Opinião
O Brasil não é para principiantes
A
 lei brasileira ensombra o julgamento imparcial pois permite que Sérgio 
Moro seja o juiz na instrução e no julgamento. A falta de distanciamento
 mostra-se na sentença de Moro, sendo vários os momentos em que se diz 
"ofendido" com a defesa, ou se refere a "interferências inapropriadas do
 defensor", denotando ânimo e falta de distanciamento indesejáveis num 
juiz.
A decisão de Moro suscita várias 
perplexidades. A mais notável é porque não estão claramente 
identificados os factos provados. Toda a decisão é uma redonda 
motivação. Lula desconhece rigorosamente as circunstâncias em que lhe 
dizem que praticou o crime. É ler para crer.
Outra
 perplexidade: as notícias da Globo são consideradas matéria probatória.
 Aliás, dão-se por provados factos noticiados pela Globo - sem qualquer 
confirmação da sua veracidade, e só porque foram noticiados pela Globo. 
No ponto 376 diz-se: "Releva destacar que, no ano seguinte à 
transferência do empreendimento imobiliário para a OAS Empreendimentos, o
 Jornal O Globo, publicou matéria da jornalista Tatiana Farah, mais 
especificamente em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, com o 
seguinte título "Caso Bancoop: tríplex do casal Lula está atrasado 
(...)". E no ponto seguinte: "a matéria em questão é bastante relevante 
do ponto de vista probatório".
Notícias
 da Globo são convocadas noutros pontos da sentença como determinantes 
para prova da propriedade do apartamento, sedo-lhes mesmo atribuído o 
valor de documentos.
Isto não é de 
somenos, se pensarmos que se trata de um dos jornais mais lidos no 
Brasil. Ora, Sérgio Moro atribuiu grande peso ao facto de funcionários 
do prédio, sem nunca justificarem porquê, terem declarado que viam em 
Lula o proprietário do apartamento. Impor-se-ia ao julgador perguntar se
 não poderia ser assim em virtude das sucessivas notícias da Globo que 
repetidamente o afirmaram.
Um outro eixo central da condenação são as mensagens transcritas.
As
 duas primeiras conversas são de fevereiro de 2014. A primeira decorreu 
entre Léo Pinheiro e Paulo Gordilho, respetivamente o empreiteiro e o 
engenheiro da OAS e ambos arguidos:
Paulo Gordilho: "O projeto da cozinha do chefe tá pronto se marcar com a Madame pode ser a hora que quiser".
Léo Pinheiro: "Amanhã as 19h. Vou confirmar. Seria bom tb ver se o de Guarujá está pronto".
Paulo Gordilho: "Guarujá também está pronto".
Léo Pinheiro: "Em princípio amanhã as 19h".
Paulo Gordilho: "Léo. Está confirmado? Vamos sair de onde a que horas?".
Léo Pinheiro: "O Fábio ligou desmarcando. Em princípio será as 14h na segunda. Estou vendo. Pois vou para o Uruguai"
Paulo Gordilho:" Fico no aguardo. Leo Pinheiro: OK" .
A segunda decorreu entre pessoa não identificada e Leo Pinheiro:
- Ok. Vamos começar qdo. Vamos abrir 2 centro de custos: 1.º zeca pagodinho (sítio) 2.º zeca pagodinho (Praia)
-Ok.
- É isto, vamos sim.
-
 Dr. Léo o Fernando Bittar aprovou junto a dama os projetos tanto de 
Guarujá como do sítio. Só a cozinha Kitchens completa pediram 149 mil 
ainda sem negociação. Posso começar na semana que vem. E isto mesmo?
- Manda bala.
- Ok vou mandar.
- Ok. Os centros de custos já lhe passei?
-
 Conversando com Joilson ele criou 2 centros na investimentos. 1. Sítio 
2. Praia. A equipe vem de SSA são pessoas de confiança que fazem 
reformas na oas. Ficou resolvido eles ficarem no sítio morando. A dama 
me pediu isto para não ficarem na cidade.
- Ok.
A terceira mensagem é de agosto de 2014, e foi trocada entre o empreiteiro e um executivo da OAS:
Marcos
 Ramalho: "Dr. Léo. A previsão de pouso será por volta das 9.40, alguma 
orientação quanto ao horário do compromisso. Obs.: Reinaldo acredita que
 chegará no local que o Senhor indicado por volta das 10.30".
Leo Pinheiro: "Avisa para a Cláudia (sec) do nosso Amigo para que o encontro passe para as 10.30 no mesmo local".
Marcos Ramalho: "Ok. Leo Pinheiro: Avisou?".
Marcos
 Ramalho: "Falei com Priscila. Ela tentou transferir no celular de 
Claudia, mas ela está no banho e ficou de me ligar em 15 minutos. Pelo 
horário ela já deve está me ligando. Aviso o Senhor assim que falar com 
ela".
Leo Pinheiro: "É urgente".
Marcos Ramalho: "Dr. Léo. Alterado para 10.30. Falei com Claudia e agora falei o Fábio (filho)".
Marcos Ramalho: "Dr. Léo. Segue o celular de Dr. Fábio. 04111999739606".
Leo Pinheiro:" Avisa para o Dr. Paulo Gordilho".
Marcos Ramalho: "Acabei de avisar Dr. Paulo Gordilho".
Marcos
 Ramalho: "Dr. Léo, Dra. Lara só pode atender o senhor as 14.30. Deixei 
confirmado e fiquei de dar OK pra ela assim que falasse com o Senhor".
O
 teor das mensagens é simplesmente anódino. A segunda delas será a mais 
comprometedora. Mas Sérgio Moro não explica por que razão conclui que 
Lula da Silva é "zeca pagodinho", limitando-se a concluir que é assim. 
De todo o modo, estas mensagens não são suficientes para se concluir que
 o apartamento foi oferecido a Lula da Silva, que nem sequer intervém em
 nenhuma daquelas comunicações.
O 
elemento de prova crucial foi o depoimento de Léo Pinheiro, que aceitou 
colaborar com a investigação para ter a sua pena reduzida. Fê-lo perante
 a perspectivava de passar, pelo menos, mais 26 anos preso.
Este
 arguido foi detido pela primeira vez em novembro de 2014. Em junho de 
2016, já em prisão domiciliária, dispôs-se à colaboração premiada. Esta 
disponibilidade é contemporânea com a sua primeira condenação, por sinal
 ditada por Moro, em 16 anos e 4 meses de prisão efetiva. A proposta de 
colaboração foi rejeitada.
Em setembro 
de 2016, Sérgio Moro ordena a prisão carcerária de Léo Pinheiro, que 
entretanto também vira a sua pena agravada para nada menos do que 26 
anos de prisão. Em abril de 2017 Léo Pinheiro muda de advogados e propõe
 nova colaboração, desta vez confessando ter oferecido a Lula da Silva o
 apartamento tríplex. A proposta de colaboração foi, então, aceite.
Atualmente,
 e ainda sem qualquer acordo de colaboração premiada concluído, a pena 
de Léo Pinheiro no processo Lula passou de 10 anos a 3 anos de prisão - 
em regime semi-aberto e grande parte da qual já cumprida. A colaboração 
trouxe-lhe enorme benefício, sendo a diferença entre passar o resto da 
sua vida preso ou apenas uma pequena parte. Quando o prémio é desta 
grandeza será muito tentador contar o que a acusação quer ouvir. O 
julgador não pode deixar de ter presente esta lei da vida.
Em
 termos de documentos, a prova queda-se com a cópia carbono de "Proposta
 de adesão sujeita à aprovação" assinada por D. Marisa em 12/04/2005 
relativamente à aquisição do apartamento 174 (o "apartamento tipo"); e 
com o original daquele documento, que foi rasurado para o numero 141 
(correspondente ao tríplex), ambos apreendidos em casa de Lula.
Entre
 2009 e 2014 o apartamento foi visitado duas vezes pela família de Lula 
de Silva, que não acompanhou os trabalhos de remodelação. Não será 
plausível que as remodelações tenham sido feitas para seduzir o 
ex-presidente à aquisição do imóvel? Na altura, Lula era uma figura de 
prestígio mundial, cuja presença garantiria valor não só ao imóvel, mas 
até a toda a área. Por outro lado, não sendo Lula, em 2014, presidente 
do Brasil, por que razão haveria o empreiteiro de se sentir obrigado a 
remodelar-lhe o apartamento?
Tenho para
 mim que Sérgio Moro levou o conceito de prova indiciária demasiado 
longe. Nenhuma das provas é suficientemente consistente e conclusiva. 
Não afirmo a inocência de Lula. Mas entendo que a sua culpa não ficou 
suficientemente demonstrada para a condenação. E, tal como muitas vezes 
se repete pelos tribunais, melhor fora um culpado em liberdade do que um
 inocente preso.
MAGISTRADA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1:53
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