segunda-feira, 9 de junho de 2014

*CRÔNICA DE UMA DITADURA DEMOCRÁTICA: UFS, LARANJEIRAS-SE E A VIOLÊNCIA DOS SENTIDOS.


Por Janaina Mello (Profa. da UFS CampsLar)


Há cinco anos e dois meses aportei na cidade de Laranjeiras-SE, vinda de Alagoas, onde passara outros cinco anos como professora da UNEAL. Iniciava uma nova jornada em minha vida, há mais de cinco anos havia cortado o cordão umbilical com o Rio de Janeiro, minha cidade natal onde nasci e me criei. Agora, Sergipe era meu novo horizonte e a Universidade Federal de Sergipe (UFS) a minha nova casa. Laranjeiras, uma cidade linda, um patrimônio histórico à céu aberto, cheia de cultura, tanto material como imaterial, sonho realizado de qualquer amante da história que ao percorrer suas ruas, contemplando os casarios do século XIX, deleitava-se com as possibilidades de estudo, pesquisa e vivência. 

Para mim foram cinco anos de projetos de pesquisa, tecnologia e extensão diretamente vinculados à cidade. Nela organizei, junto com colegas professores e alunos, eventos e exposições; nela me realizei e me tornei uma historiadora de fronteira, interdisciplinar, com visão de campo de saber holística, transitando entre a História, a Museologia, a Arqueologia e a Tecnologia, ainda arrisquei flertar com a Antropologia e a Sociologia que também me acolheram com suas leituras, conceitos e métodos. Artigos resultaram desse intercurso, artigos para eventos locais, regionais, nacionais e internacionais.

Artigos foram publicados em revistas acadêmicas Qualis A e B. Sites foram criados, filmes foram produzidos, entrevistas realizadas. Percorri as ruas da cidade com os alunos da Museologia e da Arqueologia, fui às escolas do centro e do Conjunto com os alunos, trouxemos a comunidade de Laranjeiras para dentro dos muros restaurados do antigo Trapiche para experenciar dois "Cafés Coloniais", mais de cinco exposições, o Cinema na Museologia, as Oficinas de Educação Patrimonial. Conheci senhorinhas e jovens, almocei em várias casas, as pessoas aprenderam a me conhecer pelo nome e pelo curso de Museologia que eu represento na cidade, comi munguzá na praça da igreja matriz, misto no mercadinho e almocei várias vezes na Mussuca com dona Nadir cantando samba de coco. Participei de Encontros Culturais em janeiro, como palestrante, como pesquisadora, como apreciadora, da manhã até a noite. Realizei trabalhos na Casa de Cultura João Ribeiro. Fiz amigos moradores de Laranjeiras.

Agora vejo a universidade federal na figura de sua gestão maior virar as costas à cidade, vejo colegas e alunos falando em "Laranjeiras nunca mais!" como se fosse essa a solução para uma violência anunciada que foi crescendo em um contexto de muitos responsáveis. Quantos professores de tosos os cursos realmente preocuparam-se em conhecer a comunidade como eu conheci? Quantos dedicaram-se à proejtos de extensão na comunidade? Quantos são conhecidos pelo nome e reconhecem os moradores pelos nomes? Quantos alunos saíram de suas salas para integrar-se à comunidade? Quanto foi investido pela gestão maior da UFS em programas de integração/extensão comunitária? Digo programas e não projetos individuais! Há mais de um mês o melhor Secretário de Cultura que Laranjeiras-SE já teve - Neu Fontes - foi exonerado de seu cargo (justo aquele que organizou o Plano Municipal de Cultura, realizou foruns e conferências municipais de cultura, cadastrou os grupos de brincantes, forneceu informações para que esses grupos adquirissem autonomia e saíssem da órbita da dependência de cabresto da prefeitura) e a universidade não se manifestou e a população não se manifestou publicamente! Quantos projetos de auxílio aos dependentes químicos em Laranjeiras-SE foram finalizados pela atual prefeitura? Aliás, onde estão os projetos sociais dessa atual prefeitura? Projetos de emanciapação e não de dependência! Onde estão projetos para cursos profissionalizantes para os jovens que não vêem perspectivas (informática, eletrônica, eletricidade, obras, mecânica de carros)? Onde estão projetos para cultura e esporte (formação de agentes jovens culturais, formação de times em várias modalidades esportivas para disputar campeonatos)? A prefeitura mostra falta de competência gritante na gestão da cidade e tenta culpabilizar a universidade por algo para a qual recebe verbas para executar!!!! O Estado mostra-se omisso, como se Laranjeiras não fosse parte de Sergipe e o delegado afirma que um efetivo de 4 policiais é capaz de manter a segurança em meio à uma população urbana com mais de 25 mil pessoas.

A população de Laranjeiras está sendo assaltada todos os dias, os índices de violência contra as mulheres, de estupro e roubo de casas é alarmante. Por três vezes os vigilantes da UFS foram ameaçados em suas vidas, onde jovens em uma motocicleta tentaram levar suas armas. Na terceira vez, conseguiram. O campus foi imediatamente fechado - "Ordem de cima! Protejamos o pratrimônio físico da universidade!" - e nós professores e alunos colocados para fora, à noite, para ainda assustados, rodeados por crianças, buscarmos os demorado transporte para Aracaju. Na época das manifestações contra o aumento das passagens de ônibus em todo o Brasil, a comunidade de Laranjeiras fez sua passeata, mas a universidade "informada de que haveria quebra-quebra" mandou fechar o campus e colocou novamente alunos e professores, assustados, sem muitas informações concretas para fora, num contexto de paralisação de transportes públicos.

Agora, uma aluna do curso de Dança foi sequestrada e agredida, foi levada ao hospital, foi à delegacia acompanhada por professoras e a reportagem da TV (SE-TV) mostrou um policial afirmando ter sido apenas "um surto psicótico e que nada havia acontecido de verdade"! Há oito alunos de todos os cursos ameaçados de morte! Há uma lista! O que a gestão maior deciciu fazer diante desse quadro de medo, mandou fechar o campus durante 30 dias, sem buscar outras soluções e agora compõem-se documentos internos para a transferência imediata dos cursos para o Campus São Cristóvão! Foi uma ordem, um cumpra-se! Justo quando - nós historiadores - realizamos eventos sobre a Ditadura Militar em todo o Brasil, temos um cumpra-se, uma ordem sem abertura ao diálogo. Uma decisão de cima! Os alunos residentes foram para um outro município, estão passando privação de comida, uma vez que foram recolhidos pela universidade às pressas, objetificados, tratados como coisas! A população honesta, amiga, acolhedora e parceira de Laranjeiras está sitiada, assustada dentro de suas casas, pois também tem sido alvo de roubos e morte. Alguns professores e alunos comemoram a vitória de "finalmente sair de Laranjeiras" e ir para São Cristóvão quase ao lado de suas casas em Aracaju.

Eu e outros colegas choramos. Choramos a saída de "nossa casa", porque nossa casa sempre foi Laranjeiras. Choramos uma ditadura democrática em pleno século XXI que se realiza dentro da universidade com ordens de fechamento e transferência, choramos a ignorância daqueles que acham que venceram mas perderam pois o que nos espera em São Cristóvão são containers (já que os cursos antigos brigam pelo espaço que não possuem) e o resun dos alunos impactados por mais mil alunos provavelmente terá filas quilométricas e falta de comida, a transferência para o Rosa Else resultará em outras violências (já que a violência urbana no Estado está generalizada pela falta de estrutura e investimento em efetivos policiais e em programas de inclusão social, profissionalização, tratamento de dependência química e empregabilidade). Choramos porque no final, eles que acham que venceram (os que queriam sair e os que queriam que nós saíssemos) não sabem o que fazem. Choramos porque perdemos a nossa casa, os nossos amigos, a nossa família que é Laranjeiras.    Choramos porque Laranjeiras continuará em perigo e nada será feito. Choramos porque a universidade é covarde e ao invés de acionar a Polícia Federal para uma intervenção, acionar o Ministério Público Federal, simplesmente escolhe o caminho de sempre: fechar o campus e nos colocar à todos para fora. Choramos porque Sergipe perde um campus, de 5 passa a ter 4. Choramos porque os cursos desmembrados irão para São Cristóvão como "retirantes" de uma "seca violenta de cérebros pensantes e solidários". Nessa violência dos sentidos ainda acusam a Museologia de não querer sair, sim, nós não queremos sair, porque ao contrário de muitos, enxergamos muito mais além do que o imediato, enxergamos e sentimos na pele a violência dos sentidos que hoje, na madrugada, se manifestou na invasão e roubo do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe em Laranjeiras. Um claro aviso à Museologia, seus professores e alunos? Choramos porque o governo do Estado nada faz, a prefeitura nada faz e a universidade quando o faz...faz errado!"

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