sexta-feira, 13 de junho de 2014

Assine você também! Juristas e acadêmicos lançam manifesto em favor da Política Nacional de Participação

O texto, que se encontra aberto a adesões, é encabeçado por Fabio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP.


Fábio de Sá e Silva - Especial para a Carta Maior
Arquivo


















  Enquanto o Congresso Nacional ameaça colocar em votação projeto de Decreto Legislativo que susta os efeitos da Política Nacional de Participação Social, instituída pelo Decreto n. 8.243/2014, juristas e acadêmicos de todo o Brasil lançaram pela internet manifesto em defesa da medida. O texto, que  se encontra aberto a adesões, é encabeçado por Fabio Konder Comparato,
professor
emérito da Faculdade de Direito da USP, e traz subscritores como o ex-presidente da OAB, Cezar Britto e o professor Adrian Lavalle, da FFLCH/USP.

O texto considera que "além do próprio artigo 1º CF, o decreto tem amparo em dispositivos constitucionais essenciais ao exercício da democracia, que prevêem a participação social como diretriz", em políticas como as de saúde, assistência social, seguridade social, cultura e o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 194, parágrafo único, VII; art. 198, III; art. 204, II; art. 216, § 1º, X; art. 79, parágrafo único).

Além disso, o documento afirma que "o decreto não viola nem usurpa as atribuições do Poder Legislativo, mas tão somente organiza as instâncias de participação social já existentes no Governo Federal e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, nos termos e nos limites das atribuições conferidas ao Poder Executivo pelo Art. 84, VI, 'a' da Constituição Federal".

Confira abaixo a íntegra do manifesto e o link para adesão.

Manifesto de Juristas e Acadêmicos em favor da Política Nacional de Participação Social

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” art. 1º. parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Em face da ameaça de derrubada do decreto federal n. 8.243/2014, nós, juristas, professores e pesquisadores, declaramos nosso apoio a esse diploma legal que instituiu a Política Nacional de Participação Social.

Entendemos que o decreto traduz o espírito republicano da Constituição Federal Brasileira ao reconhecer mecanismos e espaços de participação direta da sociedade na gestão pública federal.

Entendemos que o decreto contribui para a ampliação da cidadania de todos os atores sociais, sem restrição ou privilégios de qualquer ordem, reconhecendo, inclusive, novas formas de participação social em rede.

Entendemos que, além do próprio artigo 1º CF, o decreto tem amparo em dispositivos constitucionais essenciais ao exercício da democracia, que prevêem a participação social como diretriz do Sistema Único de Saúde, da Assistência Social, de Seguridade Social e do Sistema Nacional de Cultura; além de conselhos como instâncias de participação social nas políticas de saúde, cultura e na gestão do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (art. 194, parágrafo único, VII; art. 198, III; art. 204, II; art. 216, § 1º, X; art. 79, parágrafo único).

Entendemos que o decreto não viola nem usurpa as atribuições do Poder Legislativo, mas tão somente organiza as instâncias de participação social já existentes no Governo Federal e estabelece diretrizes para o seu funcionamento, nos termos e nos limites das atribuições conferidas ao Poder Executivo pelo Art. 84, VI, “a” da Constituição Federal.

Entendemos que o decreto representa um avanço para a democracia brasileira por estimular os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta a considerarem espaços e mecanismos de participação social que possam auxiliar o processo de formulação e gestão de suas políticas.

Por fim, entendemos que o decreto não possui inspiração antidemocrática, pois não submete as instâncias de participação, os movimentos sociais ou o cidadão a qualquer forma de controle por parte do Estado Brasileiro; ao contrário, aprofunda as práticas democráticas e amplia as possibilidades de fiscalização do Estado pelo povo.

A participação popular é uma conquista de toda a sociedade brasileira, consagrada na Constituição Federal. Quanto mais participação, mais qualificadas e próximas dos anseios da população serão as políticas públicas. Não há democracia sem povo.

Para aderir, acesse: goo.gl/LRcdut
Já assinaram:

Fábio Konder Comparato – Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.

Fábio Nusdeo – Professor Catedrático Aposentado da Faculdade de Direito da USP.

Calixto Salomão Filho – Professor Catedrático da Faculdade de Direito da USP e Professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Science Po).

Gilberto Bercovici – Professor Catedrático da Faculdade de Direito da USP.

Cézar Brito - Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

Celso Fernandes Campilongo – Professor Catedrático da Faculdade de Direito da USP.

Heleno Taveira Torres – Professor Catedrático da Faculdade de Direito da USP.

Adrian Gurza Lavalle – Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer - Professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Diogo Rosenthal Coutinho – Professor Associado da Faculdade de Direito da USP.

Conrado Hübner Mendes – Professor da Faculdade de Direito da USP.

Sheila C. Neder Cerezetti - Professora da Faculdade de Direito da USP.

Fábio Sá e Silva - Professor da Universidade de Brasília (UnB).

Robson Sávio Reis Souza - Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Luiz Carlos Castello Branco Rena - Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Geraldo Prado - Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ricardo Lodi Ribeiro - Professor do Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Wagner de Melo Romão - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

Ricardo André de Souza - Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Marcelo Semer - Juiz de Direito - Associação Juízes para a Democracia.

Roberto Rocha Coelho Pires - Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Ana Cristina Borba Alves - Juiza de Direito - Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Célia Regina Ody Bernardes - Juiza Federal - Tribunal Regional Federal da 1a Região.

José Geraldo de Sousa Junior - Professor da Faculdade de Direito e ex-Reitor da Universidade de Brasília (UnB).

Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Desembargador do TRT de Minas Gerais e Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara.

Simone Castro - Procuradora da Fazenda Nacional - Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da 3a Região.

Daniel Pitangueira de Avelino - Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Valdemir Pires - Professor da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP).

Wagner Pralon Mancuso - Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Kennedy Piau Ferreira - Professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Regina Claudia Laisner - Professora da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP).

Simone Dalila Nacif Lopes - Juiza de Direito - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

OUTRO BRASIL? SOMENTE COM PARTICIPAÇÃO E ARTE.  


Zezito de Oliveira · Aracaju, SE
27/10/2006 
Certa feita, conversando com um amigo educador/artista, que reside na cidade de Olinda, em Pernambuco, sobre o modo de a esquerda governar, ele externou para mim algumas preocupações referentes ao modelo de gestão de muitas administrações progressistas que ele conheceu e que se moldam facilmente à cultura política das oligarquias locais e realizam, mesmo que de forma mais eficiente, uma gestão cuja prioridade são apenas as grandes obras, os programas assistenciais e os shows com grandes artistas ligados à cultura de massa, o que acaba lembrando uma canção do Cazuza: “Um museu de grandes novidades” ou parafraseando Belchior: “Minha dor é perceber que apesar de tudo que fizemos, ainda somos os mesmos, “pensamos” e administramos a coisa pública como os velhos coronéis.”

E o meu amigo fez o questionamento porque, ocorrendo o término do mandato (sem reeleição), uma outra administração ligada a partidos conservadores, com inteligência e perspicácia pode fazer a mesma coisa: realizar grandes obras, investir em programas sociais e prosseguir na organização dos mega shows e, conseqüentemente, passar para a população a idéia de que não haverá necessidade de se votar na esquerda novamente.

Se na época não consegui imaginar isso como uma possibilidade real, decorridos alguns anos dessa conversa, reconheço que essa opinião é pertinente e esse texto foi escrito para ajudar na reflexão sobre o assunto, na linha de que tudo que é sólido se desmancha no ar e de que o que é novidade facilmente torna-se comum, e por isso todo indivíduo ou organização que deseja ser sempre considerada e reconhecida deve continuadamente buscar se aprimorar naquilo para que foi criada e facilitar as coisas para que novas descobertas e novas invenções possam ter lugar.

E isso só acontece num ambiente de autonomia e que favoreça condições e oportunidades para a construção e reconstrução subjetiva dos indivíduos .

Nesse sentido, considero duas questões primordiais. Em primeiro lugar, atenção especial para a mudança de valores e práticas de relacionamento político pautado nos antigos procedimentos da elite dominante, como o clientelismo, o paternalismo, o autoritarismo etc...

Em segundo lugar, atenção especial àquilo que aponta para a criação de sujeitos mais solidários, mais livres, mais ousados, àquilo que cria e dá sentido à realização plena das pessoas (refiro- me aqui à produção artístico/ cultural).

No primeiro caso se faz necessário (re)construir, fortalecer ou criar estruturas formais e informais de participação “real” da população nas decisões sobre os rumos do governo, como os conselhos, as conferências, as câmaras setoriais, os fóruns e as redes, além do incentivo e apoio à organização da sociedade civil através das ongs, e cooperativas. Assim, se viabilizaria um ambiente favorável à gestação de novas idéias e recursos para resolver ou atenuar velhos problemas, o que também pode garantir a criação de um antídoto para evitar o retrocesso de condução antidemocrática das decisões, a partir da eleição de partidos ligados às velhas elites dirigentes, após suceder-se um governo de esquerda.

No segundo caso, democratizar o acesso aos meios de produção artística e dos meios de produção e difusão da informação, com orçamento decente e gestores comprometidos, preparados e que saibam ouvir os interessados no assunto, o que resultará em diretrizes e ações que garantirão à maioria da população a possibilidade de se expressar de maneira que não fiquem apenas se comportando como meros consumidores de um bocado de lixo que é comercializado como produto cultural e cujos conteúdos -- carregados de intolerância (inclusive religiosa), vulgarização do sexo, preconceitos vários, individualismo exacerbado, banalização da violência, etc., -- vão na direção contrária de tudo aquilo que defendemos, formando o “caldo” da cultura que conduz ao retorno e sustentação da nova/ velha direita.

E isso é tudo que muita gente que ousa lutar e acreditar em outro país menos deseja, mas que será inevitável, caso opiniões como a nossa não sejam levadas em consideração a tempo.

P.S.: Segundo o pensador italiano Norberto Bobbio a esquerda orienta-se por um sentimento igualitário e a direita aceita a desigualdade como natural. Embora no Brasil seja praticamente impossível perceber a diferença através dos discursos e propaganda em época de campanha eleitoral.

Quanto as questões que apresento no texto acima percebo que o modelo de gestão do Ministério da Cultura aponta para o que escrevi acima. Apesar da necessidade de aumento do orçamento e da capacitação técnica e redução da burocracia para o acesso dos pequenos empreendedores culturais do interior e das periferias aos editais. Em Recife, em visitas a comunidades periféricas e em conversas com artistas e arte-educadores populares e também com o Secretário de Cultura, João Roberto Peixe, que nos concedeu audiência de quase duas horas no ano de 2004, pude perceber que muito daquilo que queremos/sonhamos já é realidade. Na oportunidade, o secretário me entregou cópias do relatório de gestão 2000/2004 e da I Conferência Municipal de Cultura do Recife, da qual tive a honra de participar.

José de Oliveira Santos - “Zezito”
Professor
de história e ativista cultural 

Um xeque contra a cidadania

A proposta de Política Nacional de Participação Social organiza relações já em curso, sem obrigar nenhum órgão à adoção de algum mecanismo de participação.



Fabio de Sá e Silva Mídia Ninja


Quem trabalha ou estuda gestão pública no Brasil deve estar acostumado a ser procurado por estrangeiros que tentam entender melhor as importantes inovações levadas a efeito no país, especialmente a partir da Constituição de 1988, no sentido de criar meios e oportunidades para permitir a participação direta dos cidadãos nos processos de política pública.

Dos pioneiros Orçamentos Participativos de Porto Alegre, que hoje são realidade em muitas cidades da Europa e até mesmo nos Estados Unidos – a partir do exemplo de Vallejo, na Califórnia – às consultas públicas que subsidiaram iniciativas legislativas de grande envergadura, como o Marco Civil da Internet, essas interfaces socioestatais se tornaram parte da gramática política contemporânea e, para usar uma expressão que está na ordem do dia, um dos principais legados do Brasil para a teoria e a práxis democrática do limiar do século XXI.

Curiosamente, aliás, isso sequer tem se dado exclusivamente no contexto de governos ou de projetos de esquerda. Ao contrário, instituições como o Banco Mundial também cumpriram um papel central na difusão da ideia de participação, no que enxergavam ser um elemento para a “boa governança” dos países que, ao longo dos anos 1990, experimentavam processos de abertura econômica, integração à economia global e adesão ao Estado de Direito.

Foi completamente inesperado, portanto, o Editorial com o qual o Estadão saudou a edição, pela Presidenta Dilma, do Decreto n. 8.243/2014, que “Institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS, e dá outras providências”.

No texto, o jornal acusa o Decreto “criar” estruturas para dar “acesso privilegiado” a certos atores (os “movimentos sociais”, diz a publicação, assim, entre aspas) em “todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta”.

Essa medida, conclui o Editor, traduz uma visão de que “o Poder Legislativo é dispensável”, pois ignora que “a participação social, numa democracia representativa, se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos”, buscando “por decreto, instituir outra fonte de poder”.

O que era, porém, apenas uma cobertura desinformada – no início por obra do Estadão, mas que depois se propagou por veículos como a Veja e a Folha –, acabou dando combustível para disputas políticas de mais grosso calibre. Pouco depois da edição do Decreto, os Deputados Mendonça Filho e Ronaldo Caiado, do DEM, submeteram Projeto de Decreto Legislativo (PDC n. 1.491/2014) buscando sustar a medida tomada por Dilma. Para justificar a iniciativa, disseram os Deputados proponentes que enxergam como “absolutamente clara a intenção da Presidente da República: implodir o regime de democracia representativa (...) mediante a transferência do debate institucional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio Governo”.

No final desta terça-feira, 10, o conflito escalou e integrantes da própria base passaram a ameaçar Dilma a revogar o Decreto n. 8.243/2014, sob pena de que o PDC de Mendonça Filho e Caiado seja colocado em votação e, garantem os autores das ameaças, derrubado pelo Congresso.  “Se até amanhã o governo não atender, nós vamos votar a favor da derrubada”, disse o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Há motivos, porém, para tamanha controvérsia?

Se houver, ao que parece, eles não se relacionam ao Decreto. Afinal, a leitura atenta desse texto indica que apenas e tão somente:

Art. 5º  Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas.

Ou seja:

Art. 6º  (...): I – conselho de políticas públicas; II – comissão de políticas públicas; III – conferência nacional; IV – ouvidoria pública federal; V – mesa de diálogo; VI – fórum interconselhos; VII – audiência pública; VIII–- consulta pública; e IX – ambiente virtual de participação social.

Fica evidente, portanto, que o texto do Decreto não estabelece a obrigatoriedade de criação de quaisquer interfaces em quaisquer órgãos ou entidades: apenas prevê que estes devem considerá-las, conforme “as especificidades de cada caso”.

E nem poderia ser de outro jeito, pois cada política pública pode comportar diferentes formas de interface com a sociedade, as quais devem ser escolhidos e instituídos caso a caso. O Decreto, porém, se limita a relacionar as principais interfaces já existentes e a estimular os gestores a incorporá-las em suas práticas cotidianas.

Além disso, o texto circunscreve bem o âmbito de incidência dessas interfaces: os programas e políticas a cargo dos órgãos e entidades da administração. Programas e políticas que estão sujeitos, como sempre estiveram, a diversos controles do parlamento: desde o do TCU, o qual tem por objeto conformidade dos atos dos gestores com leis ou regulamentos, até o controle mais propriamente político, o qual pode ser exercido pela convocação de responsáveis para dar esclarecimentos ou mesmo pelo restrição de recursos, quando da apreciação da lei orçamentária.

O que o Decreto faz, por outro lado, é criar uma série de balizas para a operação das ditas interfaces, estabelecendo parâmetros iniciais para orientar-lhes o funcionamento, bem como atribuindo à Secretaria-Geral da Presidência a competência para acompanhá-las, orientá-las e avaliá-las frente ao conjunto das experiências de participação em curso na máquina pública.

Mas isso também tem boas razões de ser. Afinal, o Decreto ganha forma em um quadro no qual, mesmo entre os entusiastas das interfaces socioestatais, subsistem motivos para acreditar que elas sempre podem prometer mais do que consegue entregar.

Da parte do governo, não é incomum que elas venham a servir de veículos para a mera de legitimação de opções prévias dos gestores – e não como mecanismo de escuta e construção de arranjos ou soluções inovadores. Da parte da sociedade civil, não é incomum que elas venham a ser capturadas por grupos específicos que, apenas por serem mais organizados, conseguem se sobressair frente aos demais que compõem a totalidade desse segmento.

É digno de nota, assim, que o Decreto preveja requisitos como a “garantia da diversidade” (art. 10, III) e a “rotatividade dos representantes da sociedade civil” (art. 10, V), para os Conselhos, ou a “sistematização das contribuições recebidas” (arts. 16, III e 17, III), a “publicidade, com ampla divulgação de seus resultados e a “disponibilização do conteúdo dos debates” (arts. 16, IV e 17, IV) e o “compromisso de resposta às propostas recebidas (arts. 16, V e 17, V) para as audiências e consultas públicas. Tais previsões mostram que há, na verdade, uma preocupação com que não haja cooptação – ao contrário do que, maldosamente, supõem Mendonça Filho e Caiado.

O Decreto, em suma, apenas cria meios para que a administração pública federal possa gerir melhor as interfaces entre o Estado e a sociedade civil nas políticas públicas. É um ato que disciplina e organiza relações já em curso, sem obrigar nenhum órgão à adoção de nenhum mecanismo de participação e, muito menos, desvalorizar função representativa do Congresso Nacional. Ao ameaçar derrubá-lo, porém, não é apenas um texto que os congressistas colocam em xeque: é a cidadania brasileira, cujo acúmulo e maturidade, como se vê, estão muito à frente do que alguns seus intérpretes ou mandatários parecem capazes de enxergar.


(*) FABIO DE SÁ E SILVA é PhD em Direito, Política e Sociedade pela
Northeastern
University e professor substituto de Teoria Geral do Direito na Universidade de Brasília (UnB). As opiniões contidas neste artigo são de caráter estritamente pessoal.


Créditos da foto: Mídia Ninja

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 Participação social e democracia nas políticas públicas federais

A participação de movimentos sociais e organizações da sociedade nas políticas públicas federais, nos termos do Decreto n. 8.243/14, amplia a democracia.


Ivanilda Figueiredo (*) Arquivo

O questionamento sobre se e como a participação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil nas políticas públicas federais afeta a democracia norteia os debates relacionados ao Decreto 8.243/14, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS). PSDB, PPS e DEM  propuseram Projetos de Decreto Legislativo (PDC) com o intuito de sustar o Decreto. Buscam no artigo 49, inciso V da Constituição da República (CR) fundamento para realizar o controle de atos normativos do Executivo exorbitantes dos limites de delegação legislativa.

Três desses projetos, até agora, ocupam a agenda da Câmara. O PDC n. 1491 (DEM), aguardando relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, argumenta que o Decreto: I. Ao favorecer a participação da sociedade civil e dos movimentos sociais, relega “o cidadão comum, não afeto a este ativismo social,” ao segundo plano; II. Expressa a pretensão  do Governo Federal de implodir o regime de democracia representativa, “na medida em que tende a transformar esta Casa em um autêntico elefante branco, mediante a transferência do debate institucional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio Governo”; III. Foi feito para dar voz aos movimentos sociais cooptados pelo atual Governo, perpetuando sua influência mesmo na hipótese de mudanças institucionais; e IV. Contraria a Constituição que prevê a participação popular por plebiscito, referendo; e iniciativa popular.

O PDC n. 1492 (PPS), apenso ao 1491, argumenta que o Decreto cria órgãos públicos, o que é proibido pelo art. 84, VI da CR.

O PDC n. 1494 (PSDB), o qual aguarda despacho inicial, segue na linha da extinção da democracia representativa e reitera os argumentos sobre os mecanismos de participação popular estarem no art. 14 da CR.

Já o Senado aprecia o PDC n. 117 (PSDB), pronto para pauta na Comissão de Constituição e Justiça, com parecer favorável do relator, o qual tratar-se o Decreto de “uma forma polida com a qual a Presidente da República decreta a falência do Poder Legislativo federal e o sucateamento do Congresso Nacional”.

O Relator no mérito afirma: reconhecer a competência da Presidência para se relacionar com entidades da sociedade civil e implementar instrumentos de consulta e participação popular”, mas considera o Decreto “contrário aos preceitos constitucionais por permitir que os programas e políticas públicas do Poder Executivo sejam implementados com base na participação de “representantes dos cidadãos” que não possuem legitimidade constitucional para tal mister”.

Os PDCs desconsideram portanto a participação proposta
sem
sequer notar que o decreto utiliza um conceito amplo de sociedade civil, incluindo o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações.

Além disso, alegam serem os movimentos sociais e ONGs cooptados pelo Governo. Ignoram, propositalmente, a ampla miríade formadora da sociedade civil brasileira.
Movimentos sociais são formas de ação coletiva de grupos organizados, cujo objetivo é alcançar mudanças sociais conduzidas por valores e ideologias por meio do embate político, podem ou não ser institucionalizados.

O movimento sindical, que congrega instituições de trabalhadores e de patrões é o de maior capilaridade institucional. Mas movimentos como o dos trabalhadores sem terra não possuem institucionalidade.

A diversidade reina na composição dos movimentos sociais. Apenas para ficar em alguns exemplos, o movimento sanitarista se iniciou pela ação de médicos e intelectuais e hoje é composto pelos mais diversos profissionais de saúde e usuários do sistema. O movimento de defesa dos direitos das crianças e adolescentes é formado por organizações não governamentais, instituições ligadas a igreja católica, fundações empresariais, e mas recentemente pelas próprias crianças e adolescentes. Já o movimento LGBT se subdivide em várias redes, dois exemplos são ilustrativos: Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, que é institucionalizada, possui CNPJ, e congrega mais de 308 organizações filiadas e a Liga Brasileira de Lésbicas, movimento não institucional, composto por mulheres lésbicas e bissexuais.

Organizações da sociedade civil, por sua vez, são instituições privadas sem fins lucrativos que se destinam a realizar políticas, lutar por direitos, atuar politicamente em nome de uma causa. Organizações da sociedade civil são gênero que englobam diversas concepções jurídicas como: fundações, organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), associações, organizações não governamentais (ONG). Assim, estão inclusas instituições críticas ao Governo como a Justiça Global, Fundações empresariais, como a Fundação Avina e Associações de Moradores.

A leitura de democracia nos PDCS também é bastante particular, verdadeiro elitismo democrático: o povo é representado pelos eleitos e só deve participar excepcionalmente por plebiscito, referendo e iniciativa popular, que não são instrumentos de dia a dia, são caros e complexos.

Trata-se de uma falácia considerar a voz do povo retumbante no sistema representativo atual. Os grupos de pressão poderosos possuem recursos financeiros e eleitores cativos. As recentes alianças no Congresso de parlamentares da elite ruralista e do fundamentalismo evangélico têm não só impedido o avanço de direitos de mulheres e LGBTs, como também fazem caminhar projetos absurdos como o Estatuto do Nascituro e impedem avanços no Executivo, exemplificado pela recente revogação da Portaria do aborto legal. O elitismo democrático, ademais, não encontram guarida na própria Constituição, que prevê a participação popular em inúmeros momentos (e.g., arts. 10, 187, 194, 198, 204, 216-A, 227 da CR).

Nossa  democracia tem nuances representativa e participativa, sendo consolidada por inúmeras leis responsáveis pela sistematização da participação nas políticas públicas.

Por fim, resta afirmar que nenhum órgão foi criado pelo Decreto. No artigo 2º, há um glossário dos termos que serão utilizados, algo comum em atos normativos para evitar dúvidas semânticas. No artigo 6º, reconhece-se instâncias e mecanismos de participação social já existentes, criados por lei.

Os instrumentos de participação criados são o Comitê Governamental de Participação Social, para assessorar a SG/PR no monitoramento, implementação e coordenação da PNPS, artigo 9º, e a Mesa de Monitoramento das Demandas Sociais, instância colegiada interministerial responsável pela coordenação e encaminhamento de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas, artigo 19. Nenhum destes se constitui como órgão público, representam apenas instrumentos organizacionais da estrutura federal, institucionalizando a comunicação entre elas e o dialogo com a sociedade civil. A escuta a ser realizada, inclusive, não é vinculante, a PNPS apenas assegura que o Executivo Federal se torne mais permeável à influência da sociedade civil.

Enfim, em contrário ao afirmado nos PDCs, pode-se dizer que o Decreto traz uma concepção ampla de sociedade civil, de democracia e não cria quaisquer órgãos públicos. Portanto, não possui qualquer inconstitucionalidade, não exorbita das atribuições do Executivo, nem esvazia o Congresso Nacional.

Assim,  a resposta ao questionamento inicial seria: há uma ampliação significativa da democracia. A PNPS pode ser um instrumento eficaz para majorar a cidadania ativa ao permitir aos cidadãos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil expressem diretamente seus pleitos ao Executivo e vejam suas demandas efetivamente ressoarem dentro do campo de influência democrático. Isso jamais pode ser considerado um ameaça à  democracia ou um demérito ao Congresso Nacional.

(*) IVANILDA FIGUEIREDO, defensora de direitos humanos, doutora em direito constitucional pela PUC-Rio e mestre em direito constitucional pela UFPE. Atualmente, atua como professora do UNICEUB.

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Conselhos de junho

Os manifestantes das ruas têm motivos para duvidar do governo e contestá-lo em muitas coisas, mas é preciso saber quando ele emite sinais de avanço real.


Lincoln Secco Agência Brasil

Goste-se ou não do que aconteceu em junho de 2013, é preciso aceitar que aquele mês abriu um novo ciclo político no país. De fato, ele não “produziu” algo novo, mas como todo acontecimento histórico, ele marcou uma passagem.

É preciso também admitir que não sabemos ainda o sentido de junho. Exibiram-se ali imagens contraditórias. Mas há algo nítido naquelas multidões desencontradas que pararam rodovias, ocuparam câmaras municipais, cercaram sedes de governos e atearam fogo no que puderam: aquilo não cabia nas instituições que os anos de 1980 nos legaram.

Nem os partidos de  esquerda (porque a Direita se organiza pela Grande Imprensa), os sindicatos ou os órgãos representativos do Estado eram suficientes para aplacar novas fúrias e antigos ressentimentos.
A figura mais popular da política brasileira, Lula, declarou publicamente que o seu partido podia não gostar daquilo, mas era o povo que estava nas ruas.

Todavia,nos dias de tormenta ele  não se arriscou a liderar nada.

Foi a presidenta Dilma Roussef quem apresentou uma proposta: o plebiscito para a reforma política. Mas ela não se dirigiu ao “povo” e sim aos seus pares, os quais querem qualquer coisa exceto uma  reforma política.

Agora, ela volta à carga e assina um decreto que regulamenta a participação popular junto aos órgãos de governo. Seria perda de tempo argumentar com as diferenças filosóficas entre socialistas e liberais ou chamar os cientistas políticos para debater a democracia representativa e a participativa. Nossos políticos não são assim tão interessados em ideias.


História

O problema reside na história concreta do Brasil. Entender junho exige a narrativa dos seus acontecimentos e, decerto, remontar às transformações que o Governo Lula promoveu no regime das classes sociais no Brasil e que, naquela altura, se expressaram no tema da mobilidade urbana.

Também seria preciso entender os novíssimos movimentos sociais que se desenvolveram sob formas horizontais. Sua crítica aos partidos visa sua superação positiva. Mas em junho, a crítica se confundiu facilmente com a da classe média contra um só partido: o PT.

Os anos 1980 funcionaram como um dique diante da tendência inercial conservadora da classe média. Lembra-se pouco que os novos movimentos sociais questionavam todo o legado das ditaduras e não só o daquela de 1964. Os intelectuais da esquerda atacavam o populismo e o Estado Novo. O novo sindicalismo negava a legislação Trabalhista. Ora, aquela crítica se confundia facilmente com o desejo dos empresários de enterrar a Era Vargas, negociar diretamente com os trabalhadores e retirar-lhes a proteção “paternal” do Estado.

Como agora acontece com os novíssimos movimentos sociais, o PT era acusado pela esquerda de negar o passado de lutas dos comunistas e trabalhistas e querer destruir a CLT. No entanto, ontem como hoje, visava-se superar positivamente aquela herança e não simplesmente negá-la.

Os novos movimentos sociais  dos anos 1970-80 conquistaram uma Constituinte conservadora, mas que produziu um texto socialmente avançado. Tanto foi assim que imediatamente a Direita  procurou revisá-lo, como o fez em 1993. Também evitou  regulamentar a maioria das conquistas sociais.

Entre elas estavam os instrumentos de participação popular. Embora o Brasil tenha tido dois plebiscitos nacionais, a nossa Democracia permaneceu meramente representativa e sob a tutela de forças retrógradas eleitas ainda sob o modelo do Pacote de Abril de 1977, quando a Ditadura Militar criou o terceiro Senador por Estado. Estados menos populosos continuaram super-representados e as eleições decididas pelo poder econômico.


Democracia Racionada

A um tipo de democracia assim, na qual os Direitos pertencem àqueles que se classificam previamente para participar da vida política com base na raça e no poder econômico, Carlos Marighella denominava Democracia Racionada.

A Revolução Democrática dos anos 1980 não logrou impedir a constituição de uma Democracia Racionada, mas criou as bases legais para sua superação.

Infelizmente, a ela seguiu-se a contrarrevolução neoliberal dos anos 1990. A Direita conseguiu destruir parte dos direitos trabalhistas e reforçar um aparato de repressão e “judicialização” da luta de classes que se manteve intacto até hoje.

A vitória de Lula permitiu que os conflitos sociais pudessem se representar no próprio executivo. Ele cedeu ministérios a gregos e troianos exatamente como Vargas em 1950. Mas ele o fez porque o Congresso que deveria canalizar aqueles conflitos continua sendo a representação invertida da sociedade. Outros governos latino-americanos, mais radicais, optaram por confrontar o Congresso e o judiciário com um poder executivo monolítico. Assim, adotaram novas Constituições e vivem um enfrentamento constante contra seus adversários.

O governo Lula foi uma síntese. De um lado o radicalismo dos anos 1980, derrotado nas urnas, mas vitorioso na esfera dos valores e da própria Lei Magna; de outro lado, o reformismo dos anos 1990, derrotado nas suas pretensões socialistas originais, mas vitorioso eleitoralmente.


Quem São os Aliados?

Ao escolher o caminho da conciliação, portanto, o PT não pode abandonar o único contrapeso à influência de seus aliados da Quinta Coluna (PMDB): sua base social.
A adoção de Conselhos Populares é parte integrante da história do PT. Foi adotada em seus primeiros governos municipais. Os mais exaltados pensavam nos sovietes, é claro,  mas aqueles eram produto de uma revolução e nada há de parecido em situações não  revolucionárias. Por não possuírem caráter deliberativo algum, sequer chegam a contrariar qualquer prerrogativa dos deputados. No máximo é um passo tímido na superação da Democracia Racionada.

Ainda assim, causou o ódio dos adversários.

Num primeiro momento, parece que a Direita se ergueu devido ao seu medo pânico diante de qualquer avanço popular. Mas de novo temos que recordar que nossa Direita não se interessa por ideias, apenas por interesses. A oposição foi contra simplesmente porque era oposição. Mas o fato do Presidente do Senado (que é do PMDB) e boa parte da base aliada do governo serem contrários era menos que ideologia e um pouco mais do que má fé.

Os manifestantes das ruas têm todos os motivos para duvidar do governo e contestá-lo em muitas coisas, mas é preciso saber quando ele emite sinais de avanço real. Por mais tímida que seja, a participação popular incomoda imediatamente muito mais os aliados do PT do que seus opositores declarados.

Pela simples razão de que pode quebrar o presidencialismo de coalizão, constrangendo ministérios de partidos aliados a atender demandas definidas pelos movimentos sociais. Imaginem um ministro do PMDB tendo que ouvir “gente comum”! Atualmente, ele ouve sua família, seus clientes e quando muito os seus financiadores...

O PT não pode unir monoliticamente o executivo para forçar o Congresso a mudar. O caminho da Venezuela, Bolívia, Equador ou Argentina não está na sua gênese. A única maneira de superarmos a Democracia Racionada é pela pressão das ruas. A panela de pressão explodiu em junho. Mas sempre que a pressão não é canalizada institucionalmente pela esquerda ela só tem dois caminhos: a dispersão ou a Revolução contra a Ordem, como dizia o saudoso Florestan Fernandes.


Estudar Junho

Uma vez reconstituídos os movimentos de junho de 2013, será necessário recuar a um tempo conjuntural para entender a dinâmica da transformação  moderada do governo Lula. Em seguida, retomar a própria história dos movimentos que lhe deram origem no final da Ditadura Militar. Feito o recuo na direção de nossa  história, reencontraremos junho dotado de sentido mais nítido.

Junho vai se dividir e a esfinge será quebrada. Parcelas da população que saiu às ruas já têm o endereço certo do voto oposicionista. Outros se politizaram ali mesmo e ainda aguardam para decidir. Uma terceira parte pode cair no protesto de longo prazo
sem
uma estratégia definida.

Na superfície da vida política, três cenários se desenham. No primeiro, Dilma Roussef ganha para fazer um governo igual ou pior do ponto de vista da esquerda. Num segundo cenário, Dilma vence com  força para levar a uma Assembleia Constituinte Exclusiva e a maior participação popular. Num terceiro, ela perde e retrocedemos para o inferno.

É evidente que alguém pode dizer que já vivemos no inferno. É verdade. Mas o Brasil não vai acabar, por isso ele sempre pode piorar. A Revolução contra  Ordem é sempre preferível e se gesta na infraestrutura da Sociedade Civil. Seus movimentos são pouco visíveis, mas ela não está no nosso cenário de curto prazo.
É claro que não cabe pedir a quem se manifesta que deixe  de fazê-lo para preservar qualquer poder estabelecido. Já os partidos de esquerda agem em outra frequência. Eles são financiados pelo Estado, cerceados pela mídia e divididos por interesses materiais definidos. Neles também se representam diferentes ideologias.

Os Conselhos Populares infelizmente não foram instituídos pelas ruas de junho, mas inegavelmente Dilma ouviu “conselhos” de algumas de suas vozes dispersas. Quando Dilma propôs aquele plebiscito, ninguém a apoiou. Até mesmo uma liderança de seu partido a sabotou. A segunda medida que ela tomou (o programa “mais médicos”) demorou a ser defendido pela esquerda. Foi preciso que uma onda racista e anticomunista de médicos direitistas nos chamasse a atenção.

Agora, os partidos de esquerda, sem deixar de lado suas críticas aos limites da proposta, não podem simplesmente ser contra ou ignorar algo que também é deles. Toda a esquerda partidária existente hoje saiu do PT em algum momento ou se aliou a ele. Os Conselhos Populares são parte também de sua história.
Às vezes é preciso unir a estratégia de protesto permanente com os momentos táticos da reforma possível.

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Quem tem medo da Política de Participação Social

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Conservadores falam em “bolivarianismo”, mas têm um objetivo central: bloquear qualquer forma de democracia que vá além do voto e representação

Por André Portugal
Vários têm sido os comentários negativos dirigidos ao Decreto nº 8.243/2014, editado pela Presidente Dilma Rousseff, que institui a Política Nacional de Participação Social. Dada a elevada repercussão de textos a esse respeito, penso ser desnecessária uma elucidação detalhada da matéria tratada pelo decreto. Para situar o leitor, apenas relembro que se cuida de uma medida destinada a incluir a sociedade civil no âmbito das decisões políticas; para uma análise mais pormenorizada, recomendo a leitura do próprio decreto. Nas críticas, fala-se em golpe institucional, em inconstitucionalidade escandalosa, em extinção da democracia, institucionalização de um modelo bolivariano, semelhante ao verificado na Venezuela, etc.
Correndo-se o risco de uma generalização excessiva dos argumentos utilizados para a desqualificação do decreto, menciono os que foram considerados mais relevantes: 1) a inclusão dos movimentos sociais, institucionalizados ou não, seria, a bem da verdade, na medida em que grande parcela de tais movimentos estariam dominados e vinculados ao PT, um meio de eternizar o partido no poder; 2) a medida consistiria em uma verdadeira violação aos princípios da democracia representativa, principalmente porque os movimentos sociais estariam a substituir os representantes eleitos pela maioria do povo e; 3) o ato normativo traria uma violação à igualdade formal (perante a lei), pois os membros de movimentos sociais teriam um privilégio não conferido ao cidadão comum nas decisões políticas de nossa sociedade.
A meu ver, os críticos do decreto, para além do tom apelativo, partem de premissas bastante equivocadas sobre a democracia. E, aqui, pretendo evitar quaisquer desqualificações dos textos em razão, por si só, de quem são os seus autores, bem como quaisquer concordâncias (ou contestações) com o decreto tendo como pressuposto o partido responsável por sua edição, como muitos costumam fazer. Penso que isso é bastante perigoso, e um convite a argumentos que, no mais das vezes, recaem sobre meras petições de princípio – e que não entram, portanto, no cerne da questão em debate. Daí é que registro a ausência de qualquer finalidade ou vínculo de cunho partidário na escrita deste texto.
Feitas tais considerações, quero dizer que vejo com bons olhos o conteúdo do decreto. Com efeito, penso ser bastante reducionista qualquer visão que restrinja o âmbito das decisões políticas aos representantes eleitos, ou que limite a democracia ao direito de eleger tais representantes. Vivemos em uma sociedade progressivamente complexa e aberta, com expectativas, legítimas, as mais variadas (Luhmann). Daí a importância da sociedade civil, por exemplo, na interpretação de textos constitucionais, como lembra Peter Häberle. Também é daí que surge a importância de se procurar ampliar, ao máximo, o conceito de “sociedade civil”. E, nesse processo, os movimentos sociais (e isso não se limita àqueles que simpatizem com o PT) exercem uma função bastante relevante, na medida em que representam expectativas que, pelo processo político de eleições, nem sempre podem ser consideradas – principalmente quando sociedades empresárias são responsáveis por uma parcela considerável do bolo destinado ao financiamento de campanhas eleitorais. A democracia, portanto, não deve ser delegativa, mas participativa, ou deliberativa, a possibilitar um auditório de diálogo o mais universal e aberto possível, em que sejam ouvidos, de modo equitativo, tolerante e não exclusivo, os argumentos de todos os envolvidos – afinal, todo discurso que se pretenda universal (no âmbito da comunidade política) deve se abrir a toda sorte de críticas. Somente assim, poderemos todos ser considerados responsáveis por nossas próprias decisões, como lembra Karl Popper.
Veja-se que a democracia deliberativa não visa substituir a forma representativa. Trata-se de um complemento, com vistas a uma legitimação (procedimental) do próprio direito. Por isso, as duas primeiras críticas não são válidas.
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A terceira crítica, por sua vez, perde sua validade com a mera leitura do texto do inciso I, do artigo 2, do decreto, que coloca os cidadãos (ou seja, aqueles que não participam de qualquer movimento social) na definição de sociedade civil. Por isso, não haveria qualquer privilégio a quem eventualmente participe de movimentos sociais.
Não pretendo me alongar. Trata-se de um texto apenas destinado a analisar o que tenho percebido nos últimos dias, com relação a esse tema. Apenas afirmo, com Tocqueville (vide A Democracia na América), que, ao contrário do que muitos parecem crer, a ampliação da participação política, além de tudo o que se falou, parece ser um remédio bastante eficaz de combate à crescente alienação vivenciada em nossos tempos (pós-)modernos.
 

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