terça-feira, 25 de janeiro de 2022

UMA NOTINHA DE NADA MOTIVADA PELO VÍDEO DA VEZ DO OLAVO DE CARVALHO -

 Romero Venâncio - 

Publicado no facebook. 7/6/2020.

Alguns amigos e amigas me recomendaram um curto vídeo com uma fala do Olavo de Carvalho completamente celerado e atacando seu pupilo Bolsonaro. O que em nada me surpreende. Tenho evitado falar desta figura, mesmo sabendo de seu papel nesse Brasil do momento. 

Agora e por razões pessoais, falo um breve episódio que vi. Conheci-o pessoalmente em 1992 na UFPB. Estava terminando minha graduação em filosofia. Na ocasião, ele foi levado a universidade por uma astróloga e professora do departamento de geografia à época (que não lembro o nome dela agora) da UFPB. 

Pelo que vi, ela se dizia amiga do Olavo. Escutei ele por mais de uma hora numa sala de aula do CCHLA/UFPB onde não tinha mais do que 40 pessoas e ele atacou o tempo inteiro alguns pensadores brasileiros: analfabetos, não sabem de filosofia, não conhecem Aristóteles, são comunistas disfarçados, doutrinadores e ateus... Revelou todo um ódio que eu nunca tinha visto até aquele momento a quatro figuras (que na época, eu os lia): Gerd Bornheim, Marilena Chauí, Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder (que ele dizia ser o mais sério! e ainda tinha algum respeito na época). 

Para ele, eram a derrota de toda a filosofia praticada no Brasil. No momento, fiquei sem saber o que pensar!!! E depois falei rapidamente com ele no cafezinho da praça da alegria (Olavo esteve na praça da alegria e no café da saudosa Nanci!!!) e tenho apenas uma lembrança dele ter me dito que procurasse conhecer Bruno Tolentino. Dizia ele ser esta figura o maior poeta brasileiro vivo e grande erudito. 

O Olavo que guardei pra mim: uma figura muito inteligente, cativante, ressentida e doente mentalmente.Resumo ele assim naquele tempo e hoje ainda. Para mim, toda a "loucura" do Olavo está expressa nas primeiras páginas de "O jardim das aflições" quando ele fala de José Américo Motta Pessanha com um ódio e uma inveja siderais. 

Nunca havia lido algo assim. Ali tem tudo. Um dia penso em escrever mais detidamente sobre isto e como ele fez sucesso em redes sociais num vaco deixado pelas esquerdas acadêmicas. Por hora, me basta isto: uma das razões do crescimento e da fama dele se deu por conta de uma série de preconceitos que os acadêmicos de esquerda das universidades têm (ou tinham!!!) com as redes sociais... E em politica ou em rede social é assim: Não existe vaco esperando futura celebridade... 

Onde, possivelmente exista, alguns/alguém ocupa. Foram décadas de Olavo e seus cursos de "formação de base em extrema direita, teorias da conspiração e filosofias avulsas" e com apoio de editoras conservadoras. O resultado já temos ai e com prazo de duração. Mas isto é assunto para um outro momento. Aguardo ansiosamente a leitura do livro do prof. João Cezar de Castro Rocha (ensaísta e Professor Titular de Literatura Comparada da UERJ): "Guerra Cultural Bolsonarista – A Retórica do Ódio". Pelo que ouvi do professor numa live de quarentena, vai na linha do que penso sobre esse Olavo. Mas quero muito ler o livro e continuar modestamente minhas reflexões...

Essa introdução foi apenas para dizer uma coisa sobre o vídeo que vi: não nos iludamos ou nos enganemos com Olavo... A aposta dele é sempre alta.

Romero Venâncio (Filosofia - UFS)

Leia também:

Olavo viveu para entender que foi usado e descartado por Bolsonaro - Leonardo Sakamoto

 O entrevistado entende do assunto e é uma pessoa que fala de uma forma bem legal...

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 https://www.youtube.com/watch?v=b94bJI1foE4 







E morreu Olavo de Carvalho. 
Horacio Neiva


Talvez não tenha havido, no Brasil recente, nenhuma personalidade do mundo da cultura mais influente politicamente que ele. O resultado dessa influência está aí: radicalismo ideológico, polarização e degradação do debate público.

Por ocasião da data, gostaria de falar da minha própria experiência com o olavismo e que talvez ajude a entender a influência e o impacto que o Olavo teve nessa geração. 

Conheci o Olavo nos idos de 2007, por meio de um texto famoso na época: A tragédia do estudante sério no Brasil. O texto tinha muitos elementos que mexiam com um jovem universitário: Olavo nos tratava como intelectuais em potencial e como vítimas de circunstâncias alheias a nós. 

Além disso, despejava uma multidão de autores que nunca tínhamos ouvido falar, o que, além de despertar a curiosidade, sugeria a ideia de que 1) nossos professores eram ignorantes (e o Olavo era luz); 2) havia um complô para nos impedir o acesso a essas fontes de conhecimento 

Estávamos, na época, no segundo mandato do Lula, e o clima de antipetismo já estava instaurado, apesar dos índices de aprovação do presidente. O Mensalão havia minado parte da credibilidade moral do governo. 

2008, por exemplo, foi o auge do blog do Reinaldo Azevedo e o ano em que foi publicado o "País dos Petralhas". Nesse caldo político, Olavo fazia a associação entre crise da cultura e degradação política, associando o estado geral de ignorância ao projeto de poder da esquerda. 

Mas noto que, ainda que a parte política fosse um estímulo adicional, Olavo arregimentava seguidores principalmente a partir de um jogo de vaidades juvenis: jovens, de inteligência moderada e algum interesse intelectual, eram atraídos para um vórtice de ideias e autores. 

Ideias e autores que, como já disse, nunca tínhamos ouvido falar. O impacto, pelo menos em mim, foi tremendo: "seu professor nunca lhe falou deste filósofo? O maior do século XX?". 

E Olavo era, sobretudo, um grande escritor (coisa que até os críticos admitem). E aqui, também, havia um texto clássico: Aprendendo a escrever. Se vocês lerem os dois em conjunto, verão mais ou menos o mesmo modus operandi: name dropping, críticas a professores e intelectuais etc 

No fundo, muitos de nós queríamos conhecer aqueles autores, escrever tão bem quanto o Olavo, e principalmente, ter a autoconfiança e o estudo necessários para fazer o que Olavo falava que qualquer aluno seu faria com 3 anos de estudos (depois aumentou para 5, depois para 10): 

"Acabar com qualquer professor da USP num debate". Notem que isso não faz nem sentido (o que significa acabar com alguém num debate?), mas era o suficiente para mexer com o orgulho e a petulância de jovens. 

Esse sentimento era potencializado pela comunidade no Orkut do Olavo. Ali se reuniam "alunos e admiradores" do "Professor Olavo" ao redor do Brasil. Gente com interesses comuns e que, de algum modo, reforçavam nos outros o mesmo sentimento de querer se tornar um estudante sério. 

Olavo percebeu as demandas dessa comunidade e lançou o Curso de Filosofia. Lembro bem - e já tuitei sobre isso - que aquele parecia um momento histórico. No ano (acho que em 2009), alunos mais engajados trocavam materiais de aula, apostilas velhas, áudios de cursos antigos. 

Tudo isso reforçava ainda mais a lenda e o mito de que Olavo era um gigante do pensamento, escondido e que agora teríamos acesso a uma vastidão de conhecimento. 

Mas observem (e aqui está o pulo do gato): o público era formado, majoritariamente, por pessoas com baixa formação (jovens ou adultos que não tinham formação acadêmica). Mas como eu, e essa gente, podia avaliar a qualidade do Olavo, dos autores que ele citava, de suas ideias? 

A resposta: não podia. O que fez a fama do Olavo nunca foi o valor de suas ideias, mas antes a combinação de barafunda de autores desconhecidos, o sentimento de comunidade, o clima de seita e a ideia de que estávamos resistindo a alguma ameaça (política, cultural, intelectual). 

E esse era um traço marcante do Olavo: a discussão quase sempre se dava num plano meta-intelectual. Olavo falava da crise da cultura, dos problemas da inteligência brasileira etc. mas raramente discutia as próprias ideias ou as ideias de alguém. 

No curso, por exemplo, poucas aulas eram dedicadas a analisar um argumento filosófico, e a esmagadora maioria era destinada a "desmascarar" erros dos outros. Façam o teste: perguntem aos seguidores quantas ideias originais (e mesmo sem ser originais) do Olavo ele consegue listar 

Os que conhecem um pouco mais a obra do Olavo vão mencionar coisas como teoria dos quatro discursos (um livro academicamente fraco); a ideia de "conhecimento por presença" (totalmente desarticulada e desconexa) + 

O intuicionismo radical (que ele nunca desenvolveu e na prática era utilizada para justificar suas ideias retiradas de lugar nenhum), a teoria do império do Jardim das Aflições (historicamente impreciso), o seu conceito de verdade (que nenhum autor de epistemologia aceitaria) 

Mas havia, é claro, uma justificativa para não discutir ideias: é porque, filosoficamente, o que interessava eram as "experiências dos filósofos" e não suas ideias. O que isso significava na prática? Que o trabalho de lê-los e interpretá-los não era relevante. 

Um dos exercícios que o Olavo sugeria - a leitura lenta (uma frase por dia) de um autor (ele sugeria Louis Lavelle) - dava um exemplo: você lia uma frase e ficava refletindo (hummm, que experiência será que ele teve antes de escrever isso?). 

Não tinha isso de ler o livro todo, de situá-lo no contexto dos debates da época, na história de investigações da disciplina (Olavo falava de status quaestionis, mas ficava por isso). O negócio era ter a "experiência" (isso está presente nas críticas do Olavo ao Descartes). 

No fundo, sob o ponto de vista metodológico, Olavo fornecia as ferramentas para que alguém pouco letrado em filosofia falasse as maiores asneiras do mundo com a confiança de um especialista. Essa arrogância intelectual foi a grande marca que ele deixou nos seus alunos. 

E é por isso que tanta gente fala que teve a vida transformada pelo Olavo: pouca gente relata que aprendeu algo, mas muitas que "se transformaram em algo". E no que se transformaram? 

O legado é a autoconfiança injetada em jovens e adultos de baixa formação e leitura, mas que se sentiam metodologicamente validados em sua própria ignorância. A filosofia do Olavo dava ferramentas para ignorantes se acharem inteligentes e julgarem os demais burros e estúpidos. 

Essa autoconfiança, essa violência - que no início era apenas intelectual - encontrou terreno fértil no bolsonarismo. E é aqui que os caminhos se cruzam: as ferramentas que o "ignorante intelectual" recebeu eram também ferramentas de radicalismo político. 

Olavo dizia que estava formando uma "nova geração de intelectuais" mas, no fundo, estava formando uma nova geração de militantes. Isso se percebia pelos cacoetes introjetados nos alunos, pela constante emulação que muitos faziam até dos jeitos do Olavo. 

O que essa geração "formada" pelo Olavo buscava não era estudo e conhecimento, mas sim validação e, de certa forma, poder: poder para se afirmar em relação a amigos e professores e, no limite, poder para se afirmar em relação aos esquerdistas. 

Esquerdistas que, note-se, eram inimigos não só pelas ideias, mas porque ocuparam o lugar na cultura que deveria ser do Olavo. Por que razão deveria ser dele? Perguntem hoje para os alunos que escrevem seus elogios. A resposta será: "porque o Olavo falou". 

Saí disso, para nunca mais voltar, há dez anos. Quando vejo hoje jovens relatando a profunda transformação operada pelo Olavo lembro dos meus tempos e nutro a esperança de que, assim como eu, eles também possam perceber o que percebi: que não havia nada ali. 


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