Entre o mármore, cortinas e carpetes, a Câmara dos Deputados do Brasil é palco de mais uma indecência teatral: a PEC da Blindagem, popularmente conhecida como PEC da Bandidagem.
Indigna como farsa, previsível como tragédia. Por 353 votos favoráveis a 134 contrários os deputados aprovaram uma proposta de emenda à Constituição, não para defender e promover a Nação, o Estado ou o Povo, mas para o oposto disso. Uma emenda que ressuscita de porões e gavetas antigas da impunidade, retocada e afinada, pronta para assegurar aos parlamentares e presidentes de partidos políticos a imunidade para o cometimento de crimes.
Dizem que é para resguardar prerrogativas parlamentares. Mentira!
Crimes é o que pretendem acobertar. A partir dessa PEC, deputados, senadores e presidentes de partidos políticos só poderão ser processados criminalmente após autorização prévia do Congresso. Sem a autorização deles mesmos, tranca-se o processo até a prescrição, garantida via sucessivas reeleições. E pior, esse trancamento da ação penal será decidido em votação secreta, sem que os pares mostrem a cara aos eleitores.
Fosse para a defesa justa da prerrogativa parlamentar, como o direito à palavra, atuação ou defesa de ideias, poderiam votar de peito aberto. Mas como faltam ideias e atuações honradas, escolhem a penumbra. Exatamente porque conhecem as indecências que precisam esconder do eleitorado. Emendas secretas, desvio de verbas, chantagem, venda de voto, abuso de poder político e econômico e toda sorte de crimes, até matar. Se há alguns anos estivesse em vigor essa PEC, aquela pastora que assassinou o marido também pastor, não teria sofrido processo, nem a prisão.
A indecência é tanta que criaram Foro Privilegiado Ampliado para os presidentes dos Partidos Políticos, mesmo que sem mandato parlamentar. Uma sugestão seria designar essa cláusula por “Valdemar”, aquele do Mensalão, que agora preside o partido do Bolsonaro. Também impedem prisão em flagrante, que dependerá igualmente de aprovação prévia dos pares em autodefesa. Ë impunidade até para quem dirige embriagado, e que, por conta do alcoolismo no volante pode atropelar e matar cidadãos. A PEC igualmente limita a atuação judicial em processos e fiscalizações, como no caso de desvios de verba pública.
Entre os 353 votos favoráveis à PEC da Bandidagem há um claro padrão: a extrema direita bolsonarista votou em peso, como no PL e Republicanos (o partido do governador de São Paulo) com 100% dos votos favoráveis. Também no chamado Centrão, com União Brasil e Progressistas, com a amplíssima maioria dos votos favoráveis, assim como no MDB (que já foi um partido respeitável), PSD (25 votos favoráveis e 17 contrários), PSDB (6 a 6, para fazer jus à alcunha de partido do muro do outrora grande partido). Até no campo à esquerda houve defecções (12 no PT, 8 no PSB, 6 no PDT, 2 no PV). Apenas o PSOL, REDE e PCdoB votaram unanimemente contrários à PEC. Importante esse registro para lembrança na hora do voto em 2026.
A indecência dessa PEC é tão grande que à despeito da indignação nacional eles não recuam; ao contrário, até refizeram votação perdida na cláusula do voto secreto, que obteve votos insuficientes na madrugada e em manobra ilegal foi reintroduzido na hora do almoço para ser aprovado em pequena margem. É uma tentativa de impunidade institucionalizada que vai escancarar as portas do Congresso Nacional para o crime organizado. Afinal, a partir de agora, com um mandato ou um partido na mão, os Chefões do Crime irão conquistar liberdade absoluta.
Povo brasileiro, perceba o absurdo!
Mafiosos, milicianos, facções violentas, corruptos de todo tipo, estarão a salvo quando conseguirem assento do parlamento, aprovando leis conforme seus interesses, desviando verbas, lavando dinheiro do narcotráfico e outros crimes, protegendo operadores. Se não impedirmos essa PEC, a partir de 2026 o Brasil viverá sob um NarcoParlamento. Daí, melhor entregar a chave para o bandido, porque o país não terá mais defesa.
A PEC da Blindagem não é apenas uma peça legal, ela é espelho. Espelho distorcido de um país que vê a si mesmo em meio a tantos absurdos, sob uma história de privilégios, desmandos e injustiças, que agora se agravarão a prevalecer a PEC da Bandidagem.
Vamos impedir essa indecência!
Ao menos banindo da vida pública todos aqueles que votaram por ela. No caso dos partidos políticos que votaram em peso ou unanimemente, como o partido do Bolsonaro, negar o voto a quem quer que se candidate por essas legendas infames.
O momento é agora. Não é blindagem apenas, é BANDIDAGEM!
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Nota do editor:
A Câmara dos Deputados fazendo retomar com força o que foi descrito pelo poeta Gregório de Matos acerca da Bahia seiscentista
- Triste Bahia
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Gregório de Mattos
Do livro "História concisa da Literatura Brasileira", de Alfredo Bosi, Editora Cultrix, 1994, SP.
Para compreender o poema dentro do contexto em que foi escrito.. aqui
Caetano Veloso no contexto da ditadura musicou uma parte do poema entremeado com outras citações. aqui
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2 comentários:
Misericórdia ! Essa notícia tem que passar em rede nacional para que toda a população esteja ciente do perigo que estamos preste a passar
É grave! Muito grave! Mas precisamos melhorar as nossas escolhas e quem aprendeu a escolher melhor pode se engajar mais nas campanhas eleitoras, porque os piores candidatos estão bem organizados e mobilizados. Leia a reportagem do Intercept aqui na blog sobre a estratégia politica da Igreja Universal, o voto de cabresto do século XXI.
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