O
frade dominicano e escritor Frei Betto, 73 anos, acredita que uma
possível prisão de Lula deve gerar algumas manifestações isoladas, mas o
povo não vai tomar as ruas do Brasil. A falta de iniciativa popular é
resultado das prioridades políticas dos governos petistas. “Nós estamos
desmobilizados. Por que? Porque nos 13 anos do PT no Poder investimos
mais em ofertar bens pessoais do que sociais. Fortalecemos a mentalidade
consumista e não a cidadã”.
Betto, que participou nesta quarta de um concorridíssimo debate sobre
democracia e educação popular no Fórum Social Mundial, em Salvador,
lamenta que os governos do PT tenham seguido um caminho distinto de Evo
Morales, na Bolívia. “Sem apoio do Congresso e dos empresários, Evo
empoderou os movimentos sociais e seus representantes ocuparam as vagas
no Poder Legislativo”. Aqui, segundo avalia, “nós delegamos o poder aos
inimigos da democracia”, numa referência às alianças políticas à direita
que deram sustentação às gestões petistas na Presidência da República.
Quem organizou suas bases para ocupar o Legislativo nas duas últimas
décadas foram as igrejas evangélicas, explica.
As críticas de Frei Betto são feitas a partir do campo da esquerda,
de quem vê em Lula o maior líder político da atualidade no Brasil e
reconhece que “as duas gestões de Lula e a de Dilma foram as melhores da
história republicana brasileira”. Mas faltou o trabalho de
conscientização política. “Perdemos a oportunidade de fazer a
alfabetização política da população. Nossa tarefa número 1 devia ter
sido, como continua a ser, organizar a base popular, o movimento
popular. Arte, cultura, esporte, movimento LGBT, movimento negro, de
mulheres”.
SEM REFORMAS ESTRUTURANTES
Frei Betto critica o fato de que nenhuma reforma estruturante (“nem a
tributária, nem a política, nem a agrária”) tenham saído do papel no
período dos governos do PT. “A impressão que eu tive é que os movimentos
sociais pensaram que o governo era uma grande vaca com grandes tetas”,
ilustrou. No Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, formado por
representantes do capital e da sociedade civil, os segmentos tinham
forças distintas. “No Conselhão, as palavras dos empresários valiam mais
do que a dos trabalhadores”.
Betto lamenta que os partidos de esquerda possuam hoje militância
paga e diz que só se forma militância espontânea com educação popular.
Ele sugere que os movimentos sociais se voltem para essa educação
popular e mergulhem nos ensinamentos deixados pelo educador pernambucano
Paulo Freire. “Existe metodologia para organizar o povo. Temos muitas
referências. Paulo Freire é, sem dúvida, a figura mais emblemática desse
processo”.
A NATURALIZAÇÃO DA OPRESSÃO
O trabalho sistemático de desinformação e naturalização das opressões
por parte das grandes empresas de comunicação brasileiras é fundamental
para manter a população anestesiada.
Frei Betto acredita que a crise da democracia é uma crise crônica
porque ela está diretamente associada ao modelo perverso de
funcionamento do capitalismo, que naturaliza a opressão. “O desempregado
que consegue um emprego terrível, ganhando muito mal, acha isso
natural, como também vê com naturalidade a fortuna de Neymar. Há no
Brasil a idiotização praticada pela mídia. A novela faz você rir, mas
aquilo não tem caráter mobilizador. Tá ali para idiotizar”.
Nas viagens que faz pelo mundo, o frade dominicano é frequentemente
perguntado sobre como um líder popular do tipo de Lula chegou ao poder
num país conservador como o Brasil. Responde sem titubear: Paulo Freire.
Lembra que as forças que levaram Lula à Presidência na eleição de 2002
começaram a se organizar nos anos 1960, primeiro por meio das
comunidades eclesiais de base, depois com o fortalecimento dos
movimentos populares de mães e contra a carestia, a mobilização dos
trabalhadores nos sindicatos, a CUT e a reorganização do movimento
estudantil.
FICA UMA PERGUNTA NO AR
Betto, que foi preso político entre os anos de 1969 e 1973, disse que
a organização popular nos anos 1960 surpreendeu os intelectuais
brasileiros. Da mesma forma que a fundação do Partido dos Trabalhadores
nos anos 1980. “Quando saí da cadeia, eu mesmo me questionava: como esse
povo se organizou, se nós estávamos presos?”.
Em tempos de golpes parlamentares e de relações nebulosas entre
setores dos poderes Judiciário e Executivo brasileiros e do Ministério
Público com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o escritor
alerta que a organização popular é uma arma contra o imperialismo
norte-americano e cita Cuba e Vietnã como dois exemplos concretos. “Os
fracassos norte-americanos em Cuba e no Vietnã fizeram eles aprenderem
que é muito fácil derrubar um governo, mas não se derruba um povo. A
organização popular fez a diferença nesses dois casos”. Fará no Brasil?
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