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Por Wilson Ferreira, no Cinegnose
Enquanto a escola Paraíso do Tuiuti no Rio de Janeiro deixava Fátima
Bernardes e Alex Escobar constrangidos ao vivo, quebrando o silêncio com
cacos de falas desconexas enquanto alas de passistas mostravam Temer
como "o vampiro neoliberatista", "manifestoches" com patos amarelos da
Fiesp e operários bradando carteiras de trabalho, em Curitiba o Carnaval
era assombrado por uma Zombie Walk em plena cidade-sede da Lava Jato.
Ao mesmo tempo a esquerda pensa em "frentes suprapartidárias" para
ganhar tempo na eminente prisão de Lula e simplesmente se exime em
ocupar o campo semiótico da sociedade. E a grande mídia ganha a
guerrilha semiótica por W.O.. Com raras exceções como mostrou a Paraíso
do Tuiuti... mas não conte para a esquerda, sempre muito ocupada com o
jogo parlamentar no qual cada um tenta salvar a própria biografia com
narrativas de "luta" e "resistência". Será que alcançamos o "grau zero
da política" como anteviu o pensador Jean Baudrillard, a Matrix política
que simula escândalos e golpes para colocar em movimento signos vazios?
Teoria da Conspiração? E se descobrirmos que essa expressão foi criada
pela CIA em 1967 para tentar desacreditar todas as narrativas
não-oficiais?
Até aqui, depois de quatro anos de bombas semióticas detonadas pela
grande mídia (pelo menos desde 2013, quando então passaram a ser
orientadas pela logística de Guerra Híbrida do Departamento de Estado
dos EUA) que culminou com o impeachment e golpe político de 2016, todas
as iniciativas de contra-ataque no mesmo campo semiótico midiático
partiram ou de iniciativas isoladas, ou de ações espontâneas que visaram
o varejo mas acertaram no atacado.
... Enquanto a esquerda vive sua luta parlamentar de "resistência". E
que, agora, há poucos dias, deu mais um estoico passo: lançou uma
"frente suprapartidária contra as reformas de Temer e pelo direito de
Lula ser candidato" pelas mãos de dirigentes do PDT, PCdoB, PSOL e PSB.
Como sempre, passando ao largo da questão da guerrilha semiótica. E
acreditando no jogo parlamentar e no exército brancaleone de advogados
na luta hercúlea e solitária em busca de novos recursos para adiar a
prisão de Lula.
Sabem que a missão é ingrata... mas, afinal, também sabem que o mundo
está de olho neles. E todos parecem querer salvar suas próprias
biografias.
Guerrilhas anti-mídia espontâneas e nem tanto
Em 2009 o jornalista Ricardo Kauffman criou o personagem Ary Itnem
Whitaker, um suposto executivo de relações humanas que estaria no Brasil
representando uma confraria britânica que defendia a chamada "terapia
do abraço" para humanizar as metrópoles e as organizações.
A grande mídia mordeu a isca e o personagem concedeu entrevistas a
rádios, TVs e jornais, como fosse um fato noticioso. Sequer os
repórteres pensaram em checar a procedência da tal confraria. Revelada a
pegadinha, rendeu um documentário (
clique aqui) desmoralizando o jornalismo corporativo.
Em 2013 um estudante da USP simulou ser um candidato atrasado do
Enem, cujas fotos ocuparam primeiras páginas de jornais e portais de
Internet. Ele sabia que naquele momento a grande mídia fazia uma
campanha de desmoralização contra o Enem. E a recorrência das imagens de
candidatos atrasados nos locais dos exames chorando, desesperados
tentando escalar grades, acendeu a imaginação de uma "pegadinha"
estudantil: "foi apenas uma brincadeira com alunos de uma faculdade
rival. Pretendia divulgar o vídeo na Internet", disse o aluno da
faculdade de Ciências Contábeis.
A grande mídia teve que engolir a foto de uma "pegadinha" nas primeiras páginas de jornais e portais de notícias (
clique aqui).
E em 2016, um breve (mas, muito breve) momento de iluminação na
esquerda: sem mais paciência para aguentar os escândalos que o
historiador Marco Antônio Villa queria arrancar na leitura diária da
agenda do Prefeito Fernando Haddad nos últimos três anos, o prefeito de
São Paulo aprontou uma pegadinha: disponibilizou uma agenda trocada (na
verdade, do governador Geraldo Alckmin), cheia de espaços em branco.
"Está em branco! Em Branco! É a incapacidade de alguém pouco afeito ao
trabalho!", gritou no microfone da Rádio Jovem Pan. Enquanto,
certamente, o prefeito se rachava de rir.
Que tal a esquerda lutar no mesmo campo semiótico no qual a direita
nada de braçadas? A iniciativa de Haddad (mais por uma rivalidade
intelectual com Villa do que por um vislumbre estratégico) pouco
inspirou os dirigentes das esquerdas, mais preocupadas com o wishful
think da contagem de votos no Congresso que supostamente livrariam Dilma
Roussef do golpe final.
Guerrilha semiótica ao vivo no sambódromo
Fora do radar das esquerdas, no Carnaval que supostamente aliena as
massas, eis que a escola de samba Paraíso do Tuiuti passou pelo
sambódromo do Rio de Janeiro nesse domingo com críticas diretas ao atual
governo desinterino do "vampiro neoliberalista" como também àqueles que
ajudaram a tomar o poder exibido na ala "Manifestoches" da escola:
passistas de patos amarelos da Fiesp, paneleiros e jogadores da seleção
brasileira sob o comando de enormes mãos, como fossem fantoches – alusão
às chamadas "teorias conspiratórias" do 7X1 da Alemanha? – sobre isso
clique aqui. Ou aos manifestantes que ironicamente vestiram camisas amarelas da corrupta CBF para protestar contra a corrupção?
Transmissão ao vivo exclusiva da Globo, diante dos constrangidos
narradores e comentaristas Fátima Bernardes, Alex Escobar e Milton Cunha
– longos silêncios na locução e falas, até então fluentes e animadas,
de repente ficaram fragmentadas e desconexas: "o vampirão"... "tá com
faixa de presidente esse vampiro"... "É o regime de exploração nos mais
diversos níveis"... "Manipulados"... "os manifestoches", numa sequência
de cacos que faria inveja ao Caco Antibes do antigo "Sai de Baixo".
Passistas, com capacetes de operário, brandindo carteiras de trabalho
e uma ala inteira acusando a reforma trabalhista do "vampiro
neoliberalista" como mais uma modalidade de escravidão na história
brasileira. Enquanto o imenso carro alegórico apresentando o livro
aberto com a Lei Áurea mostrava que ela não foi o suficiente para
impedir a reprodução das relações de exploração.
As entrevistas posteriores com os membros da escola e as matérias nos
telejornais ou evitaram tocar em "vampiros" e "manifestoches" ou foram
inseridos na edição dos desfiles em imagens de poucos segundos.
O rendimento midiático de uma ação anti-mídia
Os carnavalescos da escola Paraíso do Tuiuti deram para as esquerdas
mais uma simples lição do que é lutar no mesmo campo das bombas
semióticas. Uma estratégia que não rende apenas o divertimento de ver
uma Fátima Bernardes em silêncio constrangido entremeado por cacofonia –
mas tanto a crítica da escola quanto o constrangimento global ao vivo
repercutirem ao longo de dias como tema de conversas interpessoais ou
postagens e pitacos nas redes sociais.
Lutar no mesmo campo semiótico das bombas simbólicas da grande mídia,
não significa apenas fazer "pegadinhas" ou "trolar" uma transmissão ao
vivo. Mas a importância do seu efeito de "agendamento" posterior: virar
pauta de discussões nas conversas interpessoais e nas diferentes mídias.
Aqueles mais velhos como esse humilde blogueiro (e agora, de volta,
também um humilde professor) deverão lembrar do carnaval de 1980,
posterior à Revolução Iraniana na qual o regime-fantoche dos EUA do Xá
Reza Pahlevi foi derrubado pelo líder islâmico aiatolá Khomeini.
Enquanto a grande imprensa brasileira descrevia a revolução como obra de
um fanático religioso homicida, no carnaval das ruas máscaras do aitolá
Khomeini tomavam conta e pessoas cantavam em plena ditadura militar:
"Aitolá-á-á, vem nos salvá-á-á!".
Os instrumentos teóricos e práticos de comunicação existem e estão
aí, à disposição para se tornarem instrumentos de uma guerrilha
semiótica no mesmo campo no qual a grande mídia é hegemônica não tanto
pela inteligência, mas por ganhar sempre por W.O. – a esquerda
simplesmente não quer ocupar esse campo da sociedade.
O Grau Zero da Política
E os anos de governos trabalhistas só tornaram ainda mais evidente
essa inapetência ou desinteresse pela comunicação, mesmo sob o
bombardeio sem trégua das bombas semióticas da mídia corporativa.
E ainda pior: sempre reticente em relação à implementação da Lei dos
Meios e a discussão dos monopólios midiáticos, enquanto o Secom
(Secretaria Especial de Comunicação Social do Poder Executivo Federal)
alimentava a grande mídia com grossas verbas publicitárias com sua
orientação "técnica" e "republicana". E nesse meio tempo, membros dos
governos petistas ainda sonhavam com um espaço em jornais e entrevistas
nas TVs.
Como, por exemplo, em 2013 a carta ao jornal Folha de São Paulo do
então ministro da Educação Aloízio Mercadante em defesa da memória de
Octávio Frias Filho diante das acusações da Comissão da Verdade de que o
falecido proprietário da Folha colaborou ativamente na repressão e
tortura na ditadura militar. Sempre reverentes à grande mídia. Talvez
porque os centímetros de colunas nos jornais ou os minutos em rede
nacional na TV sempre foram objetos de desejo da síndrome de patinho
feio das esquerdas.
Por que? Infelizmente tudo isso faz lembrar a hipótese niilista do
pensador francês Jean Baudrillard: o "Grau Zero da Política": (1) os
comunistas não mudarão nada se chegarem ao poder; (2) os comunistas não
querem chegar ao poder; (3) a tese mais niilista: não há perigo em
ganhar o poder porque o poder, de fato, não existe – leia BAUDRILLARD,
Jean. Partidos Comunistas: Paraíso Artificial da Política, Rocco, 1985 –
sobre o conceito
clique aqui.
E se todo o sistema político tornou-se autônomo e fechado em si mesmo
em relação à sociedade e a economia? Um sistema cujos signos
tornaram-se intransitivos, reversíveis, onde as distinções
(Direita/Esquerda, Oposição/Situação) não são dadas como representação
de algo externo, referencial, ao sistema (ideologias, História, Classes
sociais etc.), mas como simples distinções binárias em um sistema
fechado em si mesmo.
Baudrillard imaginava o sistema político como uma imensa e elaborada
simulação, movida a escândalos e golpes para colocar signos vazios em
movimento. Como zumbis ou mortos-vivos, paródias dos antigos conflitos
ideológicos que não mais existem.
Por isso, é sincrônico que o evento "Zombie Walk" ocupe a cidade de
Curitiba (sede da "República de Curitiba", da Lava Jato e do herói
nacional de segunda instância Sérgio Moro) no Carnaval: zumbis
desfilando no epicentro do principal escândalo que põe a simulação
política em movimento onde todos apenas tentam salvar suas próprias
biografias numa grande cortina de fumaça dissuasiva –
clique aqui.
Teoria conspiratória? Matrix na Política? Sabendo-se que a expressão
"teoria da conspiração" foi cunhada em 1967 em despacho da CIA com o
carimbo "Psyop" ("Operação Psicológica") como uma das práticas para
desacreditar narrativas não oficiais (sobre isso
clique aqui), esse humilde blogueiro acredita que é hora de levar mais à sério as teses provocativas de pensadores do naipe de Baudrillard.
E pensar em práticas políticas fora da Matrix, lá no deserto do real das guerrilhas semióticas.