segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A COP30 apresentou avanços reais? O que diz uma especialista

 Como se pode avaliar o que foi obtido ao longo do processo de negociação que começou bem antes da realização do evento em si?

https://revistaforum.com.br/global/2025/11/23/cop30-apresentou-avanos-reais-que-diz-uma-especialista-192722.html

A COP30, realizada em Belém (PA), terminou neste sábado (22) e contou com resoluções aprovadas por consenso entre os Estados-membros da ONU, além de compromissos voluntários assumidos fora do processo formal de negociação. Diante dos resultados, como se pode avaliar o que foi obtido ao longo do processo de negociação que começou bem antes da realização do evento em si?

Para a professora de Direito da Universidade de Melbourne, Jacqueline Peel, especialista de renome internacional na área de direito ambiental e de mudanças climáticas, houve progressos no financiamento climático e na adaptação às mudanças já em curso. "No entanto, os esforços para acabar com a dependência dos combustíveis fósseis estagnaram diante da forte resistência das potências petrolíferas. Grande parte do progresso em Belém ocorreu fora das negociações principais", aponta ela.

Combustíveis fósseis

Em artigo publicado no The Conversation, a especialista pontuou que o Brasil tinha um plano: angariar apoio para um roteiro de eliminação gradual dos combustíveis fósseis, defendido pelo presidente Lula e fortemente impulsionado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. "O plano recebeu apoio de mais de 80 países, incluindo grandes exportadores de combustíveis fósseis como Noruega e Austrália. Antecipando resistência, o Brasil trabalhou para ampliar o apoio fora das negociações principais antes de apresentá-lo formalmente", conta.

"Não funcionou. Ao final da COP30, toda menção a um roteiro para os combustíveis fósseis havia sido removida do texto dos resultados finais, após forte reação negativa de países como Rússia, Arábia Saudita e Índia, além de muitas economias emergentes", pontua a especialista. "Em vez disso, os países concordaram em lançar o 'Acelerador Global de Implementação […] para manter o limite de 1,5°C ao nosso alcance' e 'evando em consideração' as decisões anteriores da COP. Essa iniciativa será conduzida pela Presidência brasileira da COP30 e pelos líderes das negociações da COP31 do próximo ano, Turquia e Austrália."

COP30: Confira o que foi decidido

Peel ressaltou que o presidente Lula prometeu continuar defendendo um roteiro para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no G20 e que a Colômbia e os Países Baixos realizarão uma conferência sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis em abril de 2026. "O texto da decisão da COP30 também faz referência a um 'evento de alto nível em 2026', que poderá ocorrer no Pacífico . Sem os obstáculos ao consenso nessas reuniões, uma coalizão de países dispostos a colaborar poderia fazer progressos reais no estabelecimento de cronogramas e na troca de ideias políticas para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis."

Financiamento climático

A professora de Direito diz que a decisão de desenvolver um mecanismo de transição justa foi saudada como uma vitória para os trabalhadores e as comunidades. O objetivo deste novo mecanismo será aumentar a cooperação internacional, a assistência técnica, o desenvolvimento de capacidades e a partilha de conhecimentos à medida que os países avançam rumo a uma economia global de baixo carbono.

"Esses fundos destinam-se a ajudar as nações mais expostas a danos climáticos severos, geralmente mais pobres e com baixas emissões. Essas nações lideraram a luta para triplicar o financiamento climático até 2030, partindo dos US$ 40 bilhões (A$ 62 bilhões) acordados na COP26, quatro anos atrás. Mas o texto acordado apenas 'solicita esforços para pelo menos triplicar o financiamento para adaptação até 2035', o que adia o prazo e não estabelece uma meta de financiamento", explica.

Ela destaca ainda uma outra iniciativa brasileira, o Fundo para Florestas Tropicais, que assegurou US$ 9,5 bilhões em promessas de financiamento, o que é um recorde na COP. Também foi consolidado o suporte a um roteiro para acabar com o desmatamento, firmado com 92 apoiadores.

"O sucesso dessas iniciativas de combate ao desmatamento demonstra a eficácia da Agenda de Ação da COP, que visa impulsionar ações climáticas fora das negociações formais e inclui compromissos de empresas, investidores e da sociedade civil. À medida que as negociações formais se emperram, essas vias alternativas podem acabar substituindo as negociações como motor do progresso", assinala.

Consenso

Segundo Peel, surgirão também questionamentos sobre a adequação dessas negociações baseadas em consenso, visto que esse tipo de mecanismo pode ser manipulado por grupos que buscam obstruir o processo.

"Para muitos, a COP30 será considerada um fracasso em relação aos combustíveis fósseis e na resolução das grandes lacunas entre as promessas nacionais de redução de emissões e o que é necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C", diz ela. "Isso é verdade. Mas outra perspectiva seria a de que essas negociações trouxeram avanços reais em áreas importantes, apesar dos consideráveis ??desafios."

"Negociadores de 194 países compareceram e continuaram a conversar e trabalhar juntos para enfrentar a crise crescente. Quase metade desses países demonstrou estar pronta para começar a se desvencilhar dos combustíveis fósseis, apoiando o roteiro de eliminação gradual. Eles não precisam esperar por um consenso da ONU para agir. Os exportadores de combustíveis fósseis só têm poder enquanto outras nações comprarem e dependerem de seus produtos", analisa, vislumbrando novas possibilidades futuras além daquelas ditadas pelo consenso na COP.

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A COP30 era “a hora da verdade”, mas a verdade é que o mundo rico não tem pressa nenhuma em parar de fritar o planeta. O rascunho do texto final é fraco: ninguém quer assumir o fim dos combustíveis fósseis nem pagar a conta da adaptação de um clima já descontrolado. Produtores de petróleo empacam, países ricos fogem do cheque, países pobres exigem o básico: financiamento. Não é falta de esforço do Brasil, é sobra de ganância global. Já passamos do limite dos 1,5°C e seguimos apostando num negacionismo-light: “mudanças climáticas existem, mas deixa eu queimar mais petróleo antes”. Vendem capitalismo verde, mas ele parece mais banqueiro pintado de guache no carnaval. Ainda dá para mudar o rumo, mas, como diria Santo Agostinho, traga-me a virtude, mas não ainda. 

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