Quatro textos e um vídeo bônus
1) Marina poderia ser favorita para 2018, mas 'queimou caravelas com esquerda' ao apoiar impeachment, diz fundador da Rede
1) Marina poderia ser favorita para 2018, mas 'queimou caravelas com esquerda' ao apoiar impeachment, diz fundador da Rede
Fundador e ex-membro da Rede
Sustentabilidade, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares afirma
que a líder política do partido, Marina Silva, pode ter perdido a chance de
chegar às próximas eleições presidenciais como favorita após ter declarado
apoio ao impeachment de Dilma Rousseff no ano passado.
"Quando ela assumiu essa
posição, extremamente irresponsável do ponto de vista da democracia, acho que
ela queimou as caravelas relativamente ao campo das esquerdas. Não só do PT,
das esquerdas", considera ele. "Isso circunscreve o seu potencial
eleitoral e político."
Soares elaborou as propostas das
candidaturas de Marina na área de segurança pública em 2010 e 2014 e deixou a
legenda em outubro do ano passado - um dos signatários de uma carta aberta em
que sete intelectuais anunciaram sua desfiliação, com críticas ao partido e a
sua líder.
Para Soares, Marina deixou de ser
"espontânea e genuína", o que era a sua marca, e passou adotar
posições "ambíguas", e jogar o jogo "mais tradicional" da
política.
Em entrevista à BBC Brasil, o
cientista político considera que o cenário para 2018 está em aberto e depende
da possibilidade de Lula se candidatar ou não. O caminho até lá também é
imprevisível. "Hoje o Temer já é dispensável para as elites", diz
Soares. "Eu diria que sua permanência é realmente incerta."
Especialista em segurança
pública, critica a presença do Exército no Rio e diz que o efeito é meramente
simbólico, para transmitir uma imagem de segurança à classe média.
Leia abaixo os principais trechos
da entrevista.
BBC Brasil - O senhor ajudou a
fundar a Rede Sustentabilidade e saiu fazendo críticas ao partido. Como vê hoje
as perspectivas para a Marina Silva?
Soares - Fui o primeiro
presidente da Rede no Rio. Mas a frustração foi muito grande, porque os vícios
de todos os partidos foram simplesmente reproduzidos.
A minha divergência com a Marina
teve a ver com seu apoio ao impeachment (da presidente Dilma Rousseff). Ela
tinha sempre se manifestado contrária. O (deputado Alessandro) Molon entrou
para o partido depois que ela se comprometeu a ser contrária.
E uma semana antes da votação,
ela se pronunciou a favor do impeachment, sem nos consultar. E pior ainda, a
direção do partido, que era contrária ao impeachment, mudou de posição menos de
24 horas depois, para não deixá-la só. Isso é o retrato de que o partido não
dispõe de instâncias autônomas.
BBC Brasil - Qual foi o impacto
dessa mudança para a trajetória política dela? O senhor acredita que Marina
tenha chances em 2018?
Soares - Ser a favor do
impeachment significava entregar o país ao núcleo mais perigoso da política
nacional, o PMDB. Quando ela assumiu essa posição, extremamente irresponsável
do ponto de vista da democracia, acho que queimou as caravelas relativamente ao
campo das esquerdas. Não só do PT, das esquerdas.
Marina deixou de ser espontânea e
genuína... Passou a estar sempre numa posição ambígua, com poucas definições
claras, e a jogar o jogo mais tradicional.
Ela hoje teria todas as condições
de ser favorita nas eleições de 2018 se tivesse se mantido contra o
impeachment. Poderia unificar o campo das esquerdas com um discurso palatável,
capaz de suscitar respeito entre eleitores do centro, e a população evangélica
também se reconheceria nela. Ela viria com um potencial eleitoral muito grande.
Com sua ruptura com o campo da
esquerda, resta a ela buscar unir o centro com fatias mais conservadoras e de
centro-esquerda. Mas isso já circunscreve o seu potencial eleitoral e político.
Ela deixou de ser espontânea e
genuína. Essa era a sua marca. Passou a estar sempre numa posição ambígua, com
poucas definições claras, e a jogar o jogo mais tradicional. Mas sem dúvida é
uma candidatura forte potencialmente.
BBC Brasil - O cenário ainda está
muito em aberto para 2018 - o que o senhor acha que está se desenhando para a
disputa?
Soares - O Lula é um forte
candidato, porque para a maioria da população fez o melhor governo que
experimentaram. E de fato os resultados foram notáveis, superiores aos governos
anteriores em termos de crescimento e de redução de desigualdades. Ele saiu com
85% de aprovação popular. Isso é um patrimônio extraordinário, que está sendo
erodido pelas denúncias constantes da mídia.
João Doria não merece confiança cívica. De
maneira cínica, ele se apresenta como não-político, mas faz política o tempo
todo, e da pior qualidade. É um demagogo que se apresenta como anti-Lula,
anti-PT, já que não tem substância.
Você tem um aventureiro, o
prefeito de São Paulo, João Doria. Ele não merece confiança cívica. De maneira
cínica, ele se apresenta como não-político, mas faz política o tempo todo, e da
pior qualidade. É um demagogo que se apresenta como anti-Lula, anti-PT, já que
não tem substância. O Alckmin, a alternativa do PSDB tradicional, tem mais
substância, mas é muito difícil que o PSDB eleja um presidente diante de tantas
denúncias.
E hoje temos a extrema-direita de
fato fascista, que propõe golpe militar, o Jair Bolsonaro. Ele nunca foi
exposto, cobrado, nunca lhe perguntaram nada sobre o Brasil. Ele é apenas o que
denuncia, que fala em nome da ordem, e reuniu uma multidão de admiradores com a
corrosão da credibilidade das instituições.
Já Ciro Gomes, acho que tem muita
dificuldade de se consolidar porque se comportou de maneira errática em relação
a compromissos e vinculações partidárias no passado, gerando incerteza em torno
de seu comportamento, ainda que tenha talento e um projeto com alguma
substância.
BBC Brasil - O senhor considera o
ex-presidente Lula um candidato forte, mas ele é réu cinco vezes e já foi
condenado em primeira instância em um sexto caso, o do tríplex do Guarujá.
Soares - Essas denúncias são
muito complicadas. As do sítio de Atibaia e do tríplex são ridículas e não
sensibilizarão a população. As pessoas sabem como funcionam os poderes no
Brasil, e dirão, mesmo que (a série de acusações contra Lula) seja verdade, que
outras pessoas estão aí roubando bilhões.
Na época do Adhemar de Barros, um
governador de São Paulo que foi muito popular, a população dizia, "ele
rouba, mas faz". Já que a categoria dos políticos é basicamente corrupta,
com raras exceções, vamos escolher entre os que produzem benefícios. Esse tipo
de espírito vai acabar prevalecendo quando as questões estiverem ainda num
nível de sítio, pedalinho e apartamento.
BBC Brasil - A percepção sobre
corrupção mudou com a Lava Jato ou o senhor acha que mesmo hoje as pessoas
ainda comprariam essa ideia do "rouba, mas faz"?
Soares - Se você tiver um segundo
turno entre Bolsonaro e Lula, não tenho dúvida que todos que criticam o Lula
hoje vão votar nele. Todos que têm alguma ambição democrática. Mesmo que
acreditem que ele tem algum envolvimento com corrupção. Talvez tenhamos que
votar contra, e não a favor.
Os juristas mais importantes que
conheço consideram pífias as acusações contra o Lula. Estou convencido de que a
fundamentação é insuficiente para uma condenação.
Não estou dizendo que a Lava Jato
não mereça respeito. Mas que houve uma inclinação política na focalização do
PT, houve. O PSDB começou a aparecer muito mais recentemente, e de forma muito
mais leve que o PT, e os problemas são equivalentes. E são superados pelo PMDB,
onde reside o núcleo central e mais tarimbado da corrupção na política
brasileira.
Retirar a Dilma para levar o representante
do PMDB para o poder em nome da ética é despudoradamente hipócrita
Retirar a Dilma para levar o
representante do PMDB para o poder em nome da ética é despudoradamente
hipócrita. Pois as massas foram às ruas, a classe média, instigada pela Globo,
para apoiar essa troca. E diante do quadro atual, não há o mesmo tipo de
investimento na mobilização política. As ruas estão vazias, por assim dizer.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil
BBC Brasil - Depois de ser quase
derrubado pelo escândalo da JBS, o presidente Michel Temer conseguiu sobreviver
ao julgamento do TSE e ao voto na Câmara que barrou a denúncia de corrupção
contra ele. O senhor acha que agora ele consegue se manter até o fim do
mandato?
Soares - Ninguém sério pode
responder a essa pergunta com convicção. É impossível saber. As variáveis são
incontroláveis, como as que advenham das investigações da Lava Jato. Se algumas
delações forem aceitas e negociadas, é possível que Temer não consiga se
sustentar.
Até porque já há um substituto
comprometido a seguir a agenda regressiva para cujo cumprimento Temer foi
elevado a presidente. O afastamento da Dilma foi uma manobra para que essa
agenda neoliberal extrema fosse implementada, que nunca obteria apoio em uma
eleição.
Estamos diante de uma verdadeira
intervenção neoliberal, com uma agenda obscurantista e regressiva. Enquanto as
atenções públicas se voltam para a permanência ou não do presidente, ele e o
seu governo se apressam, na calada da noite, a promover mudanças trágicas para
as sociedades indígenas, para a sustentabilidade, o meio ambiente.
Eu acredito que haja condições
para que o Temer caia. Quais são as condições imprescindíveis? Uma alternativa
comprometida com a implementação das mesmas reformas neoliberais, que é o
Rodrigo Maia.
Hoje o Temer já é dispensável
para as elites. Se ele cair, o presidente da Câmara pode dar sequência à agenda
das reformas. E se as elites já têm um estepe, talvez ele seja mais
conveniente. Mesmo que venha a ser denunciado, este será um processo demorado,
e ele implementaria de forma talvez mais fluente a agenda neoliberal.
Se isso é possível, o Temer corre
risco. Diria que hoje sua permanência é realmente incerta.
BBC Brasil - O Congresso está se
movimentando para aprovar uma reforma política que implantaria o chamado
distritão, que vem sendo criticado como um sistema que favoreceria a eleição de
velhos conhecidos da política. O senhor acha que isso vai adiante?
Soares - Isso é assustador. O
distritão elimina as minorias, torna as eleições muito mais caras e com
resultados previsíveis, porque os que já estão no poder vão viabilizar sua
reeleição, e as celebridades terão privilégios. Não haverá possibilidade de que
os partidos ideológicos se destaquem. As propostas vão ficar em segundo plano.
Não à toa, esta é uma ideia do Temer, e do Cunha, que está sendo apresentada
pelo PMDB e pelas forças conservadoras do Congresso.
BBC Brasil - O ministro do STF
Luís Roberto Barroso disse há alguns dias que a crise política está levando a
um "cenário de devastação no Brasil", e que é impossível não sentir
vergonha. O momento lhe causa vergonha?
Soares - Claro. Quer dizer, eu
não sei se vergonha é o termo, porque vergonha significa que você se sente
representado pelos que elegeu e culpado pelo que está acontecendo. Eu não sinto
assim, porque quando a gente é derrotado, não é necessariamente responsável
pelo que sucede após a derrota.
Direito de imagem Valter
Campanato/Agência Brasil
Image caption Para Luiz Eduardo
Cardoso, há condições para que Temer caia do cargo se deleções forem aceitas e
negociadas
BBC Brasil - Então é vergonha
alheia?
Soares - Ah, isso sim. Sem dúvida
(risos).
BBC Brasil - Há algo que lhe dê
esperança no momento?
Soares - O longo prazo. Se você
estuda história, você tem a perspectiva de que as coisas foram muito piores. Já
vivemos momentos mais difíceis durante a ditadura. E o que ocorreu no Brasil no
século 20 pode nos dar esperança de mudanças profundas.
No curto prazo, não dá para ser
otimista. Mas os processos são dinâmicos. E há uma potência que vibra no
subsolo do Brasil desde 2013 cujas energias podem se converter em
transformações importantes.
BBC Brasil - O senhor costuma
falar no deslocamento de placas tectônicas quando busca explicar os efeitos dos
protestos de 2013. Esses efeitos ainda estão sendo sentidos?
Soares - A metáfora me ocorreu
quando senti nas ruas essa palpitação, essa energia pulsando, inclusive a
alegria da participação. Aqueles foram momentos de festa, e eu dizia, o Brasil
se revolta, se rebela, vai às ruas porque melhorou bastante. Em geral é assim.
Você potencializa os agentes sociais, que elevam suas expectativas e assumem
protagonismo.
Foi um momento muito bonito,
contraditório. As mensagens eram, basicamente, que há um colapso da
representação política. Ninguém acredita mais nas instituições políticas tal
como funcionam. Isso é perigoso, mas é também condição positiva de mudança.
O fato de não ter havido nenhuma
modificação diretamente derivada de 2013 não significa que aquilo não tenha
sido muito importante.
A partir dali, a gente passou a
viver intensamente o que vivera anteriormente, mas requalificando as relações.
Se já havia adversários, eles se transformaram em inimigos. Se já havia
oposições, elas se converteram em confrontos. Se havia uma linguagem da
disputa, ela se converteu em código do ódio. As polarizações se enrijeceram e
se firmaram.
O que marca tudo isso é a intensificação.
E essa intensidade tem um sentido e ainda não se manifestou plenamente. Isso
pode ser uma fonte de temor ou esperança. Nós estamos em um momento como esse
diante da história, do seu abismo e de suas promessas.
BBC Brasil - Por que as ruas estão
vazias? Por que não vemos nada parecido com as mobilizações de 2013 ou de antes
do impeachment?
Soares - O cenário está
totalmente aberto, e as pessoas estão pensando nas consequências (dessa
mobilização). Elas vão para a rua clamar pela queda do Temer para então receber
Rodrigo Maia? E para continuar com a agenda das reformas?
Há uma potência que vibra no subsolo do
Brasil desde 2013 cujas energias podem se converter em transformações
importantes
A classe média pode desejar isso,
mas a maioria da população positivamente não, conforme demonstram pesquisas de
opinião. Além disso, há uma suspeição enorme de que as movimentações vão acabar
beneficiando o Lula, então os contrários ao Lula não vão se envolver.
BBC Brasil - Como o senhor vê a
situação atual de segurança no Rio? Temos visto uma escalada de violência e o
governo respondeu com o envio do Exército. O senhor acha que isso ajuda a
resolver o problema de alguma maneira?
Soares - Não, claro que não, e a
cúpula do Exército sabe disso. Sabe que os soldados não estão preparados para
fazer vigilância nas ruas, para abordagens, eventuais enfrentamentos e para
respeitar limites indispensáveis às ações internas ao país. Eles têm muito medo
de um eventual deslize, de uma ação precipitada ou mesmo de uma autodefesa
legítima, porque isso impacta a imagem do Exército.
Mas o fato é que presença do
Exército tem efeito meramente simbólico. Transmite uma imagem de segurança para
a classe média, que acha que agora está protegida. Não há dados sobre ações
anteriores que demonstrem que esse é o caso. Os números não mostram queda de
criminalidade. Ao contrário, às vezes até aumentam, sobretudo de homicídios
dolosos.
BBC Brasil - É um gesto de
desespero convocar o Exército?
Soares - Mas é claro, e isso o
governo já disse explicitamente. Deixou claro que não tem recursos, está
perdido, não sabe mais o que fazer. Qualquer iniciativa para qualificar o
trabalho das polícias envolveria mais recursos, e o Estado está quebrado, não
paga os funcionários, mal paga as polícias.
Eles estão inteiramente perdidos
e reproduzem o velho padrão da guerra às drogas e intervenção bélica nas
favelas, que produzem desastres. São mortes de inocentes por balas perdidas,
mortes de suspeitos e mortes de policiais.
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2) Ivone Gebara: “O povo não está apático. Está na luta contínua pela sua sobrevivência"
Teóloga feminista rejeita ideia de que o povo está insensível diante dos retrocessos recentes
Freira,
filósofa e feminista, Ivone Gebara rejeita a tese de que o povo
brasileiro está apático e insensível diante dos retrocessos dos direitos
sociais que estão ocorrendo no Brasil.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela afirma que vê o período como um “respiro” para se repensar a democracia no país:
“O povo está em uma luta contínua pela sua sobrevivência. E os
momentos de manifestação de rua são especiais, mas quando eles não
acontecem, isso não significa que o povo não está consciente do que ele
precisa.”
Ela refuta também a ideia de que não existe formação política de base
no país. Para ela, a formação popular ganhou novos contornos, e a
esquerda necessita captar esta diversidade. Ela cita, por exemplo,
grupos de teatro populares e o rap. “Os meios de consciência política
não são só os partidos.”
Importante nome do feminismo e defensora de uma teologia libertária,
Gebara comemora a diversidade dentro dos movimentos de mulheres.
Doutora em Filosofia pela PUC-SP e em Ciências Religiosas pela
Universidade Católica de Lovaine, na Bélgica, ela já escreveu mais de 30
livros, entre eles o “Teologia ecofeminista: ensaio para repensar o
conhecimento e a religião”, publicado em 1997.
Confira na íntegra a entrevista:
Brasil de Fato: Durante a votação da denúncia contra o
presidente Michel Temer no Congresso Nacional, não vimos manifestações
massivas. Ainda assim, você disse que não acredita na apatia do povo.
Por que?
Ivone Gebara: Eu acho que apatia é talvez uma
palavra que as pessoas do governo e da situação adoram usar pelo sentido
que um povo apático é um povo que está aprovando a ação deles ou que
não vai se manifestar de outra forma. Mas eu acho que não. Não estamos
apáticos, mas no momento de buscar uma nova saída.
Nós estamos em uma luta contínua. O povo está em uma luta contínua
pela sua sobrevivência. E os momentos de manifestação de rua são
especiais, mas quando eles não acontecem, isso não significa que o povo
não está consciente do que ele precisa. São momentos de respiro.
A gente tem que respirar para ver qual é o caminho. Qual é a
democracia que defendemos? A democracia participava, a democracia branca
ou uma democracia política sem a democracia econômica? Quais são as
cores e os valores desta democracia?
Eu levanto a questão até mesmo se a palavra democracia é a que vamos
usar daqui para frente. Talvez tenhamos que encontrar uma outra palavra
que expresse aquilo que nós estamos querendo neste momento. Não saber
não é defeito nem doença: é uma condição para que a gente possa
saber coisas novas e diferentes.
Você teve ligação com a Teologia da Libertação, movimento
marcado pelo trabalho de formação políticas por meio das comunidades
eclesiais de base. Como você avalia o trabalho de base hoje?
O trabalho de base não é uma coisa separada do estado geral da
política, da economia, da cultura. Eu acho que nos anos 1970 e 1980, com
a ditadura militar, a gente sabia o que era o trabalho de base porque a
gente tinha alguns objetivos a atingir. E agora a gente sente o
mal-estar, mas a gente ainda não conseguiu detectar por onde vamos
caminhar para superar esse mal-estar, a fome, a falta de moradia… Não
sabemos mais.
O que sabemos é que só os meios legais não são suficientes. Há leis,
por exemplo, que dizem que não pode ter preconceito racial, lei para
dizer que todo mundo tem que ter moradia, para que todo mundo tenho
direito à saúde, mas elas não funcionam. A questão não é reivindicar
essas leis, mas repensar concretamente os meios para obter aquilo que é
fundamental para a vida das pessoas. E, talvez, tenhamos que formar “a
Igreja Tal”, “o Partido tal”, mas grupos pequenos.
Eu tenho ficado encantada com os grupos de teatro popular. Eu já
colaborei com dois grupos na zona leste [de São Paulo] e estes grupos
estão levando uma consciência política para estes participantes porque
eles estudam — eu tenho ajudado, inclusive, no nível da reflexão —
teatro, música…
Eu acho que tem uma mensagem que vem do rap que é interessantíssima.
Ou seja, os meios de consciência política não são mais só os partidos.
Tem os grupos de mulheres… Vi um grupo de jovens que dizia: “Somos
feministas mas não como as velhas feministas”. E eu digo: “Maravilha! É
assim que tem que ser”. Temos que tentar captar a diversidade da
formação popular hoje.
Essa diversidade a gente deveria se articular. A gente deveria ter
uma articulação maior com grupos de teatro, de intelectuais, de
professores que pensam a história, a filosofia, política, grupo de
médicos… A nova forma não tem que se estanque. A ideia de classe social
tem que ser revista, temos que falar não apenas de classe, mas de grupos
que são solidários a uma causa comum.
Tem muita coisa em ebulição e em transformação.
Você tem uma trajetória como teóloga e feminista. Como
enxerga esse movimento atual das jovens, que até foi cunhado de
“primavera feminista”?
Eu não gosto muito do termo “primavera feminista”. Por que a gente
tem que se apropriar de coisas que são de outras pessoas? Eu acho que o
movimento feminista está marcado pela diversidade, e isso é uma coisa
maravilhosa.
É uma ilusão a gente imaginar que o feminismo começa com as mulheres
brancas. O nome feminismo, talvez; mas as atitudes feministas não
começaram com as mulheres brancas. Eu acho que começaram com as mulheres
negras. Lembro das negras dos EUA, especialmente, mas as negras aqui no
Brasil, e a literatura de tantas mulheres negras que agora estão de
manifestando. Isso é feminismo. Só que não há mais, digamos, uma ordem
estabelecida feminista, uma regra. Há muitas bandeiras e eu não sou
obrigada a abraçar todas, mas a respeitar as bandeiras e o diálogo entre
elas. E acho que é essa a situação que estamos vivendo hoje.
Os movimentos populares defendem as eleições diretas como um
pontapé para um resgate do processo democrático. Qual sua avaliação do
cenário para 2018?
Claro que eu sou pelas eleições diretas. Não tenho a menor dúvida.
Mas agora eu vivo um problema: com todo o carinho que tenho pelo
[ex-presidente] Lula, eu tenho algumas perguntas. Será que não estamos
conseguindo abrir para outras lideranças, e da mesma linha política e
ética? Me parece, na realidade, que não. Isso me preocupa e é uma
questão que a gente vai ter resolver e discutir. Mas, sem a menor
dúvida, “Diretas, já!”.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
3) Esfera de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana
clique em cima do titulo para ler a matéria do site Intercept Brasil
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4) Considerar 2018, mas ir além
FREI BETTO; VOTE BRASIL 2018
14/08/2017
14/08/2017
Reflexões sobre a importância das eleições de 2018 e sugestões de como fazer a escolha mais correta do projeto, do candidato e do partido. Esse o sentido deste apelo à cidadania responsável de Frei Betto: Lboff
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Já que tudo indica que Temer permanece à frente do governo até dezembro de 2018, dado que a sua base aliada no Congresso decidiu obstruir a Justiça, fica a pergunta: a quem eleger para sucedê-lo?
Pesquisas eleitorais que já tiveram início destacam uma dúzia de prováveis candidatos. E os eleitores reagem de diferentes formas.
Há os que já
decidiram não votar. É a turma do Partido Ninguém Presta. Atitude
meramente emocional. Quem tem nojo de política é governado por quem não
tem. E tudo que os maus políticos querem é que viremos as costas à
política para dar a eles carta branca.
Há os que votarão no próprio umbigo em defesa de seus interesses corporativos, como os eleitores da bancada do B: boi, bala, bola, bancos e Bíblia. Esses escolherão candidatos afinados com o latifúndio, o desmatamento da Amazônia, o extermínio dos indígenas, o mercado financeiro, a homofobia, a privatização do patrimônio público e o Estado mínimo.
Um contingente de eleitores votará em quem seu mestre mandar. É o rebanho eleitoral, versão pós-moderna do coronelismo, agora substituído por padres e pastores, figuras midiáticas e chefes de organizações criminosas.
Há ainda o eleitor que se deixará levar pela propaganda eleitoral. Votará em quem lhe parecer mais simpático, sem sequer conhecer os projetos políticos do candidato. É aquela empatia olho no olho que não vê mente, coração e bolsos…
E há os que votarão em candidatos progressistas, ou naqueles que assim se apresentarão nos palanques, na esperança de resgatar os direitos cassados pela atual reforma trabalhista e corrigir os desmandos do governo Temer, para que o país volte a crescer e ampliar seus programas sociais.
Ora, devemos votar no Brasil que sonhamos para as futuras gerações. Isso significa priorizar programas e projetos, e não candidatos.
Um país no qual coincidam democracia política e
democracia econômica. De que vale o sufrágio universal se não repartimos
o pão?
Votar no Brasil que requer profundas reformas estruturais, como a tributária, com impostos progressivos; a agrária, com o fim do latifúndio e do trabalho escravo; a política e a judiciária. Brasil que promova os direitos das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Brasil de democracia participativa e no qual o Estado seja o principal indutor do desenvolvimento, com distribuição de riqueza e preservação ambiental.
Fora disso, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes. Ou pior.
Votar é importante, mas não suficiente. Porque no Brasil tradicionalmente nós votamos e o poder econômico elege. Em 2018, porém, será a primeira eleição para o Congresso e a presidência da República na qual as empresas não poderão financiar campanhas políticas, como faziam as que estão denunciadas pela Lava Jato. Isso não significa que o caixa dois será extinto.
Seria muita ingenuidade pensar que políticos que se
lixam para a ética não haverão de encontrar formas de obter dinheiro
ilegal.
Por isso, é um erro jogar nas eleições todas as fichas da nossa esperança em um Brasil melhor. O mais importante é investir no empoderamento popular. Reforçar os movimentos sociais e sindicais, intensificar o trabalho de formação política e consciência crítica, dilatar os espaços de pressão, reivindicação e mobilização. Só conseguiremos mudanças significativas se vierem de baixo para cima.
Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
O vídeo bônus
Fernando Haddad no Roda Viva da Semana do XI de Agosto na Faculdade de Direito da USP - Largo São Francisco.
Clique acima do texto escrito acima para assistir/ouvir.
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