quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O DILEMA DAS REDES. O QUE FAZER?

 

Orlando Calheiros @AnarcoFino - Ogã, antropólogo, fotógrafo e apresentador do  @benzinaInc

24 de set de 2020·Twitter Web App

A resposta usual das pessoas quando são questionadas sobre a efetividade desse compartilhamento compulsório (ou obsessivo) de conteúdo à direita é: "ué, então não vamos fazer nada". Como se o simples compartilhamento, a reclamação constituísse efetivamente um "fazer algo".
Acho, inclusive, sintomático que as pessoas pensem isso. Estamos, tem pelo menos uma década, vivendo intensivamente um regime 24/7 de engajamento virtual; hoje, especialmente, a maioria das nossas relações é mediada pela internet, redes sociais.
Conversamos pela internet, brigamos pela internet, nos apaixonamos pela internet, gozamos pela internet, etc... A ação política passou a ser realizada pela internet - e não estamos errados em pensar isso. A internet se tornou um dos principais campos de disputa de afetos.
O problema, contudo, vai se tornando mais complexo: pois rapidamente se torna um campo de ação política pautada pelo voluntarismo. E isso, em grande parte, é um sintoma do próprio território em que estamos.
A arquitetura das redes sociais são criadas para nos fornecer uma experiência totalmente personalizada para os usuários. Cada um funciona como o centro de uma rede muito própria - não gosto da palavra bolhas - que interage com outras redes.
A timeline não é neutra, a busca do google também não. Ela tende a te mostrar aquilo, conteúdos, previamente identificados como alinhados ao seu desejo. Tudo se passa como se estivéssemos continuamente navegando no "Recomendações para você" da Amazon.
Um assunto pode colonizar a sua timeline e ser completamente ignorado na minha, basta um mísero detalhe. Por exemplo, ter silenciado/bloqueado uma @ particularmente relevante naquele assunto, uma tag, etc...
Voltamos para o começo: é nesse cenário que concebemos a ação política. O famigerado Bannon e integrantes da Nova Direita rapidamente notaram padrões de engajamento nas redes e passaram a pautar sua atuação, estratégia, em cima disso.
Por exemplo, desenvolvendo estratégias de comunicação ampla, capazes de atravessar múltiplos setores da sociedade - e assim atingir um perfil muito variado de usuários. Ao mesmo tempo em que insistiam em uma propaganda segmentada muito personalizada.
No primeiro caso, desenvolvem estratégias, pautam o debate público de forma transversal, criando ações que sejam capazes de mobilizar até mesmo setores à esquerda. Seja por meio de seus microfascismos - por exemplo, mobilizando a esquerda punitivista -, seja ali onde se revoltam.
O engajamento pelo ultraje faz parte da estratégia dos sujeitos. Um exemplo claro disso: a exaltação do Ustra pelo Bolsonaro durante o discurso do impeachment. Nos grupos de apoio já se especulava sobre uma ação do então deputado para ganhar os holofotes.
Eu acompanho desde 2014 o crescimento do Ustra nas redes, via como essa figura deplorável era taticamente acionado nos grupos de discussão do whatsapp como uma forma de chamar a atenção e conseguir um engajamento das esquerdas e consolidar pessoas como "verdadeira oposição".
A crença no "fazer algo" parte, justamente, dessa experiência colada nas redes. Percebemos o mundo como mediado pela experiência virtual, logo, lutamos ativamente contra a presença desses elementos que estão no nosso horizonte.
Contudo, ai vem a perversidade do sistema - e onde entra a segunda tática da comunicação ampla. Quanto mais reagimos a algo, mais a arquitetura das redes entende que temos interesse nesse algo.
Se reagimos aos conteúdos da direita, independente de ser de forma negativa, o algorítimo vai entender que temos interesse naquilo - e de fato temos, como um adicto. Vai passar a mostrar mais daquele conteúdo.
Basicamente, quanto mais reclamamos de algo, mais aparece para a gente. E vamos adoecendo, nos revoltando, e mais vai aparecendo, formando um círculo eterno. Por isso tendemos a nos radicalizar nas redes (e não apenas no sentido "ideológico" da palavra).
Mais uma vez, o outro lado soube se apropriar disso, o escândalo da Cambridge Analytica mostra como nossos perfis psicológicos foram utilizados para produzir uma campanha de comunicação ampla e ao mesmo tempo segmentada, baseada nessa experiência individual das redes.

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