Fonte: Diário do Centro do Mundo
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Postado em 26 Feb 2014
por : Kiko Nogueira
Como diz o nosso querido Bertrand Russell, o problema do mundo é que
os idiotas são cheios de certezas e os sábios cheios de dúvidas.
Grupos religiosos querem proibir “Jesus Cristo Superstar” no Brasil. A Associação Devotos de Fátima criou uma petição online exigindo que a ministra da Cultura, Marta Suplicy, “cancele esse espetáculo blasfemo, sacrílego, grotesco e pecaminoso!”
“Tenho certeza de que a senhora jamais daria dinheiro a alguém que
estivesse preparando uma violência contra o senhor seu pai ou algum de
seus entes queridos. Mas eu me sinto assim quando vejo os cartazes
anunciando esse espetáculo de horror, com os dizeres ‘promovido pelo
Ministério da Cultura’”, afirmam os autores da moção.
Também lhes incomodou o fato de o narrador da peça ser Judas
Iscariotes; a sugestão de uma relação “indecente” com Maria Madalena; e
JC se apresentar vestindo calça jeans.
Não vou me estender no resto do blablablá intolerante, rastaquera e
biruta, mas a verdade é que a ópera-rock de Tim Rice e Andrew Lloyd
Weber fez mais, provavelmente, pelo Senhor do que essas milícias
medievais.
Desde a estreia na Broadway, em 1970, e depois no West End, de
Londres, sempre foi um sucesso. Faturou mais de 120 milhões de dólares
com montagens em mais de 40 países. A trilha sonora original vendeu mais
de 7 milhões de cópias (Ian Gillan, antes de virar vocalista do Deep
Purple, fazia a voz do filho de Deus). As pressões de fundamentalistas
também não são novas (na África do Sul e na Bielorussia, houve
banimento, aliás).
Em 1973, virou um filme dirigido por Norman Jewison. É, como todo
musical, uma chatice, mas tem grandes momentos (o tema e a linda canção
“Everything’s Alright”, entre outros). Uma leitura meio hippie da “maior
história de todos os tempos”. Tim Rice disse que não via Cristo como
Deus, mas “simplesmente como o homem certo no lugar certo”. Perto de “A
Última Tentação de Cristo”, é um passeio no parque.
É útil para a causa. Mais útil do que o Padre Marcelo dando pulinhos
aos domingos. Um clérigo viu isso: Nick Baines, bispo anglicano de
Bradford, na Inglaterra.
Em 2012, quando a peça foi adaptada para a TV por lá, houve uma
grita. Baines escreveu um belo artigo no jornal The Telegraph em que se
apegava principalmente a uma passagem fundamental do texto, quando Judas
pergunta “Quem você pensa que é?” ao mestre.
“Um musical pode atingir partes de nós que um sermão não pode, uma
boa melodia toma conta da imaginação e permanece em nossa mente. Da
mesma forma, as questões levantadas no musical podem atingir as pessoas
que não têm intenção de ouvir um sermão ou ler sobre teologia”,
escreveu. “Os cristãos se queixam de que é difícil capturar a imaginação
(e a atenção) de muita gente — e no entanto, na peça, isso é oferecido
como a cabeça de João Batista, num prato”.
Uma nova geração, acredita Baines, tem a oportunidade de estabelecer
contato com as perguntas dos evangelhos. “Eles podem falar de Jesus num
bar e em outros locais cheios de pessoas que não encontram seu caminho
na igreja. Os seguidores de Jesus não eram os santos de plástico que
vemos em vitrais com auréolas em torno da cabeça. Eram pessoas normais
que se esforçaram para entender Jesus, frequentemente do lado errado da
fronteira teológica. Estas eram pessoas reais – esse é o ponto”.
A obra, diz Baines, é um olhar para Jesus através dos questionamentos
de Judas, o personagem mais intrigante das narrativas evangélicas.
“Assim como Jesus se envolveu com gente real no mundo real, ‘Jesus
Cristo Superstar’ pode levar uma audiência improvável a se comunicar com
ele. Pode até fazer com que um público que pensa que sabe tudo sobre
ele dê mais uma olhada. Afinal de contas, os evangelhos desafiam
seriamente aqueles com preconceitos arraigados a respeito de Deus a
pensar duas vezes”.
Amém.
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