sábado, 18 de maio de 2013

A importante contribuição da formação acadêmica para o mal estar na educação pública.

Compartilho com vocês a conversa ou papo reto que tive com um colega de profissão há dias atrás e com trajetória semelhante a minha. "Uma das questões que compreendo depois de exercer a função de professor em escolas públicas, é o significado do conceito “educação eurocêntrica”. 

Para mim, disse ele, era jargão de militante recalcado do movimento negro , porém, o que percebo é que nas universidades em geral, aprendi muito mais a pensar a partir dos cânones do pensamento o europeu ou norte americano, do que a partir  do latino americano ou brasileiro. Conclusão, passei bastante dificuldade para descer e ficar com os pés no chão da escola.  O que me livrou de adoecer como muito de meus colegas, foi a militância em movimentos sociais, grupos culturais  e ongs inspirados na teologia da libertação.

Hoje sei que em muitos cursos de licenciatura os alunos continuam quase sem lê e discutir Paulo Freire, Aniso Teixeira, Darcy Ribeiro, Manoel Bonfim e tantos outros. Para mim, aí está uma das razões das dificuldades e conflitos que se dão entre professores e alunos. A universidade forma profissionais para ficar perto dos olhos, mas longe do coração da realidade e das culturas de nossa gente.

Concordei com ele e acrescentei, a questão da crise na área da saúde que se depara com este problema, conforme relatos de especialistas em saúde pública e que podem ser encontrados na internet. A formação acadêmica prepara profissionais da saúde voltados quase exclusivamente para exercer a função profissional em locais que contenham equipamentos tecnológicos sofisticados e com doenças ligadas a contemporaneidade. 

Para concluir de forma humorada, disse: São médicos que podemos exportar, uma boa parte para a Europa e Estados Unidos, deixando espaço para a importação dos médicos cubanos. Embora, disse ele, o mais sensato é considerar que o Brasil tem os seus territórios onde cabem estes médicos tipo exportação, como também os médicos cubanos. Afinal, não somos uma Belindia?. (uma mistura de Bélgica e India). 
Zezito de Oliveira - Educador e Produtor Cultural

Comentários:

Jeffs Antonio (via facebook)  Exato, passei a filosofia lendo tratados místicos da escola francesa e pensadores excêntricos da escola alemã, cheguei assim a teologia tentando ressuscitar e convencer-me com Tomás de Aquino. Vesti-me de Arauto e  criei uma bolha hahaha que estourou quando no segundo ano de sacerdócio fui trabalhar em uma periferia em que duas congregações de votos religiosos e outra de estrita observância não quiserem ir! Foi quando me vi oprimido que Paulo Freire e Henrique Dussel fizeram sentido... Então passei a ler todos os que me ensinaram a odiar sem nunca ter lido (Arturo Paoli, J. Luis Segundo, Frei Leonardo Boff etc.).

Antônio da Cruz (Via facebook) Durante todos estes séculos o Brasil deu as costas para a América Latina, porque, em geral, os brasileiros se achavam "europeus ligeiramente modificados". E os europeus, por sua vez, nunca deixaram de nos ver como indesejáveis, exceto quando atendemos os seus interesses mais imediatos. Esta ojeriza dos médicos brasileiros aos cubanos, me parece, não ser somente por defesa do mercado de trabalho, mas também por subestimar a capacidade dos profissionais formados em universidades que os prepararam para cuidar de gente com a medicina mais humanizada possível. Isto contraria o mercado mais agressivo dos laboratórios multinacionais.



Mario Resende (Via facebook, acrescentado em 10 de julho de 2013)
PRECISAMOS REPENSAR A FORMAÇÃO DA MEDICINA NO BRASIL...

Fato real: o sujeito entrou na Universidade via cotas, aluno de escola pública, negro, morador da periferia. Sem a política de cotas nunca seria estudante de medicina. Entrou na "rabada" dos cotistas. Pois bem, após 3 anos de estudos, se olha no espelho e acredita ser Brad Pitt, tem raiva de sua condição, de sua casa simples e de sua rua pobre. O dito acaba de postar no face que a medida do Governo obrigando os formandos em Medicina (que adentrarem nas Universidades, após 2015) a cumprirem 2 anos de trabalho no SUS, é uma "escravidão". "Vão nos jogar nos piores buracos", reclama. Pior, grita que o pagamento de 10 mil reais ofertado aos médicos por uma jornada de 40h, "é uma esmola". Vejam bem: é cotista, da periferia, anda de ônibus, pobre, mas bastou cursar meros 3 anos na Universidade para incorporar todo o discurso preconceituoso, elitista e descomprometido para com a própria classe. Tem algo errado nessa situação. Ou a Universidade é reformada, ou fará o trabalho da desconstrução da expansão que incorporou milhares de jovens brasileiros. Não é indigno perguntar: formamos gente para atuar contra o nosso povo? A quem serve um ensino desses?
---------------------------------------------------------------------------------

Zezito de Oliveira (Via facebook) Deixo a dica para quem quiser pesquisar o tema. Sem esquecer de que é necessário disponibilizar resultados por meios como este. As secretarias da educação e o MEC poderiam amenizar os efeitos citados acima com programas interdisciplinares(*) de pós graduação voltados aos profissionais que atuam na educação básica, abordando questões relacionadas as necessidades ou dificuldades, bem como valorizando o conhecimento acumulado por estes profisisonais. Penso que o programa Mais Cultura nas Escolas com caracteristicas mais expandidas e alcançando a pesquisa e reflexão sobre cultura e educação pode contribuir, assim como a formação na área da pós-graduação sobre a aplicação  da Lei Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008 "Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, entre diversas outras possibilidades.
 (*) detalhe: Essa sugestão fui publicada antes de ir ao ar (18/05/2013) o programa Globo Universidade (depois da matéria abaixo).
 -------------------------------------------------------------------------

Só descolonização da subjetividade trará mudança à América Latina, diz Walter Mignolo

Para o pesquisador argentino, a criação de Estados nacionais após os movimentos de independência apenas abalou a ordem mundial moderna/colonial, mas só a descolonização do ser e do saber levará a uma mudança.

Fonte:  Deutsche Welle  AQUI
Como o senhor avalia o surgimento de uma nova esquerda pós-Guerra Fria no continente? Trata-se de uma ruptura ou é possível observá-la como um desenvolvimento político contínuo desde as independências?
  Depois do fim da Guerra Fria, e talvez até o ano 2000, a esquerda boliviana foi, sem dúvida, a que mais contribuiu para a reorientação da esquerda moderno-colonial (que os europeus chamam apenas de esquerda moderna) e que se abriu para a compreensão histórica e as demandas indígenas propostas pelos escritos de José Carlos Mariátegui no Peru. Ela é, ao mesmo tempo, continuidade e câmbio com a esquerda nacionalista.
  No entanto, a diferença colonial com projetos indígenas e afros persiste. A esquerda é um projeto "branco", para quem o fenômeno de classe é fundamental, enquanto que projetos indígenas e afros partem da raça como categoria fundamental. 
  Além disso, existe a questão do patriarcado, mais fácil de relacionar com a questão racial do que com a esquerda que mantém o fenômeno das classes como fundamento. Creio que, no futuro, os movimentos feministas, junto com projetos indígenas e afros, ganharão terreno sobre a primazia do marxismo e a Teologia da Libertação, as duas opções dissidentes que indígenas, afros e mulheres possuíam antes de iniciar seus próprios projetos.
  Pode-se dizer que a estrutura colonial mantida desde a vigência do Colonialismo provoca a violação dos direitos humanos, a concentração de renda e a marginalização política de grupos inteiros da sociedade. Será possível superar essa ordem política e social sem uma nova revolução material?
  Não se muda o mundo, mas sim as pessoas que fazem, controlam e desfazem o mundo. Uma "revolução" material sem a descolonização do conhecimento e da subjetividade só leva a mudanças de conteúdo, mas não dos termos na organização do mundo. Para isso, falta uma perspectiva que não seja nem o capitalismo nem o marxismo, mas descolonial. Ou seja, que as instituições (governo, economia, educação, saúde, alimentação) sejam postas a serviço da vida e não a vida a serviço das instituições. 
  Hoje a instituição que se procura salvar é o capitalismo. Nos dizem numa mesma notícia, com frequência, que a economia cresce, mas o desemprego também. A conexão que os jornais não fazem é que o que importa é a instituição, não a vida. 
  O projeto descolonial do qual faço parte inverte este processo: só a descolonização do ser e do saber levará a um câmbio(mudança) do horizonte econômico e político. Precisamos concretizar o "sonho descolonial", segundo o qual as instituições estão a serviço da vida, em vez de por as pessoas a serviço das instituições. Esta fórmula é a base da retórica moderna e da lógica do colonialismo (duas caras da mesma moeda), da qual precisamos nos desprender a fim de permitir mudanças radicais.
  Revoluções materiais guiadas pela esquerda não nos levam muito longe, pois mantêm os termos do discurso, mudando apenas os conteúdos, com resultados desastrosos até então.

Walter Mignolo Walter Mignolo

Deutsche Welle: Os movimentos de independência na América Latina completam 200 anos. Mas até que ponto é historicamente correto falar em independência? Seria possível unificar os movimentos de independência na América Latina em uma única corrente ou foram eles causados por fenômenos históricos distintos?
Walter Mignolo: Seria equivocado limitar a análise dos "movimentos de independência" apenas à América Latina. Pois a "América Latina" não existia no momento em que ocorreu a assim chamada independência. O que houve foi o desmembramento dos vice-reinados espanhóis nas Índias Ocidentais sob o ponto de vista dos espanhóis e da população crioula que buscava a independência da Espanha.
Acho que é hora de deixar para trás o imaginário nacional e ver o que aconteceu como o primeiro abalo da ordem mundial moderna/colonial, quando anglo-crioulos formaram os Estados Unidos na América do Norte, afro-crioulos fundaram a República do Haiti e crioulos hispânicos fundaram diversas repúblicas de Argentina e Chile a Estados Unidos do México.
Como você avalia o caso do Brasil, único dos países latino-americanos a permanecer uma monarquia após a independência?
O Brasil não é necessariamente uma anomalia, mas uma consequência de conflitos imperiais, de diferenças internas entre impérios europeus. No final do século 18, Inglaterra, Alemanha e França assumiram a liderança global, enquanto Portugal e Espanha perderam poder. Portugal transferiu a administração monárquica para o Brasil a fim de escapar dos avanços da França imperial no sul da Europa, antes de colonizar a norte da África.
O Brasil é uma anomalia apenas se os Estados Unidos da América do Norte, o Haiti e as formações republicanas da América espanhola forem tomadas como modelo. Mas não se observarmos a totalidade da formação atlântica desde o século 16, incluindo tanto a formação das colônias quanto os conflitos entre as nações imperiais – Espanha, Portugal, Inglaterra e França.
Alemanha e Itália não são países atlânticos e sua expansão colonial é mínima em relação a eles. Curiosamente, Alemanha e Itália – países sem forte dominação colonial – e Espanha – país imperial que perdeu seu último domínio em 1898 – foram os três países que engendraram Hitler, Mussolini e Franco.
Historicamente, é correto dizer que os movimentos de independência na América Latina foram consequência da Revolução Francesa, da Revolução Gloriosa e da independência dos Estados Unidos?
Pode ser. Mas não acho isso relevante, a menos que ainda estejamos presos na análise moderna, que procura quem influenciou quem, em vez de observar as turbulências do sistema mundial moderno/colonial. Tais revoluções devem ser vistas como parte de um abalo que alterou a formação do mundo atlântico.
A Revolução Inglesa de 1647-1649 e a Revolução Gloriosa nem poderiam ter acontecido sem os alcances extraordinários que a Inglaterra obteve do tráfico negreiro e das plantações no Caribe. Daí se deu a formação de uma burguesia comercial e financeira em Londres, Liverpool e Manchester.
Agora, é preciso fazer uma distinção fundamental entre as revoluções modernas na Europa e as revoluções modernas/coloniais nas colônias. Antes de uma questão de influência, precisamos entender o campo sistêmico de forças. A diferença básica é que a revolução britânica e a francesa colocaram a burguesia no poder em substituição à monarquia.
Nas Américas, as revoluções não engendraram uma burguesia, mas uma elite colonial que assumiu o controle da economia, da autoridade, do conhecimento, do sexo e da sexualidade, dando continuidade à política imperial com relação aos afro-descendentes e à população indígena.
Enquanto, na Europa, a burguesia subiu ao poder, nas colônias, a elite colonial era basicamente uma elite de proprietários de terras e minas dependente dos efeitos crescentes da Revolução Industrial. Trata-se de uma elite ao serviço da burguesia européia, que fornecia recursos naturais para a Revolução Industrial.
O que definiu o desenvolvimento completamente diferente tomado pelos Estados Unidos após sua independência do destino dos países latino-americanos?
Os EUA, ao contrário dos vice-reinados hispano-americanos e da monarquia brasileira que ocupa quase todo o século 19, eram colônias da Inglaterra, país que estava assumindo a liderança imperial. Nas colônias inglesas que comporão os EUA, surgiu não só uma forte elite comercial mas também política, o que não foi o caso nas colônias inglesas no Caribe insular, por exemplo.
Os EUA se formaram sobre a base da elite política dos dissidentes crioulos, preconizados pelos founding fathers. Em contrapartida, as demais colônias inglesas eram controladas por plantation owners com interesses estritamente econômicos, e não políticos.
Já as independências nas colônias ibéricas (mais cedo na América hispânica continental e mais tardias no Brasil e na América hispânica caribenha, como em Cuba, Porto Rico e República Dominicana) são independências de países imperiais que, ao final do século 18, haviam perdido a segunda era moderna.
Como se vê, não se trata de influências de causas e efeitos, mas da complexidade dos vínculos histórico-estruturais na formação do sistema-mundo moderno-colonial em seus primeiros 300 anos de existência. Lembre-se que, enquanto isso ocorria na Europa e na América, a Holanda e a Inglaterra começavam já suas incursões na Índia e logo a França o faria no Sudeste Asiático e na África.
Além disso, nas colônias inglesas no chamado Novo Mundo, conquistadores chegaram ao sul e ao Caribe, e peregrinos ao norte. Estes últimos não buscavam conquistas, mas liberdade, eram dissidentes da monarquia inglesa que, até a metade do século 17, não se diferenciava muito da castelhana.
Os peregrinos trouxeram consigo a energia política que os levara a deixar a Inglaterra e os fará construir politicamente o Novo Mundo. Dessa linha provém a formação dos EUA. Na América Ibérica, nada disso aconteceu. Nenhum contingente da coroa castelhana emigrou da península e se refugiou na América.
Até que ponto a América Latina é realmente "latina"? O nome "América Latina" está condenado a desaparecer?

The Idea of Latin America, obra de Walter Mignolo 'The Idea of Latin America', de Walter Mignolo
Se observar bem, cada vez menos se usa América Latina, dando preferência a América do Sul. Como expliquei em meu livro La idea de América Latina, a latinidade diz respeito apenas à população "branca" de ascendência europeia. Não vejo por que a população de ascendência africana teria que aceitar sua latinidade, em vez de sua africanidade. Da mesma forma, poderíamos falar em América Africana em vez de Latina. E de América Indígena, em vez de Africana ou Latina.
A latinidade foi um projeto imperial francês, quando o país, a partir do século 19, tentou recuperar a liderança dos países latinos do sul da Europa (Itália, Portugal, Espanha), a fim de enfrentar a liga anglo-saxônica da Inglaterra e da Alemanha. Esta divisão da Europa entre a Europa do Norte e do Sul, a anglo-saxônica e a latina, a protestante e a católica, se reproduz nas Américas: a América de Jefferson e a de Bolívar.
Pois esta história está chegando ao fim, o termo América Latina "incomoda" muita gente. Não só aqueles cujas memórias não são greco-romanas, e sim africanas ou indígenas, mas também os de ascendência europeia que consideram um atropelo impor a "latinidade" como um marco subcontinental. Tudo está mudando hoje, principalmente no Caribe insular (francês, inglês, holandês e espanhol) e continental. Aí a latinidade se reduz a um mínimo sustentável.
Além disso, é preciso perguntar quão "anglos" são os EUA, com 45 milhões de "latinos". Enquanto, na América do Sul e no Caribe, a latinidade se confunde com um termo hegemônico, nos EUA ela se converte em um desafio para a hegemonia da "anglicidade".
E por que os Estados Unidos reivindicam para si o nome América?
Durante o século 16 e todo o 17, a demografia das Américas era composta de habitantes nativos, europeus principalmente ibéricos e africanos escravizados. Durante quase todo o século 16, não se encontrava um inglês nem por casualidade. Walter Raleigh fundou uma colônia em Ronaoke em 1584, onde hoje é a Carolina do Norte. Os peregrinos chegaram à costa do que seria a Nova Inglaterra no começo do século 17.
Eles escaparam do absolutismo da coroa inglesa e, se não eram revolucionários, atuavam em dissensão. Isso não houve nem na Espanha nem em Portugal. Na Inglaterra, a situação política no século 17 foi acompanhada pelo crescimento econômico das plantações, principalmente no Caribe. Foi aí que a linha da teoria política de Maquiavel a Locke se afirmou na propriedade privada como critério fundamental do indivíduo soberano.
É isso que legitima Locke com relação à Revolução Gloriosa: seu tratado de governo reafirma os direitos da nascente burguesia, da soberania individual em relação à propriedade privada. Nada disso existiu na Península Ibérica, nem nas colônias luso-hispânicas.
Quem explicou o que quero dizer com clareza e erudição foi o venezuelano Enzo del Bufalo, num livro intitulado Americanismos y democracia (2002). Sua tese é de que o sujeito moderno, que já anunciava Cervantes na literatura e Descartes na filosofia, se concretizou politicamente na revolução colonial que gerou os Estados Unidos. Del Bufalo acerta ao distinguir entre americanismo e EUA. O americanismo é um projeto político que levou à formação do sujeito moderno e soberano, fundamentado na propriedade privada e que surge precisamente na América.
Esse projeto culminou com a formação do primeiro Estado moderno, os Estados Unidos da América do Norte (antes mesmo da Revolução Francesa). A historiografia europeia contou a história relegando a revolução americana a segundo plano. O sonho americano não são os Estados Unidos, mas o americanismo que os precede e funda. E esse mesmo Estado pode trair o sonho americano, como aconteceu no governo do segundo Bush. Uma das tarefas de Obama é precisamente restaurar esse americanismo.
Como disse Del Bufalo: "Os Estados Unidos da América são como a prática da América, que não é exatamente igual à América como projeto. Por sua vez, a América como utopia pode ser assumida por outros Estados sem nunca realmente se converter em uma prática, como ocorreu com os Estados latino-americanos".
O fim da Guerra Fria altera o significado e a predominância ideológica e econômica dos Estados Unidos na América Latina (e no mundo)?
Sim, muda muitas coisas, que eu resumiria em dois aspectos. Em primeiro lugar, a euforia e o senso de vitória da Europa Ocidental e dos EUA criaram as condições para os dois pilares da administração Bush: a invasão do Iraque e o colapso de Wall Street. Ou seja, o colapso do controle da autoridade e da economia pelos EUA.
Em consequência disso e do crescimento principalmente da China, mas também de outros países produtores de petróleo (Irã, Venezuela, Rússia), entramos em uma ordem policêntrica interconectada por um tipo de economia, a capitalista.
Quatro trajetórias dominarão o futuro global:
A primeira delas é o fim do ciclo de 500 anos de hegemonia e dominação ocidental, com a qual a administração Bush conseguiu acabar. A segunda é a deswesternização, que está sendo articulada no Leste e no Sudeste Asiático e consiste em aceitar a economia capitalista, mas disputar o controle da autoridade, do conhecimento, dos direitos humanos, das relações internacionais etc.
A terceira é a reorientação da esquerda, que tem várias caras: a esquerda europeia clássica, a esquerda europeia dos países do Sul, ligada ao Fórum Social Mundial, e a esquerda colonial, como é o caso da Bolívia, por exemplo.
E, por último, vem o descolonialismo, que começou durante a Guerra Fria com os movimentos de libertação nas colônias inglesas e francesas na África e na Ásia, mas que tem hoje outra cara, tanto epistêmica quanto política, na América do Sul e no Caribe.
Evo Morales é a primeira concretização desta tendência, enquanto os zapatistas foram o primeiro movimento social a aplicar o descolonialismo. Por mais que não tenham usado o termo, seus dizeres e ações eram descoloniais. Estas quatro tendências serão analisadas mais detalhadamente no meu próximo livro, The darker side of Western Modernity.
Como o senhor avalia o surgimento de uma nova esquerda pós-Guerra Fria no continente? Trata-se de uma ruptura ou é possível observá-la como um desenvolvimento político contínuo desde as independências?
Depois do fim da Guerra Fria, e talvez até o ano 2000, a esquerda boliviana foi, sem dúvida, a que mais contribuiu para a reorientação da esquerda moderno-colonial (que os europeus chamam apenas de esquerda moderna) e que se abriu para a compreensão histórica e as demandas indígenas propostas pelos escritos de José Carlos Mariátegui no Peru. Ela é, ao mesmo tempo, continuidade e câmbio com a esquerda nacionalista.
No entanto, a diferença colonial com projetos indígenas e afros persiste. A esquerda é um projeto "branco", para quem o fenômeno de classe é fundamental, enquanto que projetos indígenas e afros partem da raça como categoria fundamental.
Além disso, existe a questão do patriarcado, mais fácil de relacionar com a questão racial do que com a esquerda que mantém o fenômeno das classes como fundamento. Creio que, no futuro, os movimentos feministas, junto com projetos indígenas e afros, ganharão terreno sobre a primazia do marxismo e a Teologia da Libertação, as duas opções dissidentes que indígenas, afros e mulheres possuíam antes de iniciar seus próprios projetos.

Entrevista: Rodrigo Abdelmalack
Revisão: Roselaine Wandscheer
-------------------------------------------------------------------------

UFBA oferece curso de bacharelado interdisciplinar  AQUI 

 Produção Cultural na Escola. AQUI 

 sábado, 10 de novembro de 2012


Universidade das Quebradas propõe o encontro de culturas da periferia

Curso desenvolvido pela UFRJ se tornou referência no meio artístico

Universidade das Quebradas (Foto: Divulgação)Aula do curso de Literatura na Grécia Antiga promovido na Universidade das Quebradas (Foto: Divulgação)
  Fonte: Site Globo Universidade

A fórmula não poderia ser melhor. De um lado a universidade, que entra com o saber “formalizado”, de outro os alunos, que trazem para a sala de aula suas sensibilidades e vivências do mundo artístico. Esse modelo vem acontecendo na Universidade das Quebradas, projeto de extensão criado em 2010 e vinculado ao Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo da iniciativa é o de promover a aproximação entre a universidade e agitadores culturais da periferia da cidade do Rio de Janeiro. São artistas e produtores oriundos dos mais diferentes "territórios" cariocas, com diferentes experiências e atuações culturais.
A ideia da Universidade das Quebradas nasceu a partir da tese de doutorado sobre rap, feita na UFRJ pela pesquisadora Numa Ciro, atualmente coordenadora adjunta do curso, com orientação de Heloísa Buarque de Holanda, que também atua no projeto. A proposta inicial da tese era a de reunir pessoas ligadas à cultura na periferia do Rio de Janeiro para trocarem informações. Com o projeto de extensão criado e o curso formatado, a primeira turma começou, em 2010, com 40 alunos, que são chamados de “quebradeiros”. Em 2011, esse número subiu para 50, sendo que a nova turma, que iniciou em agosto de 2012, está com 70 alunos, que foram selecionados entre 300 candidatos. Mesmo com o curso concluído, muitos ex-alunos retornam para assistir às aulas, reforçando o lema da universidade de “uma vez quebradeiro, sempre quebradeiro”.
“A Universidade das Quebradas é uma praça de trocas. Todos nós saímos daqui com novos conhecimentos a cada encontro. Temos quebradeiros de muitos bairros da cidade e arredores, desde Santa Cruz a São Gonçalo. Eles trabalham em projetos sociais, artísticos e educacionais em seus bairros, são multiplicadores”, explica Beá Meira, uma das desenvolvedoras do projeto. O curso, que tem duração de um ano (180 horas), é desenvolvido em cinco áreas da produção cultural, sendo elas: literatura, artes visuais, teatro, dança e música, e aborda a produção artística e cultural em momentos específicos, incluindo fases como o romantismo, modernismo e contemporaneidade.
As aulas acontecem uma vez por semana no Colégio Brasileiro de Altos Estudos, antiga Casa do Estudante, no Flamengo. Uma vez por mês, são realizados também os “territórios das quebradas”, encontros em que os quebradeiros mostram suas reflexões sobre o território onde vivem. Os alunos apresentam material próprio sobre os mais diversos temas. Já houve território em que os alunos falaram sobre vestuário feminino no funk, por exemplo, ou sobre grafite, no qual foram apresentados os termos mais comuns utilizados entre os grafiteiros e o que eles significam.
“O território das quebradas consiste em uma mesa na qual os quebradeiros, previamente inscritos, falam durante 20 minutos. Eles apresentam seus pontos de vista sobre diversos temas da cultura da periferia. Em seguida, rolam os debates. À tarde, o encontro é encerrado com a apresentação de um sarau dos palestrantes”, conta Beá Meira.
O curso aborda disciplinas como Filosofia, Cultura Africana, Arte e Arquitetura na Antiguidade, Epopeia Clássica, Mitos Gregos e Africanos, Mitologia Yoruba, Romantismo na Arte e na Literatura, Literatura Negra e de Cordel, entra outras. Já na segunda parte do curso, são ministradas aulas de cinema, música, dança, teatro e de elaboração de projeto culturais, além de oficinas de linguagem e expressão ministrada em parceria com a Fundação Roberto Marinho.

  Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil  Fonte - blog da boitempo AQUI



13.05.17_Antonio Candido_10 livros para conhecer o BrasilPor Antonio Candido.*

Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem sobretudo do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese.

Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.

Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora. 

São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.

Entre parênteses: desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E como introdução geral não vejo nenhum melhor do que O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.

Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”. 

Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução: História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.

Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da Abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.

Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.

Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler também Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material. 

Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) e O movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).

Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império (1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República (1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II. 

A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras. 

Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas. 

Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) é Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930). 

O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política. 

Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.

No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc. 

* Artigo publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate – em 30/09/2000

Antonio Candido é sociólogo, crítico literário e ensaísta.

Nenhum comentário: