terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Guerras Culturais e a ilusão da Política sem Cultura

Outras Palavras  - por Ricardo Queiroz Pinheiro - Publicado em 24/01/2025 

Arte: Sarah Mazzetti

Muitos enxergam a guerra cultural – termo popularizado para descrever disputas ideológicas que se manifestam em valores, costumes e narrativas sociais -, como algo superficial, um truque, uma distração que desvia a atenção da sociedade das chamadas “questões reais” — econômicas e institucionais. Contudo, essa perspectiva chega com um vício subjacente: subestima o papel central da cultura na disputa pelo poder. A cultura nunca foi um detalhe: ela estrutura os valores de uma sociedade, delimita o que é aceitável e enquadra o que deve ser combatido. Em toda disputa política, a cultura é o ponto de partida e o terreno onde as percepções de realidade são definidas, elaboradas, reelaboradas e questionadas.

A guerra cultural não se resume a um embate de ideias; ela é um método projetado para desarticular o debate público. Seu objetivo não é persuadir pelo argumento, mas transformar discordâncias em ameaças existenciais. Nesse contexto, a identidade ocupa o lugar do pensamento crítico, e o ódio substitui a argumentação. Nada disso ocorre por acaso: trata-se de uma estratégia deliberada, que prospera na radicalização e na simplificação dos problemas, inviabilizando qualquer possibilidade de mediação.

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Conclusão

A guerra cultural não é um desvio da política real, mas uma de suas formas mais sofisticadas de disputa pelo poder. Ela opera no longo prazo, reconfigurando percepções, deslocando os termos do debate público e redefinindo o que é socialmente aceitável ou inaceitável. Enquanto a direita utilizou esse mecanismo para consolidar sua influência, a esquerda demorou a reconhecer a cultura como um território central na luta política.

O resultado é um cenário onde o debate público foi capturado por discursos que naturalizam desigualdades, reforçam hierarquias e deslegitimam o pensamento crítico. Nesse ambiente, toda oposição é transformada em inimiga e todo questionamento, em ameaça. O apelo moral, frequentemente mobilizado, não se apresenta apenas como uma justificativa conservadora, mas como um recurso eficaz para interditar debates, deslocar o foco de questões estruturais e fortalecer narrativas reacionárias. A guerra cultural não se limita ao enfrentamento direto de ideias políticas; ela transforma valores e comportamentos em campos de batalha permanentes, onde o que está em disputa não é apenas a argumentação, mas os próprios limites do que pode ser imaginado, dito e aceito na sociedade.

Se a guerra cultural consegue deslocar a política para onde lhe convém, enfrentá-la exige mais do que reações pontuais ou denúncias. É necessário ocupar o campo cultural de maneira propositiva e estrutural, disputando valores, símbolos e espaços de influência. Isso demanda pensar a longo prazo, evitando o imediatismo que apenas responde às condições impostas pela própria guerra cultural.

A força da guerra cultural não reside apenas no que ela impõe, mas no que ela torna invisível ou impensável. Ela não precisa censurar ideias diretamente — basta torná-las irrelevantes, ridículas ou impossíveis de serem levadas a sério. Seu impacto não se mede apenas pelo que é dito, mas também pelo que é silenciado. consolidado.

A política não acontece exclusivamente no parlamento ou nas urnas. Ela se constrói na cultura, nos afetos, nas memórias e na forma como as pessoas percebem o mundo ao seu redor. Como a hegemonia se  na cultura, qualquer resistência efetiva deve emergir a partir dela. O erro da esquerda foi tratar a cultura como algo secundário, permitindo que a direita ocupasse esse espaço estratégico.

Texto completo.  https://outraspalavras.net/direita-assanhada/guerras-culturais-e-a-ilusao-de-politica-sem-cultura/

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