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Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta de
ações afirmativas no Brasil, em 1983, mas apenas 20 anos depois os
princípios apresentados por ele começaram a ser utilizados nas políticas
públicas, como as cotas raciais nas universidades
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil
No dia em que se comemora centenário de Abdias Nascimento,
debates e apresentações culturais prestaram homenagem ao ativista
precursor da luta pela igualdade racial no país. Pela manhã, o Clube de
Engenharia promoveu o debate Democracia Racial: Atingimos os Objetivos?,
onde foram discutidos a democracia racial no Brasil, nos Estados Unidos
e na África do Sul.
Na parte da tarde, um grande evento no Centro Cultural Ação da
Cidadania reuniu professores, intelectuais e artistas para lembrar o
legado deixado pelo escritor em mais de 80 anos de luta contra o
racismo. A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (Seppir), Luiza Bairros, destacou que Abdias foi crucial nessa
luta.
“É uma pessoa que viveu muito tempo, então ele viveu e acompanhou a
luta antirracista desde os anos 40. De uma certa forma, ele colocou
quais eram as principais questões do racismo no Brasil, entre elas a
questão da violência policial, que foram temas que permaneceram ao longo
do tempo e que permanecem até hoje como desafios importantes a serem
superados naquilo que se refere à discriminação contra negros”.
Ela lembra que Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta
de ações afirmativas no Brasil, em 1983, e que apenas 20 anos depois os
princípios apresentados por ele começaram a ser utilizados nas
políticas públicas, como as cotas raciais nas universidades.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Kabengele
Munanga, congolense especialista em Antropologia das Populações
Afro-Brasileiras, uma das grandes contribuições de Abdias foi a
introdução do ensino de história da África e dos negros nas escolas, a
partir da publicação das revistas Sankofa e Thoth – Escriba dos Deuses – Pensamento dos povos africanos e afrodescendentes, enquanto era senador.
“As duas revistas oferecem textos, imagens e ilustrações que enfocam
uma África autêntica e suas contribuições na civilização universal, além
de apresentar uma história do negro brasileiro que rompe com a
historiografia colonial e racista que até agora permeia muitos livros e
materiais didáticos. A Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o
ensino da história do negro e da África no ensino básico brasileiro,
pode ser considerada uma consagração das propostas do senador Abdias nas
revistas Thoth e Sankofa”.
A professora Elisa Larkin Nascimento, viúva do escritor e diretora do
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), explica
que o debate de hoje (14) foi sobre a “falsa democracia racial” que
ainda ocorre no Brasil. “Essa ideia da democracia racial na verdade,
durante muito tempo, funcionou muito mais como um instrumento de
opressão, de negação do próprio direito do alvo do racismo se insurgir e
combatê-lo e lutar por seus direitos. O resquício pode ser visto nos
argumentos contra as políticas de cotas, de que quem trabalha com o
conceito de raça é racista. Isso tenta desviar o discurso para um lado
de genética e biologia, que não é por onde nós vamos. É uma questão
social, histórica e cultural, e também continua a mesma tradição
brasileira de negar ao negro seu direito de própria defesa”.
Para a ministra Luiza Bairros, a sociedade brasileira avançou no
combate à desigualdade racial e na inserção do negro na sociedade, mas
ainda há sérios problemas, com destaque para a questão da segurança
pública. “Os negros continuam sendo os mais abordados pelas polícias,
continuamos sendo a maioria nas prisões, a maioria dos que nãos tem
acesso a instrumentos legais de defesa que permitam um acesso pleno à
justiça. Acho que nessa área a gente ainda tem muito o que caminhar”,
diz.
De acordo com a ministra, a Seppir fez, no ano passado, um protocolo
para melhorar o acesso do negro à Justiça, especialmente os jovens, em
conjunto com Ministério da Justiça, o Conselho Nacional do Ministério
Público, Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal.
Abdias Nascimento morreu em 2011, aos 97 anos.
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