quarta-feira, 4 de julho de 2018

quando quebra queima, coletivA ocupação: explosão, levante político-artístico e revolução do cotidiano

 Fonte:  https://urucum.milharal.org/2018/05/11/quando-quebra-queima-coletiva-ocupacao-explosao-levante-politico-artistico-e-revolucao-do-cotidiano/
por: Jean Tible
  “quando o parlamento vira um teatro burguês,
todos os teatros burgueses devem se transformar em assembleias”, 1968


Ocupação do Teatro do Odéon (16 de maio de 1968)
 A ocupação do Teatro do Odéon pelo comitê de ação revolucionária do teatro, pelos trabalhadores e estudantes solidários que decidem que o Odéon, Teatro da França, deixa de ser um teatro por um prazo ilimitado.
Ele se transforma a partir do dia 16 de maio:
– num local de encontro entre operários, estudantes e artistas
– uma permanência revolucionária criadora
– um lugar/assembleia de encontro político ininterrupto.


o que vem depois da explosão?
Em 2018, comemoramos:
os 100 anos da revolução alemã,
os 50 anos da revolução global de 1968 e
os 5 anos da disrupção de Junho de 2013.
Como continuando vivendo essas explosões? O pensamento conservador tenta conjurar esses acontecimentos (dizendo que já passou, não foi bem aquilo, não deu em nada, foram derrotados…), pois os temem.
No fim de 2015, houve a magnífica onda de ocupação das escolas. Um movimento alegre, que surpreende e encanta a todos, na talvez primeira derrota do tucanistão (o mesmo grupo político predomina nas instituições estaduais “desde sempre”).
A irrupção secunda se desdobra, nos anos seguintes, na luta contra a máfia da merenda e depois do corte do passe livre. E continua numa multiplicidade de espaços de luta e vida: em diversas organizações políticas, na atuação cotidiana nas escolas, universidades e locais de trabalho e outras ocupações. A ColetivA Ocupação é um dos frutos dessa faísca.
O bom encontro de alguns artesãos da cultura com secundas nas ocupações de escolas e nos atos se reforçou com o Rózà nas escolas[1] na qual a peça Rózà, espetáculo criado a partir das cartas de prisão da revolucionária Rosa Luxemburgo dirigido por Martha Kiss Perrone e Joana Levi, percorre em 2016 algumas escolas públicas ocupadas no ano anterior em apresentações seguidas de debates. Na cena final da peça, as três rózàs-atrizes pulam o muro e tomam as ruas onde são projetadas as últimas palavras de Rosa: eu fui, eu sou, eu serei. Logo na primeira escola, um imprevisto que vai se repetir a cada vez: secundas acompanham as atrizes e pulam o muro na sequência. Peça-ato. Forma-se aí a ColetivA Ocupação. A partir de 2017, passam a ensaiar todos os domingos na Casa do Povo.






crédito: Marcelo Rocha
Vários filmes sobre a luta secundarista foram realizados[2] e outros virão. São contribuições importantes. Uma característica, no entanto, fundamental e inovadora de Quando Quebra Queima: a narrativa é feita, encarnada e encenada pelos próprios protagonistas, que ocuparam escolas, ETECs e fábricas de cultura. Vozes próprias e polifonia.
No início da peça, público e atores estão mesclados. Não é tão simples saber quem é “público” e quem é “ator”, até por que o público também é em parte secunda e uma outra parte constitui uma rede de apoio e aliados dessas lutas (professores, pais, artistas, militantes, comunidade afetiva…). Ícaro diz em certo momento tem muita gente lá fora[3]. Essa distinção existe, mas é tênue e tende a se apagar em vários momentos (músicas cantadas, jogral, corpos mobilizados…). Atores esbarram (ou quase) no público em muitos momentos nesse espaço comum.






crédito: Murilo Salazar
por-se em movimento

Narram suas histórias e (re)pensam juntos: como superar o medo e lançar-se? Como se dá o estalo, a decisão de movimentar-se, de enfrentar as estruturas que nos moem? Como articular os corpos? São perguntas que percorrem a peça-movimento.
De repente, tudo muda. A pulsão de vida toma o comando. Pula muro, pula catraca, prepara alicate, cadeado, faixas, todo o básico. Gasolina neles!
O que é uma cadeira, pergunta Letícia. Tudo se transforma e assume novas funções. A cadeira não mais um lugar para sentar na sala-cela da escola-prisão. Vira trancaço. Vira barricada (que no espetáculo se forma, se move e desloca o público). Vira proteção/escudo contra a violência policial.






crédito: Murilo Salazar
vida comumA ocupação centra-se na organização coletiva: fazer a vida fluir, decidir como garantir a limpeza, comida, segurança, debates e tomada de decisões. No cuidado coletivo, dos cabelos (escova, pente…) e carinhos que aparecem em cena e nos vídeos gravados nas ocupações. Na assembleia pontual e permanente. Nas tensões e brigas retratadas com humor e jogo: todos querem falar, tomar a palavra, às vezes cortada. Discussões. Agruras e belezas da vida coletiva. As angústias e festividades da madrugada.

O sabote o estado na prática, que pressupõe um engajamento: participar mesmo (ou seja numa construção democrática, autônoma) é difícil e exigente. Os debates e ideias da assembleia (e palavras do público) tornam-se a faixa do ato e depois estandarte pendurado na janela modernista que dá pra rua. Um retrato dos laços entre palavra e ação numa geração que retoma a ênfase no aqui e agora – não há uma Revolução, mas revoluções possíveis, novas formas de existência por descobrir e inventar. habitar novas/nossas vias/vielas/caminhos.
corpo coletiva
A repressão e brutas ameaças estão onipresentes. No cerco de duzentos PMs, na violência policial nos atos, na perseguição cotidiana. A peça, porém, escolhe puxar o fio da alegria espinosiana: os braços cruzados na nuca dos secundas-atores detidos viram punho esquerdo levantado: a irresistível resistência.
A raiva (convocada pela forte música de uma rapper francesa) move, ajuda a mobilizar, mas é extremamente limitada para constituir novas relações. O sabotar das velhas estruturas se expressa na força coletiva do coro e suas coreografias. Coreografia do levante, da rebelião. Do catracaço. O muro pulado. Na dança permanente, cada uma ao seu modo. Na incorporação graças aos tambores e que leva todos para a rua e as últimas cenas.
O fluxo do movimento é interrompido por momentos intimistas. Mostram fotos (boa parte delas feitas por Alicia) de 3 anos atrás. Suas fotos e de outros secundas. Falam de si e dos outros. Carinho e cuidado. Mulher bonita é mulher que luta, dizia um cartaz nos atos de 2015. Novos corpos nasceram, mais bonitos, mais pretos, mais livres. Novos cabelos, curtos, longos, trançados, coloridos. Um corpo coletiva de múltiplas singularidades. A rebelião cria.






crédito: Murilo Salazar
Nos últimos dias, Matheusa ativista negra não binária e estudante de artes da UERJ foi executada no Rio. 20 anos. Mais um, mais uma. Tragédia brasileira ininterrupta e naturalizada. Quando Quebra Queima retrata e encarna um ímpeto criador. Desejos revolucionários. O catártico e apoteótico fim na rua, trancando-a e celebrando a explosão e o cotidiano, teatro e política nos novos corpos – individuais e coletiva. Alicia diz: antes da ocupação, acho que eu tinha não existência. É isso que eles temem: a vida.


4, 5, 6 de Maio (sexta a domingo), 19h
13 de Maio (domingo), 19h
Casa do Povo
Metrô Tiradentes/ Metrô Luz
20 reais/10 estudante e morador do Bom Retiro
Secundarista de Escola Pública não paga
Bilheteria aberta 1h antes do espetáculo
QUANDO QUEBRA QUEIMA é uma peça construída por estudantes que viveram o processo de ocupações e manifestações do movimento secundarista em 2015 e 2016. Frutos da primavera secundarista, 14 corpos insurgentes deslocam para a cena a experiência dentro das escolas ocupadas, criando uma narrativa coletiva e comum a partir da perspectiva de quem viveu intensamente o cotidiano dentro do movimento.
Ocupando o tempo presente, a ColetivA provoca de maneira pulsante o universo que compõe esse movimento que transformou o corpo e vida de todos que participaram.
CRIAÇÃO
Abraão Santos / Alicia Esteves / Alvim Silva / Ariane Fachinetto / Beatriz Camelo / Gabriela Fernandes / Ícaro Pio / Leticia Karen / Lilith Cristina /Marcela Jesus / Matheus Maciel / Mel Oliveira / André Dias de Oliveira / Heitor de Andrade / Martha Kiss Perrone / Mayara Baptista






crédito: Paolo Colosso
[1]   https://www.youtube.com/watch?v=Ww2ddV0q88M[2]   Conheço três (deve ter muito mais): Acabou a paz – isto aqui vai virar um Chile (2016), de Carlos Pronzato; Lute como uma menina! (2016), de Flávio Colombini e Beatriz Alonso; Escola de Luta (2017), de Eduardo Consonni e Rodrigo Marques e Tiago Tambelli.

[3]   As falas da peça estão em itálico ao longo do texto.




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Os movimentos de junho de 2013 geraram muitas sementes, tanto à direita, como à esquerda. E/ou regaram e adubaram estas sementes. De um lado movimentos conservadores de cunho fascista, com destaque para o MBL. De outro lado, movimentos de cunho alternativos e  contraculturais ao sistema neoliberal predominante, as ocupações de escolas é um destaque.

Em 2016, na oportunidade  que tive para falar com Carlos Pronzato, um  despretensioso colaborador do movimento das ocupações nas escolas paulistas, por conta do documentário que realizou na ocasião do movimento de estudantes do Chile , utilizado como um dos instrumentos “disparadores” das ocupações em SP,  afirmei: “Muito bacana e pertinente o trabalho que você realiza , tanto o documentário sobre os estudantes do Chile, como dos estudantes de São Paulo, no calor da hora, como uma espécie de  “testemunha ocular da História”. “

Mas será legal, realizar mais  documentários sobre as ocupações, incluindo principalmente a discussão  acerca do que o movimento das ocupações das escolas mudou na vida dos estudantes protagonistas , bem como nas escolas ocupadas e nas demais, de uma maneira em geral.

Carlos Pronzato nos respondeu de forma afirmativa, concordando, embora considerasse que ainda precisávamos de  um tempo para termos condições de auscultar e perceber  mudanças .

Nesse último domingo, 01 de julho, recebo como uma boa surpresa o trabalho abaixo,  produzido em conjunto por estudantes e artistas que estiveram junto nas ocupações.  Isso por intermédio de uma reportagem no programa Metropolis da TV Cultura.

Daí então, uma resposta possível a questão que coloquei para Carlos Pronzato começou a aparecer.

Que este trabalho possa circular mais, assim como outros possam ter lugar, em diversos formatos. 
Dessa maneira, o espirito de contestação, de criação ou recriação, de solidariedade e politização que esteve presente no movimento das ocupações de escolas, pode circular e alimentar mentes e corações sedentos de energia e luzes de transformações  em favor da vida.

Aqui em Aracaju, também colaboramos indiretamente com a produção de um doc. em escola ocupada. 


Esperamos brevemente fazer o lançamento.
 Zezito de Oliveira - educador e agente/produtor cultural.

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