tivemos problemas localizados. E em São Paulo, 20 milhões de pessoas sem água é catástrofe.”
Leia trechos das conversas abaixo e ouça aqui a íntegra do programa especial que foi ao ar na sexta-feira (23).
Para o senhor, que é urbanista com vasta experiência e bibliografia na área de planejamento e habitação, como é assumir a Secretaria de Cultura?
Tenho experiência de gestão pública, o que permite trabalhar em várias frentes, e tenho trabalhado muito na área de cultura em vários aspectos, por exemplo, patrimônio. Sou, inclusive, autor de um livro sobre o assunto (Intervenções Urbanas na Recuperação de Centros Históricos, editado pelo Instituto do Patrimônio Histórico). Existe uma relação muito forte entre cultura e cidade. Não é uma coisa distante das minhas preocupações. Além disso, ajudei a desenvolver várias políticas em cidadania cultural. Como a lei de incentivo ao cinema de rua, ao teatro, o programa VAI 1 e 2. Temos toda uma discussão sobre a cultura na cidade, artistas de rua, relação entre cultura e espaço público. Me sinto muito confortável nessa área para pensar de forma transversal, como estamos fazendo desde o Plano Diretor, a busca de uma nova cultura urbana.
Coletivos culturais da periferia se mostraram otimistas com a sua nomeação, especialmente pela sua relação com o VAI. Pode haver uma inversão da lógica de investimentos nas políticas culturais na cidade?
Temos de trabalhar com a ideia de melhorar sem excluir. Se melhorar significa alguma valorização, temos de evitar que gere gentrificação. E também de evitar a valorização expulse atividades culturais que já existemAcho que não significa uma inversão. O VAI é um projeto fundamental para a cidadania cultural, principalmente para os jovens e produtores que estão fora do circuito. Por outro lado, isso não significa que temos de abandonar a cultura dita mais erudita. Ou seja, poder ter o espaço para o teatro municipal, as grandes produções líricas. As duas coisas são válidas.
No início da gestão Juca Ferreira houve grande demanda para que as casas de cultura, espaços presentes em vários bairros periféricos, voltassem a estar sob gestão da Cultura e não da Secretaria das Subprefeituras. Isso já ocorreu?
Elas foram passadas para a Cultura, mas ainda vai ser necessário fazer uma análise. Elas estão muito precárias para ser postas em uso, tanto em termos de estrutura como de corpo artístico. É preciso fazer uma análise para recuperar isso. A ideia é que elas façam parte do sistema de cultura. Elas podem compor a rede de cinemas de rua que iremos criar, por exemplo. Pode ser que o que é uma casa de cultura hoje se torne um grande centro cultural.
Também persiste a crítica da concentração de eventos durante a Virada Cultural. Isso muda?
A gente pode garantir eventos de cultura espalhados pela cidade toda, ao longo do ano todo. E acho que já está em curso isso. Temos um circuito cultural, o carnaval, o São João, novembro, com as manifestações da igualdade racial, o Dia do Samba (2 de dezembro). Tudo isso faz com que não haja concentração apenas na Virada. Ela não é um evento único. É um entre vários que a secretaria promove. Acho que essa parte é bastante importante, garantir que a coisa avance além do que foi no passado. Isso já começou a mudar com a gestão do Juca.
A cultura usada como artifício de valorização de determinados lugares provoca a expulsão dos antigos moradores; e a gentrificação foi muito debatida no Plano Diretor. Essa é uma preocupação da sua gestão?
A gente não pode trabalhar com a lógica de que não se pode melhorar a cidade para que não haja valorização. Temos de trabalhar com a ideia de que é possível melhorar, sem excluir. Se não, estaremos mal. Trabalhar para melhorar. Se isso significa algum tipo de valorização, temos de evitar que isso gere gentrificação.
Precisamos compatibilizar os eventos e a vida na cidade. Carnaval é manifestação popular. Não podemos reprimir. Seria um crime. Mas precisamos garantir condições para quem não quer participarÉ nessa linha que eu quero atuar. Agora, o que temos de evitar ao máximo é que o contrário ocorra: que a valorização de um determinado lugar expulse as atividades culturais que já existem. Isso tem ocorrido hoje, principalmente com os teatros. Para isso, o plano diretor criou as Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepec) e as Áreas de Preservação Cultural, que protegem as atividades culturais e artísticas. Um dos meus objetivos principais é regulamentar esses dois mecanismos ainda neste ano.
A Virada e o carnaval de rua cresceram muito e agora provocam críticas de quem mora nos bairros onde ocorrem os shows e desfiles de blocos...
Precisamos garantir e compatibilizar os eventos culturais e a vida na cidade. O carnaval é uma manifestação cultural do povo. Não podemos matá-lo ou reprimi-lo. Seria um crime. Mas precisamos garantir condições para quem não quer participar. Isso não é uma questão só nossa. Rio, Recife, Salvador têm carnaval. Mas acho que ter infraestrutura é fundamental, ter trajetos, garantir que não se prolongue a festa fora dos horários estipulados.
Mas levá-lo para locais fechados é uma opção?
O carnaval de rua é muito mais espontâneo. Não é adequada a exploração comercial. Acho que é importante que se mantenha sendo algo ligado à cidadania cultural, e não aos negócios.
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Prefeitura de São Paulo incentiva a cidadania cultural
Nabil Bonduki, arquiteto,
urbanista, ex-vereador e novo secretário municipal de cultura, em
entrevista exclusiva ao jornalista Oswaldo Luiz Colibri Vitta, fala
sobre o plano diretor, a crise hídrica e seu amor pela cidade que
comemora 461 anos de sua fundação. Além disso, ele fala dos desafios à
frente da pasta. (Na foto: Nabil Bonduki)
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