domingo, 22 de junho de 2014

Rose Marie Muraro, chega ao céu e não deve estar sendo fácil conter tanta alegria da legião de anjos que aguardavam seu retorno..


“Assim, hoje as bruxas são legião no século XX. E são bruxas que não podem ser queimadas vivas, pois são elas que estão trazendo pela primeira vez na história do patriarcado, para o mundo masculino, os valores femininos. Esta reinserção do feminino na história, resgatando o prazer, a solidariedade, a não-competição, a união com a natureza, talvez seja a única chance que a nossa espécie tenha de continuar viva.”
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ROSE MARIE MURARO.

O Espírito de Deus Pairou Sobre as Águas
Rose Marie Muraro (11/11/1930 – 21/06/2014)

 


Quando as trevas cobriam o Abismo
o meu espírito pairou sobre as águas
e Eu as fecundei e fiz delas a origem de toda vida.
E as águas se tornaram a base de toda a natureza que Eu criei.
Na terra, assim como no ar,
Eu fiz que nada existisse sem as águas
e o Tempo, o meu filho primeiro, foi seguindo o seu curso,
milênio a milênio.
E os seres vivos foram se sucedendo:
os que se arrastavam e os que voavam e os que andavam.
Até que chegaram os que pensavam
e neles Eu pus todo o meu amor.
Fiz os seus rostos resplandecentes
e nas suas mãos coloquei raios de fogo
e asas nos seus pés.
E, principalmente, mais do que tudo,
entreguei-lhes a minha filha predileta: a Liberdade.
E perdi o poder sobre eles,
o poder que tinha sobre as outras criaturas,
porque a liberdade lhes dava esse poder
de criar e destruir como Eu mesmo fazia.
Tomei esse risco para ter com quem dialogar
e fazer com que tudo crescesse
e a vida desabrochasse.
Mas eles levantaram as suas faces contra mim.
E destruíram mais do que criaram, até cometer o supremo pecado
de matar o Futuro, filho do Tempo com a Liberdade.
E violaram as águas de tudo que era feito.
E elas se tornaram envenenadas,
A Terra foi se tornando um deserto
e o ar foi se tornando irrespirável.
E, se dentre os seres revoltados, como Lúcifer,
não surgirem seres livres capazes de ressuscitar o Futuro
e, com ele, a vida e a esperança, a Liberdade e o Tempo,
não terei outro remédio senão fazer com que as trevas
voltem outra vez a cobrir o Abismo.

Extraído do livro O Espírito de Deus Pairou Sobre as Águas: Orações para o Século XXI, organizado por Rose Marie Muraro e publicado pela Pensamento.

Rose Marie Muraro: a saga de uma mulher impossível

Leonardo Boff

22/06/2014
No dia 21 de junho concluíu sua peregrinação terrestre no Rio de Janeiro uma das mulheres brasileiras mais significativas do século XX: Rose Marie Muraro (1930-2014). Nasceu quase cega. Mas fez desta deficiência o grande desafio de sua vida. Cedo intiuíu que só o impossível abre o novo; só o impossível cria. É o que diz no seu livro Memórias de uma mulher impossível (1999,35). Com parquíssima visão formou-se em física e economia. Mas logo descobriu sua vocação intelectual: de ser uma pensadora da condição humana especialmente da condição feminina. Foi ela que no final dos anos 60 do século passado, suscitou a polêmica questão de gênero. Não se limitou à questão das relações desiguais de poder entre homens e mulheres mas denunciou relações de opressão na cultura, nas ciências, nas correntes filosóficas, nas instituições, no Estado e no sistema econômico. Enfim deu-se conta de que no patriarcado de séculos reside a raíz principal deste sistema que desumaniza mulheres e também homens.
Realizou em si mesma um impressionante processo de libertação, narrado no livro Os seis meses em que fui homem (1990,6ª edição). Mas a obra quiçá mais importante de Rose Marie Muraro tenha sido Sexualidade da Mulher Brasileira: corpo e classe social no Brasil (1996). Trata-se de uma pesquisa de campo em vários Estados da federação, analisando como é vivenciada a sexualidade, tomando em conta a situação de classe das mulheres, coisa ausente nos pais fundadores do discurso psicanalítico. Neste campo Rose inovou, criando uma grelha teórica que nos faz entender a vivência da sexualidade e do corpo consoante as classes sociais. Que tipo de processo de individuação pode realizar uma mulher famélica que para não deixar o filhinho morrer, dá o sangue de seu próprio seio? Trabalhei com Rose por 17 anos como editores da Editora Vozes: ela responsável pela parte científica e eu pela parte religiosa. Mesmo sob severo controle dos órgãos de repressão millitar, Rose tinha a coragem de publicar os então autores malditos como Darcy Ribeiro, Fernando Henrique Cardoso Paulo Freire os cadernos do CEBRAP e outros. Depois de anos de longa discussão e estudo em conjunto reunimos nossas convergências num livro que considero seminal Feminino & Masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças (Record 2010). Destaco apenas uma frase dela:”educar um homem é educar um indivíduo, mas educar uma mulher é educar uma sociedade”.
Sem deixar nunca de lado a questão do feminino (no homem e na mulher) voltou-se cedo aos desafios da ciência e da técnica moderna. Já em 1969 lançava Autonomação e o futuro do homem e previa a precarização do mundo do trabalho.
A crise econômico-financeira de 2008 levou-a colocar a questão do capital/dinheiro com o livro Reinventando o capital/dinheiro (Idéias e Letras 2012), onde enfatiza a relevância das moedas sociais e complementares e as redes de trocas solidárias que permitem aos mais pobres garantirem sua subsistência à revelia da economia capitalista dominante.
Outra obra importante, realmente rica em conhecimentos, dados e reflexões culturais se intitula Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade: querendo ser Deus? (Vozes 2009). Neste texto ela se confronta com a ponta da ciência, com a nanotecnologia, a robótica, a engenharia genética e a biologia sintética. Vê vantagens nessas frentes, pois não é obscurantista. Mas pelo fato de vivermos dentro de uma sociedade que de tudo faz mercadoria, inclusive a vida, percebia o grave risco de os cientistas presumirem poderes divinos e usarem os conhecimentos para redesenharem a espécie humana. Daí o sub-título: Querendo ser Deus? Essa é a ingênua ilusão dos cientistas. O que nos salvará não é essa nova Revolução Tecnológica mas, como diz Rose, é a “Revolução da Sustentabilidade, a única que poderá salvar a espécie humana da destruição…pois a continuarmos como está, não estaremos em um jogo ganha-perde e sim no terrrivel jogo perde-perde que significará a destruição de nossa espécie, na qual todos perderemos”(Reinventando o Capital/dinheiro, 238).
Rose possuía um sentimento do mundo agudíssimo: sofria com os dramas globais e celebrava os poucos avanços. Nos últimos tempos Rose via nuvens sombrias sobre todo o planeta, pondo em risco o nosso futuro. Morreu preocupada com as buscas de alternativas salvadoras. Mulher de profunda fé e espiritualidade, sonhava com as capacidades humanas de transformar a tragédia anunciada numa crise purificadora rumo a uma sociedade que se reconcilie com a natureza e a Mãe Terra. Conclui seu livro Os avanços tecnológicos com esta sábia frase:”quando desistirmos de ser deuses poderemos ser plenamente humanos, o que ainda não sabemos o que é, mas que intuímos desde sempre”(p. 354).
Proclamada a 30 de dezembro de 2005 oficialmente pelo Presidente, Patrona do Feminismo Brasileiro e com a criação da Fundação Cultural Rose Marie Muraro em 2009 deixará um legado de fecundo humanismo para as futuras gerações. Rose Marie Muraro mostrou em sua saga pessoal que o impossível não é um limite mas um desafio. Ela se inscreve na linhagem das grandes mulheres arquetípicas que ajudam a humanidade a preservar viva a lamparina sagrada do cuidado por tudo o que existe e vive. Nesse afã ela se tornou imorredoura.
Leonardo Boff trabalhou na Editora Vozes por 17 anos junto com Rose Marie Muraro


Só a conheci ontem, quando soube de sua morte.
Me senti muito pequeno e ignorante.
Uma mulher incrível como ela, deveria ser de meu conhecimento e de todos no país.
Como posso eu, conhecer os nomes e a história de vida, de apresentadoras fúteis de televisão, e desconhecer Rose Marie Muraro?

Foi aí que eu entendi porque eu faço televisão.
Depois passem na TV Humana para ver nossa pesquisa.
Aprendi demais com mais este trabalho.
Ela diz coisas incríveis nestes 11 vídeos e nas citações que buscamos.

Beijos pra todas vcs, mulheres do século XXI.
 Paul Sampaio Chediak Alves (Via Facebook)


Para saber mais sobre Rose Marie Muraro, clique abaixo: 

 


Também em rede social, o Instituto Rose Marie Muraro postou um poema inédito da escritora com o título “O Pássaro de Fogo”. Leia abaixo o poema.

O Pássaro de Fogo

Tu vieste como um pássaro
E pousaste no meu ombro
E eu fui habitada
Pela paixão da entrega.
Eu te amei antes que tu existisses
Como o deserto que tem sede de água
E as flores tem sede da luz
E te amei como a pedra ama a terra
Que lhe dá sua força.
Com teu bico colocaste na minha mão esquerda
A semente da morte
E na direita a semente da vida
Para que com as duas juntas
Eu fizesse a escolha de cada momento
Ligando o instante à sua profundidade eterna.
Pássaro de fogo
Capaz de queimar sem consumir
Estás dentro de mim.
Pássaro de fogo
Irei onde tuas asas me conduzirem
E meu caminho se tornou incandescente
Como teus olhos.
 
MEMÓRIAS DE UMA MULHER IMPOSSÍVEL é a história de uma das testemunhas dos mais importantes acontecimentos do Brasil no século XX - políticos, culturais e ideológicos. Rose Marie Muraro, pertenceu a uma das mais ricas famílias do Brasil nos anos 1930/40. Aos 15 anos, por ocasião da morte repentina do pai e das lutas pela fortuna, rejeitou sua origem e dedicou o resto de sua vida à construção de um novo mundo. Exatamente nesse ano conheceu o então padre Helder Câmara e se tornou membro da sua equipe. Os movimentos sociais criados por ele nos anos 40 tomaram o Brasil inteiro na década seguinte e nos anos 60 o golpe militar teve como alvo não somente os comunistas, mas os cristãos de esquerda - bem mais perigosos desde então. Nos anos 70, trabalhou com Leonardo Boff na Editora Vozes e nas mãos de ambos nasceram os dois mais importantes movimentos sociais do século XX: O movimento de mulheres e a teologia da libertação, ambos até hoje base no mundo inteiro na luta dos oprimidos. Nos anos 80, presenciou a virada conservadora da Igreja e do sistema capitalista. Nos anos 90 conseguiu penetrar na cultura de fundo da globalização e sofreu suas conseqüências. Sua vida privada, afetiva e sexual está mesclada a todo este processo de transformação do fim do milênio. Clinicamente cega e limitada em termos de saúde, Rose sempre escolheu apostar no impossível. Rose Marie Muraro, é uma escritora, editora, hoje editou ad large da Editora Record. É uma das primeiras mulheres a lutar pela libertação da mulher no Brasil no século XX. Nove vezes Mulher do Ano, duas vezes Mulher do Século (Revista Desfile 1990,1999), Intelectual do Ano (UBE-1994), está recebendo no dia 27 de setembro o prêmio Teotônio Vilella, de mais importante editora na resistência ao regime militar, tendo como patrono Ênio Silveira. Foi convidada seis vezes pelo governo americano a dar aulas nos EUA, tendo realizado palestras em 40 universidades nos EUA. Memórias de uma mulher impossível já está sendo traduzido para o inglês e será publicado pela Temple Univers.Press
 Fonte: http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=2293



Músicas para celebrar a presença e-terna de seres humanos como Rosie Marie Muraro...






Não se admire se um dia/Um beija-flor invadir/A porta da tua casa/Te der um beijo e partir...

(Foto: beija-flor albino)








acrescido em 30 de Setembro de 2023
A ameaça da mulher escritora:
a censura aos livros feministas de Rose Marie Muraro durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985)



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