segunda-feira, 22 de outubro de 2012

EDIÇÕES SESC SP lançam coletânea de diários do pensador francês Edgar Morin


“VIDA E PENSAMENTO DE UM CAMINHANTE”

Posso afirmar, entretanto, que é nos meus diários que dou o melhor de mim mesmo: são observações, reflexões, julgamentos nos quais me encanto ou me revolto, nos quais minhas qualidades literárias se expressam e desabrocham. (...) Ainda que eu seja percebido de maneira restrita como sociólogo e, por vezes, de maneira mais aberta, mas ainda classificadora e limitada, como “sociólogo filósofo”, sou antes de mais nada um ser humano que ama o que existe de maravilhoso na vida e tem horror ao que ela tem de cruel, um ser humano bastante comum enraizado nos séculos XX e XXI, que neles viveu e sofreu todos os grandes e pequenos problemas.

Edgar Morin, Diários, prefácio à edição brasileira. Paris, Fevereiro de 2012.

Teórico da complexidade, Edgar Morin pode ser considerado um dos principais nomes do pensamento ocidental que reúne em sua trajetória de vida um denso trabalho sistemático de pesquisa, de interpretação, criatividade e de experiências vividas que marcaram o século XX e XXI.

 A coleção Diários de Edgar Morin, composta pelos títulos Diário da Califórnia, Um ano sísifo e Chorar, amar, rir, compreender, será lançada em São Paulo, no dia 30 de outubro (terça-feira), 20h, no Sesc Pompeia (Teatro). O evento gratuito e aberto ao público, contará com a presença do autor. 

Aos 91 anos de idade, o intelectual evoca pelas palavras e pela livre linguagem de diários as suas reflexões, memórias e experiências. Como aponta o Diretor Regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, na apresentação de Chorar, amar, rir, compreender: “(...) em seus diários, (há) uma relação estreita e simples com o complexo, com a tessitura intrincada das relações humanas, discorrendo livremente sobre os dias e suas idiossincrasias, suas percepções sobre fatos políticos e econômicos no planeta juntamente com o corriqueiro viver.”.

 Na tênue espessura que não separa a vida da obra, mas a intensifica, encontra-se a figura do humanista Edgar Morin. “Meus diários não tem nada a ver com um diário literário, não visa minha “estatuificação” em poses nobres, mas minha “desestatuificação”, mostrando-me como uma pessoa comum que não esconde nenhuma de suas faltas e de seus erros.”, declara o pensador no prefácio brasileiro dos Diários.

Diário da Califórnia

Escrito no período em que Morin residiu na Califórnia, em 1969, a convite do Salk Institut (centro de pesquisas biológicas presidido por Jonas Salk, Prêmio Nobel de Biologia) onde conviveu com Jacques Monod - bioquímico e biólogo - e John Hunt - biólogo - dentre outros cientistas e pesquisadores que tinham como ponto comum desenvolver suas pesquisas e estudos com uma preocupação humanitária com o individuo e a sociedade.

Em Diário da Califórnia, segundo Adauto Novaes, que assina a orelha da obra “(...) o que observamos neste livro é uma sutil influência do espírito sobre si mesmo, da própria obra teórica e científica de Morin e sobre a vida do autor. (...) Seguindo a tradição de Rousseau, Morin propõe uma nova descoberta da subjetividade como fonte infinita da afetividade”.

Numa narrativa que mistura o rigor da teoria com divertidos acontecimentos, o autor foi buscar na Califórnia dos anos 1960/1970 elementos para dar corpo a suas ideias, desafiando com seu Diário os cânones estéticos e ideológicos que procuravam limitar a arte apenas à ficção.

Um ano sísifo

Com subtítulo Diário sobre o fim do século (1994), Um ano sísifo faz uma analogia com o mito de Sísifo, condenado pelos deuses a levar de volta, continuamente, uma grande pedra ao topo da montanha, depois de ter ela rolado pela enésima vez em direção ao vale. O pensador viu-se, nas palavras de apresentação do filósofo italiano Mauro Maldonato, que fez o texto de orelha desse Diário em “uma punição tremenda: recomeçar tudo, a cada vez, desde o começo. E de novo ainda. Até o infinito”.  

Um ano sísifo na história de um planeta cujas esperanças caíram e onde tudo parece ter que começar do zero. Um ano sísifo na vida de um homem (o autor) onde todas as resoluções para reformar sua vida afundam e que deve partir do ponto zero.

Esse diário caleidoscópico é ao mesmo tempo um espelho dos acontecimentos do mundo e o espelho daquele que os anota. Como o ponto singular de um holograma que traz em si o todo do qual ele faz parte, Edgar Morin viveu o ano sísifo de 1994.

Compõem ainda Um ano sísifo, fatos marcantes e transformadores na história, narrativas sobre a sua vida cotidiana e de eventos públicos, momentos de ternura e melancolia profundos, impressões e perguntas sobre nosso tempo e o contínuo embate entre o “presente da hesitação e uma possibilidade de um futuro”. A resistência que consiste na recusa da automatização dos dias e da vida ecoa no grito de alerta de que não é necessário render-se ao mundo assim, tal como ele parece.

Chorar, amar, rir, compreender

Em Chorar, amar, rir, compreender, o filósofo espanhol Emilio Roger Ciurana, que escreveu o texto de orelha, enfatiza que o autor olha o mundo, olha a vida e a vive. Trata-se de um olhar e um viver que são reflexos de sua enorme complexidade, universalidade e da concretude da condição humana. Mas não se trata de um simples anotar num diário os eventos que ocorrem no mundo e de acontecimentos na vida cotidiana. Morin vai além de Spinoza, que frente aos acontecimentos do mundo dizia não ter sentido alegrar-se, nem chorar, nem odiar, trata-se de compreender. Morin afirma-se na vida e afirma a vida: “(...) frente aos acontecimentos do mundo faz sentido chorar, amar, rir, compreender".

Trata-se, no cotidiano, de resistir á barbárie humana de uma época bárbara, cruel, devido à incapacidade generalizada de ver a vida e o mundo além da linearidade, da previsibilidade e fragmentação.

A guerra dos Balcãs é um dos principais panos de fundo que ocupam muitas reflexões do texto, além da guerra étnica e o massacre em Ruanda, assuntos de saúde de sua mulher Edwiges com implicações do comportamento dos profissionais da medicina, da traição do amigo, fato que abalou profundamente o autor, viagens, conferencias, debates dentre outros.

Fonte: Baobá Comunicação

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