sábado, 10 de dezembro de 2011

Ipea discute repasses do governo federal a ONGs e Nota da CNBB sobre situação das Organizações da Sociedade Civil

Comunicado aborda transferências feitas de 1999 a 2010. No último ano, 0,5% do orçamento foi destinado às ONGs

Qual o lugar que as organizações da sociedade civil (OSCs) ocupam na alocação de recursos públicos? A questão feita pelo chefe de Gabinete da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fabio de Sá e Silva, foi o mote da coletiva pública de apresentação do Comunicado nº123 – Transferências federais a entidades privadas sem fins lucrativos (1999-2010), ocorrida na tarde desta quarta-feira, 7, na sede do Instituto, em Brasília.
Também participaram da coletiva o diretor-adjunto de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest), Antônio Lassance, e o assessor técnico da Presidência do Ipea, André Calixtre. Lassance afirmou que o Comunicado se insere na linha de pesquisa da diretoria que volta atenções para as organizações civis em suas várias denominações e escopos.
Segundo Sá e Silva, nos últimos meses o tema abordado no estudo tem movimentado a agenda pública e ensejado medidas administrativas de bastante austeridade, que incorporaram exigências adicionais na constituição de parcerias entre Estado e entidades dessa natureza, além da criação de um grupo de trabalho para refletir sobre o marco que regulamenta esses contratos.
O estudo do Instituto, explicou ele, sistematizou dados sobre transferências feitas entre 1999 e 2010, obtidos nos portais Orçamento Brasil e Siga Brasil, alimentados pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Não foram considerados repasses estaduais e municipais, apenas recursos federais direcionados às OSCs.
Evolução
Em 2010, R$ 4,1 bilhões do orçamento liquidado foram para as OSCs, informou Sá e Silva. O montante representa 0,48% do PIB. “Em termos proporcionais, essas transferências ocupam um espaço menor do que ocupavam há 10 anos”, disse.
A três principais áreas de destaque na atuação dessas entidades são ciência e tecnologia, educação e saúde, o que, evidencia Fábio de Sá, é sintoma de que as políticas sociais, antes monopólios do Estado, passam cada vez mais a ser objeto de cooperação.
“Percebe-se que há um universo de instituições que recebem muito, e se o governo quiser, com esforço pequeno, pode fiscalizar melhor, acentuou. Segundo ele, até março do próximo ano, o Ipea apresentará um estudo aprofundado e qualitativo sobre a relação dessas entidades com o Estado.
Para ele, a discussão do marco legal que regulamenta as parcerias com as OSCs vai mexer com interesses, setores de cooperação, “o que significa a redefinição das fronteiras entre estado, mercado e sociedade”.
Confira a íntegra do Comunicado nº123 – Transferências federais a entidades privadas sem fins lucrativos (1999-2010)

Nota da CNBB sobre situação das Organizações da Sociedade Civil

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB reconhece a grande contribuição das Organizações da Sociedade Civil na construção de uma sociedade democrática, justa e solidária, em consonância com o previsto na Constituição Federal, especialmente nos artigos 194 e 204.
As diretrizes pastorais da Igreja no Brasil conclamam as comunidades e demais instituições católicas a colaborar e agir em parceria com outras instituições privadas ou públicas, com os movimentos populares e outras entidades da sociedade civil, no sentido de contribuir democraticamente na implantação e na execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum.
Medidas tomadas pelo Governo Federal, no intuito de melhorar a gestão pública e combater a corrupção, têm aumentado a burocracia tanto para o próprio Governo quanto para as Organizações da Sociedade Civil, com o estrangulamento destas, seja pelos crescentes custos administrativos seja pela diminuição dos recursos repassados.
Vimos com esperança o compromisso assumido publicamente pela então candidata a Presidente Dilma Roussef de “elaborar, com a maior brevidade possível, no prazo máximo de um ano, uma proposta de legislação que atenda de forma ampla e responsável, as necessidades de aperfeiçoamento que se impõem, para seguirmos avançando em consonância com o projeto de desenvolvimento para o Brasil”. Não obstante, o que se percebe é uma série de iniciativas e decisões governamentais que pioraram a situação existente. Recentes atos, como a suspensão unilateral de desembolsos de convênios, determinada pelo Decreto 7592/2011, ampliaram as incertezas e inseguranças das entidades supracitadas, gerando desequilíbrios crescentes para Organizações da Sociedade Civil.
O combate à corrupção e ao desvio é obrigação de todos.  Casos isolados de ilícitos não podem ser utilizados para desmoralizar o conjunto das organizações sociais ou sacrificar a maioria de entidades idôneas: deve-se erradicar o joio sem, com isso, destruir o trigo (cf. Mt 13, 24 ss).
O crescimento de restrições, condicionalidades e regras burocráticas de gestão e de prestação de contas tem significado, ao longo do tempo, um acréscimo importante nos custos das entidades que têm, cada vez mais, dificuldades para assegurar o atendimento de todas as demandas.
Percebemos um perigoso esvaziamento da capacidade destas organizações. Poucas poderão sobreviver com vigor, criatividade e autonomia política e social em condições adversas.  Ao longo do tempo, isto debilita o tecido social e desmotiva a cidadania. O que está em jogo é a democracia brasileira, pela qual tantos já se sacrificaram.
Entramos no Advento, tempo de esperança renovada. Que esta seja uma época propícia para que nossos dirigentes realizem um esforço extraordinário de superação destes desafios e dificuldades.
Brasília, 30 de novembro de 2011

Seminário Internacional avança na construção de um novo Marco Regulatório para as OSCs

Brasília recebeu, entre 8 e 11 de novembro, o Seminário Internacional sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (OSCs),  encontro que teve por objetivo debater a necessidade de uma política de Estado com instrumentos e mecanismos que assegurem a autonomia política e financeira das OSCs para o fomento à participação cidadã. Durante o evento, houve concordância entre representantes do governo e da sociedade civil quanto à inadequação do convênio enquanto instrumento para regular a relação do governo com as OSCs, bem como à necessidade de criação de novas formas de acesso a recursos e de mecanismos de controle social e governamental. Destacou-se ainda a insegurança jurídica que atinge OSCs e gestores públicos no atual quadro regulatório.

Esteve presente na mesa de abertura a integrante da diretoria executiva da Abong, Vera Masagão, que é também membro da Plataforma por um novo Marco Regulatório para as OSCs. Ela ressaltou a importância de se estabelecer um espaço de diálogo entre governo e sociedade para “construirmos juntos um marco regulatório”. Vera enfatizou que foi desnecessário o decreto da presidência que suspendeu o repasse de recursos a ONGs por meio de convênios, e destacou as contribuições das OSCs para a consolidação da democracia e cidadania no País e para a qualificação de inúmeras políticas públicas na área da saúde, educação, assistência social, preservação ambiental, defesa dos direitos de igualdade racial, gênero, dentre outras.

O Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, abriu o seminário e ressaltou que “em nenhum momento o governo teve dúvida da importância da relação com a sociedade civil”. Para ele, a “participação da sociedade civil é uma conquista e não uma concessão, o Estado precisa fomentar a cidadania e isso é feito pelas organizações da sociedade civil”. Durante o seminário, destacou-se ainda a importância de se criar políticas de fomento às OSCs, incentivo à doação e sistema tributário facilitado, à auto-organização e autonomia. Consulte aqui o relatório preliminar com os resultados das oficinas temáticas e plenária final.

Carvalho demonstrou resultados de um significativo esforço de articulação política para reverter a situação constrangedora criada pelo decreto que suspendeu todos os convênios com ONGs. Todos os ministros presentes reconheceram o valor das organizações, mas insistiram que as medidas restritivas eram necessárias (leia mais aqui sobre a abertura do seminário).

Apesar deste reconhecimento público de sua importância, as organizações lamentaram que a imprensa tenha sido impedida de participar da abertura do seminário. Isso limitou o alcance que os pronunciamentos dos ministros e representantes da sociedade civil poderiam ter para reverter os estragos causados na imagem pública das OSCs pelos escândalos relacionados ao uso indevido de convênios por parte do governo.

O seminário

Nos dias que antecederam a realização do evento, em 7 e 8 de novembro, aconteceu em Brasília a 2ª Reunião de Signatários, em que compareceram 35 representantes de organizações para preparar a participação da sociedade civil. Quatro grupos de trabalho discutiram textos-base elaborados pelo comitê facilitador e aprovaram propostas a serem encaminhadas. Esteve em debate também critérios para a composição do GT que seria instalado na seqüência e posicionamentos da Plataforma em relação aos decretos promulgados pela Presidência em reação à onda de denúncias de uso de ONGs para celebração de convênios duvidoso.

Durante o evento, os trabalhos em painéis e oficinas temáticas foram considerados produtivos. A seleção dos expositores resultou em um bom equilíbrio entre perspectivas técnicas e políticas, com participação de juristas, dirigentes de organizações e funcionários públicos (acesse aqui a programação completa do evento). Houve larga concordância sobre a inadequação do instrumento convênio para regular a relação governo as OSCs e a necessidade de um novo instrumento. Foram também recorrentes as referências à ineficácia dos mecanismos de controle atualmente existentes, pois exigem o levantamento de muitas informações irrelevantes ao mesmo tempo em que ignoram questões que influem diretamente no controle social e governamental. Destacou-se também a insegurança jurídica que atinge tanto as OSC quanto os gestores públicos no atual quadro regulatório, bem como a importância de se criar políticas de fomento, incentivo à doação e sistema tributário facilitado, à auto-organização e autonomia, elementos chave de nosso modelo de democracia.

Na tarde de 9/11, aconteceu a primeira reunião do Grupo de Trabalho, em que foram definidos elementos preliminares da metodologia de trabalho. O regimento e plano de trabalho mais detalhado deverão ser finalizados na próxima reunião, que aconteceu em 30 de novembro. No dia 29 se reuniram dois subgrupos para se dedicar à sistematização dos trabalhos e propostas e à comunicação (leia o relatório síntese da primeira reunião aqui).

O seminário discutiu 5 pontos que serão essenciais para iniciar o diálogo com o governo: Processos e instâncias efetivos de participação cidadã nas formulações -  Implementação, controle social e avaliação de políticas públicas; instrumentos que possam dar garantias à participação cidadã nas diferentes instâncias -  O estímulo ao desenvolvimento da cidadania com as causas públicas, criando um ambiente favorável para a autonomia  e fortalecimento das OSCs -  Mecanismos que viabilizem o acesso democrático aos recursos públicos e que permitam a operacionalização desburocratizada e eficiente das ações de interesse público.

Fizeram parte da mesa de abertura o Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, Ministra Chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Ministro Chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage Sobrinho, Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, Ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Rosana Ramos, Ministro em Exercício da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roger Leal,  Ministro em Exercício da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mário Lisboa Theodoro, Diretora Executiva da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG), Vera Masagão Ribeiro e presidente da Fundação Grupo Esquel do Brasil, Silvio Santana.

Para o presidente da Fundação Grupo Esquel do Brasil, Silvio Santana, este é um processo que começou há vários anos e hoje esse evento vem coroar a consolidação deste movimento.  “Esta é a primeira vez que conseguimos unir várias representações de entidades em prol da construção de um marco regulatório”, enfatizou. A plataforma é formada por entidades plurais, o que promove a integração de diversos segmentos das entidades civis. Além disso, Santana afirmou que, para o marco regulatório conseguir, de fato, cumprir o seu propósito de atender as necessidades das entidades, é fundamental a participação de todos os movimentos.

Apesar da Plataforma ter conseguido a adesão de um número expressivo de OSCs, espera-se que ocorra uma adesão massiva das diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais, já que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no Brasil 338 mil dessas organizações.


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