segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O BRASILEIRO MÉDIO


Texto de Valéria Brandini

"É o povo que está elegendo o fascismo. Se não fosse esse militarzinho bunda suja, seria outro. Pesquiso o brasileiro há 25 anos. Já fiz pesquisas presenciais de norte a sul do País e atesto que o brasileiro médio ‘é isso aí’.
Quando a tendência da diversidade chegou, ela veio ‘de fora para dentro’, é uma tendência mundial, pegou a parte mais desenvolvida da sociedade, que não deve chegar a 5% - não falo de nível econômico, falo de nível cultural - e pegou o pink money da comunidade LGBTQ. Mas quem estuda tendências socioculturais sabe que uma coisa é a tendência que vem de fora, e outra coisa é sua assimilação de acordo com os valores e tendências emergentes de um grupo, ou povo.
Pois bem, há uns 7 anos entrevistei grupos de jovens homens que diziam que ‘não dá pra namorar hoje em dia porque só tem puta’, e grupos de jovens mulheres que ‘queriam casar virgem, porque a mulherada hoje não se respeita’, que acham que ‘não dá pra trabalhar e ser mãe e esposa ao mesmo tempo’. Isso é o brasileiro médio - homens e mulheres machistas, racistas e homofóbicos.
O brasileiro médio odeia viado, odeia pobre — mesmo quando é pobre. Não odeia a pobreza, odeia pobre. Divide as mulheres entre as putas e as mulheres pra casar, é racista e de um ‘racismo cordial’ nojento, pois diz que tem amigo negro, mas não se importa que a polícia mate jovens negros inocentes.
Entrevistei adolescentes que diziam ter medo de ir em baladas, pois ‘os caras não aceitam quando você não quer ficar com eles e te agridem’. Entrevistei jovens homossexuais de periferia que disseram que ‘tirando os Jardins (SP), ser gay na periferia é correr ameaça de espancamento e morte todo dia’.
O brasileiro médio nunca foi ‘bonzinho’, como dizia Kate Lyra nos quadros de humor dos anos 80.
A candidatura de B17 rompeu o lacre do reacionarismo e o protofascismo que orienta o ethos do brasileiro médio, mas que com a tendência mundial de apoio à diversidade, ficava reprimida. Democracia é isso, senhoras e senhores, e infelizmente o povo brasileiro é isso.
As mulheres são AS grandes machistas, pois o machismo feminino é o que forma homens e mulheres machistas na socialização primária das crianças e elas NÃO QUEREM se libertar dos padrões coercitivos do machismo, elas querem manter esses padrões, pois acreditam que nele elas têm privilégios (mesmo tomando porrada de machista e com um índice altíssimo de feminicídio — vivem uma eterna síndrome de Estocolmo). Já no feminismo, elas teriam que ser responsáveis por suas próprias vidas, teriam que ter autonomia existencial e isso é novo e assustador.
Não fique apenas na tentativa de convencimento de voto. O trabalho para inspirar é trabalho de uma vida inteira, não de uma eleição — e só ele causa mudanças profundas.
Nós aqui que achamos uma abominação o machismo, homofobia e racismo do PSL, nós que lutamos contra Bolsonaro e sua ideologia de extrema-direita, sua apologia à tortura, seu desmerecimento às mulheres, seu ódio aos LGBTQ e sua depreciação dos negros, somos a minoria numa elite cultural que não representa o brasileiro médio — e não digo isso com orgulho, mas com pesar —, pois somos o que o brasileiro médio não quer.
Então, se você, como eu, acredita nos valores da diversidade, na busca por equinanimidade para os excluídos, como base da cidadania, busque inspirar e influenciar os valores da igualdade por onde passar. Use o conhecimento como ferramenta para desconstruir mitos discriminatórios, use o conhecimento como forma de mostrar a realidade do Outro para aqueles fechados em suas bolhas, pois a empatia é o caminho para que estas pessoas entendam que você precisa lutar por quem não tem condições de lutar por si na sociedade.
Essa pesquisa apresentou resultados que chegam a essas mesmas conclusões.
Não tente convencer, mostre o conhecimento, desconstrua os preconceitos pelo conhecimento e deixe que escolham o caminho a seguir. Se 1 em 10 pessoas se inspirar, você venceu.
E aprenda a mandar à merda quem precisa ser mandado à merda, sem medo de que não gostem de você, pois nada é mais precioso do que a integridade, e integridade é ser inteiro no que você acredita."
Valeria Brandini
Antropóloga graduada pela Unicamp, especialista em Multimeios (Comunicação e Interdisciplinaridade) pela Unicamp, mestre em Publicidade e Propaganda pela ECA/USP, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP em convênio com a Universitá La Sapienza (Roma) e Central Saint Martin's School of Fashion (Londres) e pós-doutoranda em Antropologia Empresarial pela Unicamp.
P.S.: No ano 2000, a revista Época publicou uma extensa pesquisa sobre o pensamento do brasileiro acerca de questões politicas, comportamentais, valores e etc..
Eis aí uma possível questão a ser analisada. E bem analisada. Até mesmo para compreendermos a dificuldade de elegermos pessoas e partidos com pautas mais progressistas. Ao mesmo tempo que nos coloca o desafio de compreender a educação popular e a ação cultural e comunicação de base comunitária como fundamentais. E isso leva tempo, requer estudo, ações coletivas....





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