Belissima homenagem ao amado Dominguinhos. - É forró no céu, comandado por Gonzagão
Fonte: Jornal “O Globo”
“Armaria, mãinha! Nãn! Quem é esse neném deitado em minha manjedourazinha?”
— É Dominguinhos, meu filho. O maior sanfoneiro do Universo. Fale
baixo, Joshua, que ele precisa descansar. Fez uma viagem longa, está
enfadado. Vá brincar com seus novos amigos, esse anjinhos que chegaram
ainda há pouco da Palestina e das favelas pacificadas do Rio de Janeiro
para a visita do Papa.
Nem bem falou Nossa Senhora, toda zelosa pelo sono do recém-chegado, e ouviu-se uma voz de trovão. Não era Deus.
— Acorda, seu Dominguinhos! Oxente! Amofinou-se, o homem? Acorda, seu
Dominguinhos, que eu, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Marinês e João do
Vale queremos fazer um fuá com vosmicê.
Não era Deus. Era Luiz
Gonzaga, quase Deus, já levantando o manto azul que Nossa Senhora havia
colocado delicadamente sobre o corpo e a alma calma do sanfoneiro de
Garanhuns, de Pernambuco, do Brasil, do Universo. E Nossa Senhora não
teve nem tempo nem jeito de segurar os forrozeiros comandados pelo Rei
do Baião, já tudo no pé da porta querendo dar as boas-vindas e tocar
música boa com ele. E foi assim que Dominguinhos ressuscitou logo no
primeiro dia. Pegou uma sanfona novinha trazida por Santa Luzia e está
tocando e cantando com seus parceiros. A semana no céu agora não tem
segunda, terça, quarta, quinta, sexta nem sábado. Todo dia é
Dominguinhos. Dominguinhos vive, viva Osvaldinho do Acordeon!
Dominguinhos vive, viva Camarão! Dominguinhos vive, viva Richard
Galliano! Viva todos os sanfoneiros do mundo!
O mais universal dos
acordeonistas vinha adoentado já há alguns anos, mas era só poder sair
do hospital e já caía na estrada, ele mesmo dirigindo a caminhonete,
revezando-se com um motorista. Gostava de dirigir, tinha medo de avião. E
conhecia bem as estradas do Brasil. Era alguém estar perdido nas
imensidões do Brasil e ligava pra ele. Bastava dizer onde estava e ele
ensinava o melhor caminho para chegar. Uma espécie de Google Maps da
música brasileira. Percorreu muito o nosso país. Primeiro com Luiz
Gonzaga. Depois com Anastácia, Gilberto Gil, Gal Costa, fazendo o seu
próprio trabalho solo.
Quando não estava na estrada, ou nos
hospitais dos últimos tempos, enfiava-se em estúdios, onde quer que
estivesse, para gravar, fazer participações em discos de iniciantes,
desconhecidos, parceiros, gentes de outros estilos. Gostava de se
misturar, de levar sua musicalidade única a todos os lugares, todos os
sons, todos os sentidos. Talvez por isso mesmo tenha contagiado
imensamente a música brasileira e influenciado praticamente todos os
sanfoneiros seus contemporâneos e os que vieram depois dele. Se bem que,
para ele, o tempo não parecia assim dividido em antes, durante e
depois. Era como se vivesse num contínuo. Tudo sendo durante, como
agora.
O acordeonista francês Richard Galliano chora de emoção no
filme “Paraíba meu amor”, do diretor franco-suíço Bernard
Robert-Charrue, ao encontrar-se pela primeira vez com Dominguinhos.
Sempre que vinha ao Brasil, procurava os discos do sanfoneiro
pernambucano em lojas e sebos. Era um ídolo, uma referência. No período
em que Dominguinhos esteve enfermo, quando o hospital já não mais o
devolveu para a amada estrada e aos estúdios, Richard Galliano fez uma
música pra ele, uma linda melodia. Enquanto dormia Dominguinhos inspirou
muitos outros artistas daqui e de alhures a compor pra ele, inspirados
nele, canções de ninar, canções de acordar. Mas dessa vez ele só foi
mesmo acordar no outro mundo, sob o manto azul da Santa, com a voz de
trovão de Gonzagão e os resmungos do Menino Jesus por causa do
empréstimo de sua manjedoura.
Dominguinhos vive, viva Dominguinhos!
Chico César
Cantor, compositor e secretário de Cultura da Paraíba
Leia também: Dominguinhos nos braços da paz. AQUI
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