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Militante da comissão “No a La Baja”,
Andrés Risso fala sobre as estratégias que impediram a tentativa de
redução da maioridade penal no país, levada a cabo por meio de um
plebiscito; “Se a população tem acesso à informação, muda de opinião,
porque é uma proposta muito primitiva”, afirma
Por Anna Beatriz Anjos
Em 26 de outubro de 2014, o Uruguai foi às urnas para
decidir se reduziria ou não a maioridade penal de 18 para 16 anos. Em
2011, quando os setores mais conservadores levaram adiante a proposta do
plebiscito, cerca de 70% da população apoiava a redução. Três anos
depois, 53% dos uruguaios disseram “não” à medida e impediram o
retrocesso. A grande virada se deu principalmente graças ao trabalho da
comissão “No a La Baja”, que uniu diversos movimentos sociais em torno
da causa.
No Brasil, a direita também quer reduzir a
inimputabilidade penal. Aqui, no entanto, a tentativa se dá por meio da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e agora é analisada em comissão especial.
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Andrés Risso, do ProDerechos, um dos coletivos que encabeçaram a campanha contra a redução no Uruguai, conversou com à Fórum sobre
as estratégias de resistência adotadas. Para ele, a união entre
sociedade civil e classe política, além das constantes mobilizações nas
ruas, foram fundamentais para a mudança da opinião pública. Confira:
Fórum – Como foi possível montar a rede de mobilização
de vários movimentos para que a redução da maioridade penal não fosse
aprovada?
Andrés Risso – Já no começo, a maioria dos
movimentos sociais do país se posicionou contra a redução da maioridade
penal e iniciou a construção de um debate com a opinião pública, já que
no Uruguai se tentou reduzir a maioridade penal pelas urnas, por meio de
um plebiscito. Nosso trabalho foi o de levar às pessoas argumentos e
informações para que pudessem tomar a decisão. Sabíamos que a redução da
maioridade penal não traria os resultados propostos, era ruim em termos
de direitos e pior para a segurança pública. Historicamente, quando há
problemas de segurança pública, o caminho escolhido é o da exclusão e
repressão, o que não melhora os índices de criminalidade. Além disso,
colocar o foco do problema nos adolescentes era errado, porque eles, no
Uruguai, são responsáveis por uma porcentagem muito pequena dos delitos –
6%. Pensávamos que para acabar com a sensação de insegurança eram
necessárias oportunidades, trabalho, educação, cultura, tentar outros
caminhos. Também entendemos que, nessa etapa da vida, é importante que a
pessoa não esteja presa, porque é o momento em que está aprendendo,
formando sua identidade, sua personalidade. Colocar adolescentes na
cadeia é muito contraproducente do ponto de vista da reinserção. Por
isso, nessa etapa é muito importante que as experiências sejam positivas
e alentadoras, e que se dê ferramentas para que a pessoa possa ter um
futuro, levar uma vida normal.
Fórum – No início do processo de discussão, cerca de
70% dos uruguaios eram favoráveis à redução. Qual foi a estratégia
utilizada pelos movimentos sociais para inverter esse quadro?
Risso – Nossa estratégia foi ligada à comunicação,
baseada em um triângulo: tratamos das razões pelas quais a proposta não
servia, porque era ruim por si só e porque, na verdade, poderia piorar a
situação. Como dizia antes, os argumentos favoráveis colocavam o
cárcere como solução, não atendiam nem às vítimas. Era ruim de uma forma
geral. A estratégia de comunicação, então, foi, por um lado, utilizar o
fator racional, com os argumentos que já citei, e também o emocional,
porque houve uma mobilização muito grande de jovens em todo o país [contra a redução],
que saíam às ruas, organizavam apresentações musicais, debates etc, em
defesa de seus pares. Foi fundamental a mobilização juvenil, que
culminou em uma marcha de 50 mil pessoas – algo que no Uruguai é muito
significativo. Foi muito importante também ter todas os movimentos
sociais – os sindicatos, estudantes e também muitas das igrejas – do
nosso lado. Nos ajudou muito com a opinião pública. Jovens de todos os
partidos políticos se posicionaram em defesa de seus pares, da
juventude.
Fórum – Vocês conseguiram fazer com que parlamentares importantes se manifestassem contrários à redução da maioridade penal?
Risso – Sim. Nos últimos meses de campanha, quem
defendia a redução eram somente os impulsionadores da medida, que
representavam um número mínimo – seu porta-voz era Pedro Bordaberry [filho do ditador uruguaio Juan María Bordaberry],
integrante dos setores mais conservadores. No nível político, começaram
a falar muitos deputados e legisladores, por exemplo, o então
ex-presidente Tabaré Vazquez [reeleito para o cargo nas últimas eleições, em 2014]
e José Mujica. Além dos dois presidentes nos últimos dez anos se
posicionando conta a redução da inimputabilidade, tivemos também o
arcebispo de Montevidéu, muitos ícones culturais e lideranças sociais. A
Universidade da República e a Central Única dos Trabalhadores tiveram
um papel importante no sentido de pensar propostas para os adolescentes
que haviam cometido delitos e propostas de debates sobre segurança
pública e adolescência.
Fórum – Considera que o apoio dessas pessoas com maior notoriedade foi importante para a virada da opinião pública?
Risso – Sem dúvidas. Isso, somado à mobilização
juvenil ativas nas ruas, foi muito importante para a mudança da opinião
pública. Mostrava que o Uruguai mobilizado e organizado não queria a
redução. Era um retrocesso muito grande. Compreendemos que pode sim
existir um problema de segurança pública – no Uruguai, 40% das pessoas
pensam que esse é o principal problema do país –, mas, para além disso,
sabia-se que essa proposta era muito primitiva e partia da mesma
metodologia excludente, depressora e punitiva.
Fórum – Aqui no Brasil, a mídia tradicional contribui
muito para a existência desse sentimento de insegurança que fortalece o
apoio a medidas punitivas, como a redução da maioridade penal. Isso
acontecia no Uruguai?
Risso – Sim, sobretudo no começo. Mais no
final da campanha, a um mês do plebiscito, quando o contingente
favorável à redução já era menor do que 50%, talvez a mídia tradicional e
mais conservadora tenha parado de fazer tanta campanha. Mas, no início,
quando a medida foi levada adiante por meio do recolhimento de
assinaturas, a mídia duplicou ou triplicou o tempo dedicado aos crimes
cometidos por adolescentes. Isso se deu de forma muito clara. Acho que
isso acontece em todo o mundo, é sempre mais fácil atacar o setor mais
vulnerável. Ao menos no Uruguai, faltam estímulos para que os jovens
continuem estudando; dos 10% de pobres, até 20% são jovens; no trabalho,
o mesmo: as maiores taxas de desemprego ocorrem na juventude. Esse é o
setor mais debilitado e, no entanto, queremos castigá-lo pelos problemas
que há no país. Expusemos essa contradição durante a campanha. O mais
importante, na verdade, foi desvincular a sensação de insegurança da
adolescência. E os meios de comunicação atuaram muito para conectar a
insegurança aos adolescentes. A partir de um amplo processo de debate
com a população, essa relação foi ficando cada vez mais debilitada.
Fórum – Em relação à estratégia de comunicação, que meios utilizavam mais?
Risso – Por um lado, investimos na via pública; por outro, produzimos spots
radiofônicos – pois a população ouve muito rádio – e também na
televisão, porém menos, porque o tempo de TV é muito caro. Foi
fundamental sair por todos os bairros e cidades para levar informações
às pessoas. Além disso, realizamos muitos eventos massivos e culturais.
Fórum – As redes foram importantes no processo?
Risso – Também. Tínhamos Facebook, Twitter e outras
redes, e principalmente no fim da campanha as utilizamos muito para
chegar em todos os lugares do país. Mas, em relação à estratégia de
comunicação, talvez o mais importante tenha sido dialogar com as pessoas
que não estavam convencidas – esse era o desafio maior. Para isso,
realizamos grupos de discussões para os quais convidávamos quem não
estava de acordo com a proposta. Pedíamos para que explicassem porque
apoiavam a redução da inimputabilidade, e também apresentávamos nossos
argumentos. Com essas informações nas mãos, consultamos publicitários
altamente qualificados para saber quais seriam as mensagens mais
potentes, conhecendo o perfil das pessoas favoráveis à redução. A partir
disso, produzimos peças a nível nacional. Descobrimos que cerca de 50%
dos indecisos eram sensíveis aos argumentos que utilizávamos, e que mais
de 30% mudavam de posição depois de ouvir as peças, que duravam 15
minutos. Não achamos que podemos transferir nossa experiência a um país
como o Brasil, que tem uma realidade tão diferente. Mas tivemos a
possibilidade, durante três anos, de realizar uma campanha muito
intensa, e há alguns dados que são importantes. Se a população tem
acesso à informação, muda de opinião, porque [a redução] é uma proposta muito primitiva.
Fórum – Em entrevista anterior à Fórum, você comentou
que caso aprovada, a redução da maioridade penal poderia colocar em
risco outras conquistas progressistas, como a legalização da maconha e
do aborto. Poderia explicar isso melhor, por favor?
Risso – O que pensávamos, principalmente nós do ProDerechos, era
que estávamos avançando muito em nossa democracia, principalmente em
relação aos nossos direitos e à ampliação das liberdades das pessoas. Se
a população decidisse por reduzir a maioridade penal, poderia ser o
início de um retrocesso. Retrocesso esse levado adiante pela mão dos
setores políticos conservadores, já que quem impulsionou a medida foram
os setores mais fortes dos partidos tradicionais e conservadores. Na
campanha, atuaram organizações de todos os tipos, e também estavam
presentes aquelas responsáveis pelas outras conquistas [legalização da maconha e do aborto, por exemplo]. Participaram do princípio até o fim, porque sabiam que aquilo fazia parte da luta contra o Uruguai conservador.
Fórum – Levando em consideração todas as diferenças
existentes entre Brasil e Uruguai, o que diria aos movimentos
brasileiros que formam a frente de resistência contra a redução da
maioridade penal?
Risso – Acredito que o mais importante foi a
articulação dos movimentos sociais e a mobilização, sobretudo dos
jovens, que constituíram o principal motor da campanha – a comissão “No a
La Baja” no Uruguai é integrada quase todas por pessoas com menos de 30
anos. É uma boa causa para que os jovens comecem a militar, mas também
fortaleçam a militância que já existe. Por outro lado, foi fundamental
também a incidência sobre a opinião pública. Seria muito bom que o
Brasil pudesse debater essa proposta em todos níveis, e que os
movimentos possam fazer parte disso. Sinceramente, é um conselho de uma
pessoa de fora, mas tomara que a sociedade brasileira se informe sobre
esse assunto. Seguramente, pensará duas vezes se é isso que quer para
resolver os problemas de segurança ou se é melhor tomar outro caminho.
Rejeitar essa medida não quer dizer que não se pense em melhorar a
segurança no país.
(Fotos: Carlos Lebrato/Frente Ampla)
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