sábado, 11 de abril de 2015

QUAL O PAPEL QUE CABE AO POVO NA FORMAÇÃO DA CULTURA?




É preciso pensar um pouco sobre isso: qual o papel que cabe ao povo hoje em dia na formação da cultura do país ao se constatar que é esmagado pela indústria do entretenimento? Não é uma resposta difícil porque tudo é feito às claras. Só não vê quem não quer. Às camadas menos favorecidas da população sempre coube uma parcela importante da criação da arte popular. E arte é transformação. E com transformação se muda o curso da História. Foi a lição que aprendemos.

Abílio Neto - pesquisador musical
Infelizmente, a realidade é muito triste: o povo é refém de um inteligentíssimo esquema de mercado que envolve proprietários e diretores de programação de estações de rádio e TV, donos de casas noturnas, de blocos de axé, de clubes de carnaval como “Galo da Madrugada” e “Virgens de Olinda”, de grandes cervejarias, de gravadoras, até chegar aos “intelectuais do convencimento”, esses a quem cabe o papel de tapar o sol com a peneira, ao defenderem com unhas e dentes que essa subordinação não existe, ou que não passa de papo de esquerdista frustrado.
A verdade é que procura-se no meio do povo um novo Zé do Norte e não se acha. Quem não se lembra de: “os óios da cobra é verde/ hoje foi que arreparei/ se arrepasse há mais tempo/ não amava quem amei”?
Quem recorda esses versos de domínio público recolhidos no recôncavo baiano: “ô marinheiro, marinheiro/ marinheiro samba/ quem te ensinou a nadar/marinheiro samba/ foi o tombo do navio/marinheiro samba/ foi o balanço do mar”?
São peças populares, mas tão lindas que foram incorporadas ao repertório do grande Caetano Veloso. Hoje me parece que esse processo criativo do povo foi interrompido porque foi atropelado pelo desprezo ao que não tem apelo comercial. Quem é o responsável por isso? Ora, só pode ser aquele a quem cabe zelar pela cultura. Nada contra o tecnobrega, sertanejo ou funk carioca, mas vejam quem está por trás deles e faturando alto: são os empresários.
 Entre esses, os DJ funkeiros e os DJ de aparelhagem. Um traço em comum entre eles é a riqueza, igualmente aos artistas que mais se destacam nesses gêneros. Tecnobrega, sertanejo-pop e funk são manifestações culturais do povo? Para mim, não, com todas as vênias e respeitos a quem diverge.
Acho que é coisa imposta de cima pra baixo. Na origem, há uma nítida inversão de camadas sociais. Se eu estiver errado, me apontem os do povo que são autores dos sucessos dessas citadas “manifestações culturais”. Indo mais além, vejo o povo como um mero figurante nesse grande jogo de interesse que se me afigura como puramente mercadológico.
 Emprega-se hoje o nome de manifestação cultural onde não existe cultura. Cultura de verdade, entendo eu, não é aquela que se vale do rápido e fácil domínio das plateias, ao contrário, ela tem um longo processo de formação e somente se reconhece pela sua finalidade maior que é a transmissão para a posteridade de obras ricas em valores artísticos, sejam eles folclóricos, populares (da classe média) ou eruditos. Não é à toa que Alceu Valença, em suas entrevistas, meta a lenha na indústria do entretenimento. Ele sabe o que fala!
O cordelista, músico, cantor e compositor Allan Sales, um dos artistas populares mais famosos do Recife, vê assim a questão:
“É preciso matar a alma do povo na fonte, não pondo em cena o que naturalmente brota desse povo, mas valorizando mercadologicamente toda espécie de lixo cultural que vem a responder a essa demanda midiática e criação de produtos culturais descartáveis. O problema é que hoje somos majoritariamente uma sociedade de consumidores e não de criadores, e uma sociedade de consumidores, por definição, pressupõe uma massa amorfa, passiva e isenta de senso crítico que engole goela abaixo, sem grandes questionamentos, os 'lepolepo' da vida.”


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