sábado, 10 de outubro de 2020

"Ao Vivo" em 15 e 22 de Outubro, quinta-feira, às 20 horas, com os educadores brasileiros geniais, ontem e hoje.

 A ESCOLA DOS MEUS SONHOS

Frei Betto

Na escola de meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, conhecer mecânica de automóvel e de geladeira, e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra.

Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim, aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões subterrâneas que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limites da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do supertelescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos, Exército-Canudos etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de biologia e de educação física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a história do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e de dança, e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.

Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo do candomblé; o padre do catolicismo; o médium do espiritismo; o pastor do protestantismo; o guru do budismo etc. Se for católica, promove retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja.

Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazerem periódicos treinamentos e cursos de capacitação, e só são admitidos se, além da competência, comungam com os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido sobre o que são democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto, adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente; a visão de felicidade; a relação animador-platéia; os tabus e preconceitos reforçados etc. Em suma, não se fecha os olhos à realidade; muda-se a ótica de encará-la.

Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil os alunos traziam à classe toda a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.

Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e recursos.

É mais importante educar que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que a ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para poderem se manter. Pois é a escola de uma sociedade onde educação não é privilégio, mas direito universal e, o acesso a ela, dever obrigatório.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros.

   15 de Outubro de 2020 – (Quinta-Feira), 20 horas. 

Anisio Teixeira, Paulo Freire e Ginásio Vocacional. A educação no Brasil que pode dar certo.

 Eixo: Educação Básica, Universidade Pública e Educação Popular.

Com a participação dos Professores  Romero Venâncio (UFS), Daniel Ferraz Chiozzini (PUC-SP) e  Luigy Marks (ex-aluno do Ginásio Vocacional e advogado).  

A transmissão da Live será através da página da Ação Cultura no Facebook.  https://www.facebook.com/acaocultur


 “Brasil despreza seus educadores geniais”

– 2 de dezembro de 2013

Jose-Pacheco Criador da Escola da Ponte, em périplo pelo país, afirma: “além de Paulo Freire, outros brasileiros poderiam revolucionar ensino; burocracia estatal os sufoca”

Por Simone Harnik, no Uol Educação

Idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, instituição que, em 1976, iniciou um projeto no qual os estudantes aprendem sem salas de aula, divisão de turmas ou disciplinas, o educador português José Pacheco afirma que as escolas tradicionais são um desperdício para os estudantes e os professores.

“O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares”, diz. “Dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão.”

Aos 58 anos, o professor que classifica autores como Jean Piaget como “fósseis”, fez uma peregrinação pelo país. No trabalho de prospecção de boas iniciativas em colégios brasileiros, Pacheco só não conheceu instituições do Acre e do Amapá e diz ter somado cerca de 300 voos no último ano.

Com a experiência das viagens, escreveu dois livros de crônicas: o “Pequeno Dicionário de Absurdos em Educação”, da editora Artmed, e o “Pequeno Dicionário das Utopias da Educação”, da editora Wak. Aponta ainda que a educação brasileira não precisa de mais recursos para melhorar: “O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e os desperdiça”. Veja a entrevista:

Em suas andanças pelo país, qual o absurdo que mais chamou sua atenção?

O maior absurdo é que a educação do Brasil não precisa de recursos para melhorar. O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e os desperdiça.

Desperdiça como?

Pelo tipo de organização. A começar pelo próprio Ministério da Educação. Eu brinco, por vezes, dizendo que o melhor que se poderia fazer pela educação no Brasil era extinguir o Ministério da Educação. Era a primeira grande política educativa.

Qual o problema do ministério?

Toda a burocracia do Ministério da Educação que se estende até a base, porque a burocracia também existe nas escolas, à imagem e semelhança do ministério. No próprio ministério, o contraste entre a utopia e o absurdo também existe. Conheço gente da máxima competência, gente honesta. O problema é que, com gente tão boa, as coisas não funcionam porque o modo burocrático vertical não funciona. É um desperdício tremendo.

Como resolver?

Teria de haver uma diferente concepção de gestão pública, uma diferente concepção de educação e uma revisão de tudo o que é o trabalho.

O que teria de mudar na concepção de educação?

O essencial seria que o Brasil compreendesse que não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções. Esse é outro absurdo. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky [Lev S. Vygotsky (1896-1934)], Piaget [Jean Piaget (1896-1980)]? Não vejo um brasileiro. Mas podem dizer: “E Paulo Freire?”. Não vejo Paulo Freire em nenhuma sala de aula. Fala-se, mas não se faz.

Identifiquei, nos últimos anos, autores brasileiros da maior importância que o Brasil desconhece. Esse é outro absurdo. Quem é que ouviu falar de Eurípedes Barsanulfo (1880-1918)? De Tomás Novelino (1901-2000)? De Agostinho da Silva (1906-1994)? Ninguém fala deles. Como um país como este, que tem os maiores educadores que eu já conheci, não quer saber deles nem os conhece?

Há 102 anos, em 1907, o Brasil teve aquilo que eu considero o projeto educacional mais avançado do século 20. Se eu perguntar a cem educadores brasileiros, 99 não conhecem. Era em Sacramento, Minas Gerais, mas agora já não existe. O autor foi Eurípedes Barsanulfo, que morreu em 1918 com a gripe espanhola. Este foi, para mim, o projeto mais arrojado do século 20, no mundo.

O que tinha de tão arrojado?

Primeiro, na época, era proibida a educação de moços e moças juntos. Só durante o governo Getúlio Vargas é que se pôde juntar os dois gêneros nos colégios. Ele [Barsanulfo] fez isso. Ele tinha pesquisa na natureza, tinha astronomia no currículo oficial. Não tinha série nem turma nem aula nem prova. E os alunos desse liceu foram a elite de seu tempo. Tomás Novelino foi um deles e Roberto Crema, que hoje está aí com a educação holística global, foi aluno de Novelino.

Por que o senhor fala desses autores?

Digo isso para que o brasileiro tenha amor próprio, compreenda aquilo que tem para que não importe do estrangeiro aquilo que não precisa. É um absurdo ter tudo aqui dentro e ir pegar lá fora.

Qual foi a maior utopia que o senhor viu?

O Brasil é um país de utopias, como a de Antônio Conselheiro e a de Zumbi dos Palmares. Fui para a história, para não falar em educação. Na educação, temos Agostinho da Silva, que é um utópico coerente, cuja utopia é perfeitamente viável no Brasil. Ou seja, é possível ter uma educação que seja de todos e para todos. O Brasil, dentro de uns 30 ou 40 anos, será um país bem importante pela educação. São os absurdos que têm de desaparecer, para dar lugar à concretização das utopias. Acredito nisso, por isso estou aqui.

 Os professores são resistentes às mudanças? 

Os professores são um problema e são a solução. Eu prefiro pensar naqueles professores que são a solução, conheço muitos que estão afirmando práticas diferentes.

Práticas diferentes como a da Escola da Ponte?

Não são “como”, mas inspiradas, com certeza. São práticas que fazem com que a escola seja para todos e proporcione sucesso para todos.

Dentro da escola tradicional, onde ocorre o desperdício de recursos?

Se considerarmos o dinheiro que o Estado gasta por aluno, daria para ter uma escola de elite. Onde o dinheiro se desperdiça? Por que em uma escola qualquer, que tem turmas de 40 alunos, a relação entre o número de professores e de alunos é de um para nove? Por que os laudos e os atestados médicos são tantos? Porque a situação que se criou nas escolas é a do descaso. Esse é um absurdo.

Onde mais ocorre o desperdício nas escolas?

O desperdício de tempo também é enorme em uma aula. Pelo tipo de trabalho que se faz, quando se dá aula, uma parte dos alunos não tem condições de perceber o que está acontecendo, porque não têm os chamados pré-requisitos, e se desliga. Há um outro conjunto de crianças que sabem mais do que o professor está explicando – e também se desliga. Há os que acompanham, mas nem todos entendem o que o professor fala. Em uma aula de 50 minutos, o professor desperdiça cerca de 20 minutos. Se multiplicarmos o número de alunos que não aproveitam a aula pelo tempo, vai dar isso.

O desperdício maior tem a ver com o funcionamento das escolas. Os professores são pessoas sábias, honestas, inteligentes e que podem fazer de outro modo: não dando aula, porque dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão.

As famílias não estão acostumadas com escolas que não têm classe, professor ou disciplinas. Querem o conteúdo para o vestibular. Como se rompe com esse tipo de mentalidade?

Pode-se romper mostrando que é possível. Eu falo do que faço, e não de teorias. O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares. Justamente por não ter aulas e nada disso.

Por que uma escola que não tem provas forma alunos capazes de ter boas notas em provas e concursos?

Exatamente por ser uma escola, enquanto as que dão aulas não são. As pessoas têm de perceber que não é impossível. E mais, que é mais fácil. Posso afirmar, porque já fiz as duas coisas: estive em escolas tradicionais, com aulas, provas, com tudo igualzinho a qualquer escola; e estive também 32 anos em outra escola que não tem nada disso. É mais fácil, os resultados são melhores.

Na concepção do senhor, o que é uma boa escola?

É a aquela que dá a todos condições de acesso, e a cada um, condições de sucesso. Sucesso não é só chegar ao conhecimento, é a felicidade. É uma escola onde não haja nenhuma criança que não aprenda. E isso é possível, porque eu sei que é. Na prática.

O professor que está em uma escola tradicional tem espaço para fazer um trabalho diferente? O senhor vê espaço para isso?

Não só vejo, como participo disso. No Brasil, participei de vários projetos onde os professores conseguiram escapar à lógica da reprodução do sistema que lhe é imposto. Só que isso requer várias condições: primeiro, não pode ser feito em termos individuais; segundo, a pessoa tem de respeitar que os outros também têm razão. Se, dentro da escola, os processos começam a mudar e os resultados aparecem, os outros professores se aproximam. Não tem de haver divisionismo.

O senhor acha que a mudança na estrutura da escola poderia partir do poder público ou depende da base?

Acredito que possa partir do poder público, mas duvido que aconteça. As secretarias têm projetos importantes, mas são de quatro anos. Uma mudança em educação precisa de dezenas de anos. Precisa de continuidade. E isso é difícil de assegurar em uma gestão. Precisa partir de cada unidade escolar e do poder público juntos.

22 de Outubro (Quinta-Feira) 20 horas
Paulo Freire no chão da Escola. A luta entre o sonho e a realidade.
Com as Professoras Maíra Magno,  Rosângela Meirelles Grabes e o Professor Dennis Portela.
Eixo: Educação Básica, Universidade Pública e Educação Popular.
‏ jornalista @LEANDROBEGUOCI - "Um certo candidato e seus apoiadores dizem que vão acabar com o método Paulo Freire nas escolas. Para fazer isso, eles vão ter de garantir que todas as escolas brasileiras apliquem as ideias do Freire, o que está longe de acontecer."15:56 - 29 de ago de 2018


“A memória está sendo jogada na lata do lixo”, diz Romero Venâncio

26/03/2019

"O Brasil está desmemoriado." É o que pensa Romero Venâncio, professor do Departamento de Filosofia e diretor de comunicação da ADUFS.

Docente da UFS há mais de duas décadas e um dos principais intelectuais da Universidade, Romero se diz preocupado com a forma que o país tem lidado com a própria história. “A memória está sendo jogada na lata do lixo”, dispara.

Para ele, a ordem que o presidente Jair Bolsonaro deu para as Forças Armadas para comemorarem o golpe militar de 1964 é um forte sintoma da perda de memória que acomete o Brasil.

“Desde 2013, sentimos no ar uma perplexidade que a cada ano se aprofundou até seu ponto alto, que foi 2018 e a ‘bolsonarização de um Brasil’. Vemos, quase que impotentes, pessoas de todas as idades defendendo tortura e torturadores; pedindo a volta dos militares como governantes; a defesa do golpe de 1964 e toda uma cultura fascista que vem ganhando capilaridade em todos os setores da sociedade brasileira”, avalia o filósofo.

Segundo Romero, a cultura do ódio e da violência como forma de fazer política é outro sinal importante de que uma parte do Brasil adoeceu – e não acredita mais nem nos próprios fatos.

“Um ódio espalhado em tudo e como método de fazer e pensar em política. Um sentimento ronda nosso pequeno Brasil: a memória sendo jogada na lata do lixo. Para que serve memória quando qualquer um pode fazer sua leitura em redes sociais e achar que tem uma verdade meramente emprenhada pelos ouvidos e por leituras sem fonte alguma, encontradas nas mesmas redes sociais ou em livros de que beiram o ridículo em limitadas argumentações?”, questiona.

‘Onde estamos todos e todas?’

Para o diretor da ADUFS, é preciso que as esquerdas reflitam sobre o processo histórico atual, incentivando discussões, conteúdos e produções artísticas que rememorem à sociedade o que aconteceu nos 21 anos de ditadura militar no Brasil - como torturas, assassinatos e estupros políticos, fechamento do Congresso Nacional, cassação dos direitos políticos e da liberdade de imprensa e expressão, entre outros.

“Em outros momentos da história desse Brasil, as esquerdas em geral e boa parte de intelectuais e educadores faziam numa semana como esta de agora seminários, exibições de filmes, palestras, publicação de livros, ensaios, textos em jornais e até atividades de rua no intuito de disputar uma narrativa dentro da sociedade sobre o significado do golpe de 1964 e tudo que ele representou em 21 anos de duração”, afirma Romero.

“Nós temos uma literatura vasta e importante no que diz respeito a leitura do golpe; temos um cinema que muito falou da ditadura em suas várias fases históricas; temos um teatro, uma poesia, uma pintura, uma escola fotográfica ou ainda um setor do jornalismo que sabe e viveu o golpe e a ditadura. Onde estamos todos e todas?”, provoca.

Por fim, Romero admitiu estar preocupado com a conjuntura política e com o futuro do Brasil. Na sua opinião, o risco de não se conhecer o passado é ficar preso nele, projetando suas sombras para o amanhã

“Me preocupa demais nesse momento esse clima sombrio. Uma esquerda que não sabe organizar sua memória e aprender com a memória dos debaixo, sofrerá num eterno presente e frustrará o futuro.”



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