quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Processo seletivo da UFS. E agora? :: Por José Lima Santana

19/1/2013
Fonte: Portal Click Sergipe
Paciente, eu ouvi, durante a semana, algumas tentativas de explicações para o resultado negativo, em parte, do ingresso dos nossos jovens nos cursos da UFS.

O meu artigo Sergipe em polvorosa...”, publicado em páginas do facebook, além de inúmeras chamadas no twitter, resultou em debate no rádio, dezenas de comentários favoráveis nos sites, no “face”, no twitter, por e-mail, por telefone e pessoalmente, aos quais agradeço, sem deixar de considerar que alguém não gostou, tudo isso ensejou este novo artigo.

Professor há mais de 30 anos, desde o antigo curso primário, passando pelo ensino médio, até o superior (graduação e pós-graduação), inclusive dirigindo e coordenando escolas e cursos, eu me acho no sagrado direito de opinar. Inconteste é que a situação que causou polvorosa, sobretudo junto aos próprios estudantes e suas famílias, carece de análises aprofundadas.
Alguns alunos meus, na UFS, me disseram, na terça-feira, 15, que as provas do ENEM têm metodologia muito diferente daquelas provas que os sergipanos estavam acostumados a responder nos vestibulares, pois o ensino médio era direcionado para aquele tipo de provas. Ora, se isso procede, é uma lástima, uma vez que o ensino deve ser ministrado à altura de quaisquer necessidades, no seu nível, e não bitolado numa só direção. Tomara que isso não proceda, embora eu não tenha motivo para duvidar dos meus alunos. Afinal, eles passaram por esse ensino. Logo, devem saber o que dizem.

"O problema que alguns tentam jogar para debaixo do tapete é que os nossos jovens mostraram que não foram devidamente preparados para enfrentar a concorrência"


A adesão ao ENEM como instrumento para o ingresso na UFS acabou, de certo modo, propiciando que muitas vagas ficassem com candidatos de outros Estados. O que está errado, ao contrário do que alguns pensam e choram pelos cantos, não é a “enxurrada” de candidatos de fora. Longe disso. O problema que alguns tentam jogar para debaixo do tapete é que os nossos jovens mostraram que não foram devidamente preparados para enfrentar a concorrência. O modelo do processo ensino/aprendizagem das nossas escolas talvez precise mesmo mudar. Não sei. Desconheço, hoje, esse tal modelo. Evidente foi que ficamos aquém do esperado. E isso não deve continuar. Será que alguém ainda tenta tapar o sol com uma peneira? Bem. Tem gente para tudo.


Vou mostrar a situação que se verificou em vários cursos, no tocante ao Grupo D. Esclareço para quem não está a par da situação, que o Grupo D é dos candidatos não cotistas, ou seja, dos que estudaram em escolas particulares. Os demais Grupos (E, F, G e H) são de cotistas sociais (com renda familiar pequena) ou cotistas étnicos (negros, pardos e indígenas, com renda familiar pequena), oriundos das escolas públicas.


No curso de Direito vespertino, no Grupo D, foram aprovados: 11 da Bahia; 3 do Ceará; 2 de Pernambuco; e 8 de Sergipe. Ou seja: das 24 vagas dedicadas aos egressos das escolas particulares, somente um terço (1/3) foi preenchido por sergipanos.
 
Em vários outros cursos, os sergipanos do grupo D também ficaram para trás. O caso mais grave deu-se no curso de Medicina, como foi amplamente divulgado. Aí a coisa foi feia. E não foi só no Grupo D, não. Levamos bomba nos dois campi: São Cristóvão e Lagarto. Em São Cristóvão, das 49 vagas destinadas ao Grupo D, somente 6 ficaram com os sergipanos, enquanto as outras 43 foram arrebatadas pelos não sergipanos. Goleada feia. Mas, nos outros Grupos, dedicados aos cotistas, a situação foi parecida: 11 sergipanos aprovados contra 40 não sergipanos. No total, então, das 100 vagas, ficaram 17 para os sergipanos e 83 para os não sergipanos. No mesmo curso de Medicina, em Lagarto, o desastre seguiu no mesmo tom: no Grupo D, perdemos de 2 (sergipanos) a 27 (não sergipanos). E nos demais grupos, dedicados aos cotistas, o placar foi de 3 para os sergipanos e 28 para os não sergipanos. No total, em Lagarto, foram 5 sergipanos aprovados e 55 não sergipanos. No total geral de Medicina (160 vagas), no conjunto dos dois campi, os sergipanos ficaram com 22 vagas, e os não sergipanos, com 138 vagas.
 
Vamos a outros cursos? Os números a seguir referem-se ainda ao Grupo D (alunos das escolas particulares), no campus de São Cristóvão. Em Engenharia Mecânica, foram 12 sergipanos e 13 não sergipanos. Em Engenharia Civil, perdemos de 13 a 18. Em Engenharia Ambiental, perdemos de 6 a 14. Em Engenharia Química, perdemos de 7 a 18. Em Engenharia de Alimentos, perdemos de novo de 7 a 18. Em Engenharia de Petróleo, perdemos também de 7 a 18. Em Engenharia Elétrica, perdemos, mais uma vez, de 7 a 18. Esse placar (7 a 18) parece até uma perseguição. Em Farmácia, perdemos de 14 a 25. Em Odontologia, perdemos de 7 a 23. Em Ciências Biológicas (Bacharelado), perdemos de 4 a 10. Em Engenharia Agronômica, perdemos de 11 a 14. Em Geologia, perdemos de 7 a 18. Em Design, perdemos de 8 a 16.
 
No campus de Lagarto, além de Medicina, levamos outras surras. Em Farmácia, perdemos de 6 a 19. Em Nutrição, perdemos de 11 a 14. Em Odontologia, perdemos de 4 a 21. No campus de Laranjeiras tivemos outros dissabores. Em Arqueologia, perdemos de 11 a 14. Em Arquitetura e Urbanismo, perdemos de 8 a 16.
Aparentemente, a vaca dos sergipanos foi para o brejo. Onde está a raiz do problema, ou seja, do “fracasso” dos nossos jovens? Tem que haver uma explicação plausível. Por trás dos fatos há causas. E adiante dos fatos, consequências.

"Pais, mães e estudantes não podem ficar imersos na incerteza, na ansiedade, na angústia, na agonia, esperando que os aprovados de fora do Estado não se matriculem aqui"


Os sergipanos não receberam conhecimentos suficientes, ou de modo adequado, para vencer a concorrência alienígena? É hora de repensar. Em Sergipe há boas escolas e bons professores? Claro que sim. É, pois, hora de arregaçar as mangas e ir à luta. Mudar conceitos e metodologias. Adequar o ensino aos padrões das provas do ENEM? Talvez. O que não podemos é esperar por mais um fracasso, em 2014. Aí não dá! Pais, mães e estudantes não podem ficar imersos na incerteza, na ansiedade, na angústia, na agonia, esperando que os aprovados de fora do Estado não se matriculem aqui, por conta de aprovações em seus Estados, para que os excedentes possam ser chamados. Os excedentes, em sua maioria, são, hoje, e serão, amanhã, sergipanos? E entrando como excedentes, os nossos filhos serão vistos como “aprovados de segunda categoria”? Ou seja, só entrarão porque os de fora rejeitarão as vagas que conquistaram? Não, com certeza, ninguém quer essa pecha de “segunda categoria”. Nós queremos que os nossos filhos não dependam dessas desistências.


Não podemos ignorar o vexame que passamos, ou seja, que os nossos filhos não foram páreos para os não sergipanos em vários cursos. Levamos poeira. Pronto. Tirem com um gancho. Outra coisa: de um modo geral, os não cotistas que vieram de fora são os mais preparados estudantes do ensino médio, nos seus respectivos Estados? É possível que não. Por que, então, eles nos venceram? Bem, eu é que não tenho a obrigação de dar respostas. Eu as quero. Há que se explicar tudo direitinho. Afinal, tudo no mundo real tem explicação. E não adianta vir com malabarismos fantasiosos, nem com palavreado impreciso ou até mesmo chulo. É preciso, sim, tocar o dedo na ferida, não para magoar, mas para curar. As boas escolas conscientes do seu valoroso papel saberão cuidar disso. Outras poderão ficar na mesmice.

Por fim, ninguém (dentre quem de direito) deve cruzar os braços. Vamos calçar as sandálias da humildade e vestir a roupa da determinação. Não se deve permitir que na terra de Tobias Barreto, de Augusto Leite, de Maria Thetis Nunes, de Luiz Antônio Barreto e de tantos outros valorosos sergipanos, de ontem e de hoje, os nossos jovens sejam vistos como perdedores. Não! Eu não posso aceitar essa situação para os nossos filhos. Para eles, eu quero o melhor. Por favor, vamos dar isso a eles.

José Lima Santana (*)
(*) Advogado. Mestre em Direito. Professor do Curso de Direito da UFS. Membro da Academia Sergipana de Letras e do IHGSE. Ex-Professor do Ensino Fundamental e Médio.
jlsantana@bol.com.br
Fotos: Imagem/Google

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