Lula, o humano
Compreender as contradições de Lula e do PT no poder é mais importante e urgente para o país do que construir um mito
“Eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia.” A frase do discurso de Luiz Inácio Lula da Silva
antes da prisão, no palanque do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, já se tornou célebre, como estava programado. Mas o
símbolo deste momento para a história não foi o discurso, e sim a imagem
feita de cima, em que aquele que acabara de se lançar não como
candidato, mas como lenda, parece se transubstanciar na multidão: “Esse
país tem milhões e milhões de Lulas”.
O problema daqueles que querem ser mitos em vida é a própria vida. A vida atrapalha o mito.
A vida lembra o mito, dia após dia, que ele é humano. Demasiado humano. E isso é perigoso para um mito. Consciente desse risco, Getúlio Vargas (1882-1954)
se suicidou tendo o cuidado de deixar uma carta-testamento impecável
para a história, num último lance de genialidade política. O “Pai dos
Pobres” do Brasil do século 20 sabia que a vida atrapalhava a lenda.
Lula acredita que pode ser mito em vida, o corpo preso na cela da Polícia Federal
da República de Curitiba, como uma morte simbólica, enquanto o mito
atravessa o corpo da multidão. Foi nesse sentido os melhores esforços de
Lula desde que a prisão se tornou uma possibilidade cada vez mais certa
e mais próxima. As frases foram muitas nas últimas semanas, a mais
messiânica esta aqui: “Eles estão lidando com um ser humano diferente,
porque eu não sou eu, eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de
cada um de vocês”.
Que a foto histórica tenha sido feita de cima
não é um dado qualquer: de cima, há mito; embaixo, no contato dos
corpos, há realidades e sentimentos mais humanos
O fato de que aquela que já se tornou a imagem histórica do
momento ter sido a foto feita de cima não é um dado qualquer. De cima há
mito. De baixo, nos interiores da multidão, há realidades e sentimentos
mais humanos. Mas a foto já marca um ponto, mostrando que de política
Lula entende bem mais do que Sérgio Moro, que apostava na foto de Lula preso, vencido pela Operação Lava Jato.
E terá que lidar com a foto de um mito nos braços do povo. Não é um
peso qualquer para um homem tão vaidoso quanto Moro, que também aspira a
um lugar bonito na história. E ninguém quer o lugar de um Carlos
Lacerda.
A história, porém, é um ponto de interrogação, porque o
passado é construído no futuro. E nada parece mais incerto do que o
futuro no Brasil. A memória de Lula ainda está em disputa.
O futuro é imprevisto também na forma como a memória será
construída no mundo que virá. Ainda não somos capazes de compreender
como a internet repercute e muda o que chamamos de memória. O futuro do
Lula histórico não será determinado pelos livros de história escritos
por acadêmicos ou biografias feitas por jornalistas – ou pelo menos não
só por eles – como aconteceu com Vargas e outros ícones da trajetória do
Brasil. E isso já é um dado novo deste momento. Só saberemos mais
adiante se um mártir de esquerda na cadeia tem a força que teve no
futuro do passado, quando a internet não estava posta na construção das
narrativas.
Lula está preso, não morto. Lula ainda está no jogo do presente.
1) O dia mais triste
7 de Abril de 2018 é talvez o dia mais triste da história
recente. Para Lula, o humano, e para todos os brasileiros. Qualquer
pessoa que não teve seus neurônios infectados pelo ódio
– e uma das características do ódio é ser burro – é capaz de perceber a
gravidade representada por um político que encarnava o projeto de pelo
menos duas gerações de brasileiros, um projeto que de forma nenhuma
pertencia apenas a ele, ser acusado de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. E ser preso por isso sem provas convincentes no momento em que
está em primeiro lugar nas pesquisas para a eleição de 2018.
Qualquer brasileiro sério é capaz de perceber o abismo que
isso representa para o Brasil. A dureza desse momento não para Lula, mas
para o que chamamos “nós”, o que de fato não existe, ou só existe em
alguns momentos de síntese.
As panelas batendo com fúria nas janelas dos
bairros “nobres” é o som da nossa vergonha como país: o ódio mascarado
de alegria é obsceno
As panelas batendo com fúria nas janelas dos bairros
“nobres” de São Paulo é o som da nossa vergonha como país. A de que as
pessoas que tiveram o privilégio de estudar, num Brasil tão desigual,
sejam incapazes de compreender a gravidade do momento histórico. Esse
ódio mascarado de alegria é o rosto contorcido de uma distorção. Esse
ódio mascarado de alegria é obsceno.
Mas estas são as pessoas do alto, as pessoas que podem olhar
e interferir no mundo sem sair da janelinha. O fato de que batam
panelas nos edifícios, em vez de irem às ruas lutar pelo Estado de
Direito, num país tomado pelo Cotidiano de Exceção,
é a expressão do fracasso do projeto de conciliação que Lula
representou na prática, embora não tenha sido este o projeto que muitos
que o elegeram acreditavam.
Perdemos muito no 7 de abril de 2018. Perdemos bem mais do
que de 7X1. A forma como correu o processo de Lula, muito mais rápido do
que a maioria, instalou dúvidas sobre a justiça. O julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal,
votando um caso particular em vez de decidir sobre a prisão após a
segunda instância, instalou dúvidas sobre a justiça. A clara cisão do
STF durante o julgamento instalou dúvidas sobre a justiça. A rapidez com
que Sérgio Moro decretou a prisão instalou dúvidas sobre a justiça.
As instituições fracassaram. Não para os interesses privados
de alguns, mas para o que deveriam representar para o conjunto dos
brasileiros, o que deveriam ser para além do “sentimento social”. O STF,
afogado em vaidades e convertido em palanque, se apequenou (um pouco
mais). A maldição do protagonismo sem formação política, uma das mazelas
dos dias atuais que atinge também juízes e procuradores, encolheu ainda
mais a sensação de justiça. E tudo o que o Brasil não precisava neste
momento tão delicado era de mais dúvidas sobre a justiça.
As instituições fracassaram. E o Supremo, afogado em vaidades e convertido em palanque, se apequenou
2) Um “reply” ao general
A intervenção do general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro,
na véspera do julgamento do habeas corpus no Supremo, foi uma afronta à
democracia. Mas como o governo que aí está já é uma afronta à
democracia em sua própria existência, o general não recebeu nenhuma
punição. Como o governo que aí está é resultado de um impeachment sem
fundamento legal, da deposição de uma presidente ruim, mas legitimamente
eleita, o general continua na ativa, ativíssimo. Como o governo é
encabeçado por um presidente, Michel Temer (PMDB),
atolado em denúncias de corrupção, rodeado por um ministério que em
parte é uma quadrilha, outros militares já proclamaram ameaças à
democracia e nada aconteceu com eles. Entre todas as transformações
trazidas pelas redes sociais, ninguém imaginou que agora o Brasil seria
assombrado também por “generais de Twitter”.
Ao se manifestar pelo Twitter na véspera do julgamento de um
ex-presidente pela Suprema Corte, o general afirmou: “Asseguro à Nação
que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à
paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais”.
Sim, general, nós repudiamos a impunidade dos
assassinos, sequestradores e torturadores da ditadura civil-militar: já
passou da hora de julgar os criminosos a serviço do Estado
Sim, general, brasileiros como eu reivindicam há décadas que
os militares e os agentes civis que assassinaram, sequestraram e
torturaram milhares de pessoas no Brasil, inclusive crianças,
a serviço do Estado e durante uma ditadura que durou 21 anos sejam
investigados, denunciados, julgados e responsabilizados. Eu e muitos
repudiamos a impunidade dos assassinos, sequestradores e torturadores do
regime de exceção que se instalou quando os militares colocaram seus
tanques nas ruas, apoiados por parte da sociedade civil.
Tenho escrito neste espaço que parte da corrosão da atual democracia se deve ao fato de que o Brasil não fez memória sobre a ditadura. E só se faz memória com responsabilização. Com assassinos, sequestradores e torturadores de farda ou à paisana circulando livremente pelas ruas, o país entende que a vida humana vale muito pouco. E este é um dado histórico do Brasil, país fundado sobre os corpos de indígenas e de negros, que a impunidade dos criminosos do regime acentuou, com as consequências que aí estão.
Tenho escrito neste espaço que parte da corrosão da atual democracia se deve ao fato de que o Brasil não fez memória sobre a ditadura. E só se faz memória com responsabilização. Com assassinos, sequestradores e torturadores de farda ou à paisana circulando livremente pelas ruas, o país entende que a vida humana vale muito pouco. E este é um dado histórico do Brasil, país fundado sobre os corpos de indígenas e de negros, que a impunidade dos criminosos do regime acentuou, com as consequências que aí estão.
Assim, já passou há muito da hora de acabar com a impunidade
dos agentes do Estado que assassinaram, torturaram e sequestraram. Mas,
em vez disso, o senhor, general, que acabou de repudiar a impunidade no
Twitter, pediu uma espécie de anistia prévia aos militares que hoje
participam da intervenção federal no Rio de Janeiro,
para que não sejam responsabilizados quando matarem civis: “Os
militares precisam ter garantia para não enfrentar daqui a 30 anos uma
nova Comissão da Verdade pelo que vamos enfrentar no Rio durante a
intervenção”.
Assim, general, nosso conceito de “cidadão de bem” é
diferente. Cidadão de bem não mata, não tortura e não sequestra. E
cidadão de bem não defende a impunidade de assassinos, torturadores e
sequestradores, tenham eles fardas ou não, estejam a serviço do Estado
ou não. E cidadãos de bem não botam uma baioneta no pescoço do Supremo
Tribunal Federal.
O senhor é um funcionário público, pago pelo povo brasileiro, e a Constituição afirma que sua intervenção foi indevida.
3) O quanto perdemos todos
Se a vida que segue pode atrapalhar Lula no seu propósito de
virar lenda, o mito que Lula quer se tornar atrapalha a vida dos
brasileiros.
Com o controle da iconografia da sua prisão, as contradições do Lula humano foram apagadas pelo Lula mito
Lula controlou a iconografia da sua prisão. Ao fazê-lo, as
contradições do Lula humano foram apagadas pelo Lula mito. Seus
oponentes podem ter conseguido impedi-lo de ser candidato nas eleições de 2018,
pleito em que ele lidera nas pesquisas de intenção de voto. Mas não
conseguiram fazer com que isso soasse como justiça para uma parcela
significativa da população, acentuando a crise do país e interditando
ainda mais a possibilidade de debater, com a seriedade necessária, o
múltiplo e contraditório legado de Lula.
É claro que há uma parcela que bate panelas e veste a
camiseta da seleção, mas há muitos que não. E mesmo críticos aos
governos de Lula e de Dilma Rousseff sentiram-se enojados pela forma
como o processo foi conduzido pelas instituições.
Sem compreender as contradições de Lula no poder (e de Dilma
Rousseff, sua escolhida, logo em seguida), torna-se difícil construir
um novo projeto de esquerda capaz de aglutinar uma parte do Brasil. E
mesmo a direita, pelo menos a séria, deveria desejar que existisse um
novo projeto de esquerda, porque para a democracia esse diálogo é
essencial.
As principais vozes de resistência das
periferias urbanas hoje nasceram da ampliação do acesso a mundos até
então barrados, garantido pelos governos do PT
O Brasil governado por Lula teve aumento real de salário
mínimo, teve redução significativa da miséria, teve ampliação do acesso à
universidade, teve melhorias importantes no Sistema Único de Saúde
(SUS), teve cotas raciais (uma ação afirmativa ainda tímida, mas
essencial), teve garantia de crédito para os mais pobres. Isso não é
pouco. Não é mesmo. E se fará sentir no Brasil por muitas décadas. As
principais vozes de resistência das periferias urbanas hoje nasceram
dessa experiência e desse acesso a mundos até então barrados.
A realidade de um operário ocupando o poder pelo voto num
país como o Brasil teve um impacto na vida dos brasileiros que não há
como dimensionar com exatidão, porque em grande parte subjetivo, mas que
é uma enormidade. E isso Lula fez – e ninguém pode tirar dele.
Mas o Brasil governado por Lula, principalmente após o segundo mandato, e levado adiante por Dilma Rousseff,
sua escolhida, aliou-se ao que havia de pior nas oligarquias
brasileiras, de José Sarney aos ruralistas, enfraqueceu os movimentos
sociais, capitulou diante de questões como a descriminalização do aborto
e a legalização das drogas, avançou pouco (no caso de Dilma quase nada,
e às vezes retrocedeu) na regularização fundiária e na demarcação de
terras indígenas e unidades de conservação, acentuou o aumento da
população carcerária em condições torturantes, ao manter a política
falida de “guerra às drogas”, criminalizou manifestantes e manifestações
e, por fim, fez as grandes hidrelétricas na Amazônia – Santo Antonio e
Jirau, no rio Madeira, e Belo Monte, no Xingu, desencadeando processos
de graves violações aos direitos humanos e agravando o desmatamento da
floresta e a contaminação dos grandes rios amazônicos.
E, importante: em seu projeto de conciliação, Lula não tocou na renda dos mais ricos.
Lula revelou-se incapaz de compreender outras
formas de viver e de se relacionar com a natureza que não fossem as
mediadas pela dinâmica capital-trabalho
A visão de Lula para a Amazônia mostrou-se muito semelhante à da ditadura civil-militar (1964-1985). É uma visão colonizadora e exploradora. E provocou uma grande destruição, ainda em curso, dos povos da floresta, os humanos e os não humanos.
Lula é um homem plantado no século 20 e parece só conseguir enxergar o mundo em termos de capital-trabalho.
Revelou-se incapaz de compreender outras formas de viver que não fossem
as mediadas pelo emprego, nem outro conceito de felicidade que não
fosse ter churrasco no fim de semana, cerveja na geladeira e um carro na
garagem.
Como homem do ABC Paulista, muito mais do que menino do
semiárido nordestino, até nos últimos discursos ele defendia os carros
nas ruas em vez de transporte público coletivo e de qualidade. Seu
governo e especialmente o de Dilma Rousseff calaram as vozes da floresta
e os modos de viver da floresta, silenciando o que havia de mais
original nos Brasis. Lula foi avisado disso, mas nunca foi capaz de
escutar – ou nunca lhe foi conveniente escutar.
Há vários Lulas. E há inclusive o líder absoluto do partido
que se corrompeu no poder como outros partidos que o antecederam. O que
não é de forma alguma um dado qualquer, porque o PT foi apoiado por pelo
menos duas gerações de brasileiros por ter se comprometido a levar
ética à política. Lula elegeu-se dizendo que sabia que não podia errar. E
errou. E muito.
Com o Direito sem Justiça que marcou a sua prisão, as
contradições são apagadas no esforço do mito. E as contradições não
devem e não podem ser apagadas. Não por uma questão de vingança, como
tanto querem alguns oportunistas, mas porque é urgente recriar um
projeto para o país. E não se cria um projeto sem acolher todas as
complexidades de uma experiência tão importante quanto foi a do PT no
poder.
Com a sensação de que a prisão foi uma
injustiça, a cisão entre os Lulas continua. E as perguntas difíceis são
adiadas mais uma vez
No caso de Lula, o Brasil está submetido aos afetos. Quem
odeia Lula, como encarnação de todos os males, só enxerga uma parte. E
quem ama Lula, também como ato desesperado para não se ver diante das
ruínas de um projeto tão caro, se mostra incapaz de ver a outra parte. É
chocante ler análises da esquerda que acham possível escrever sobre o
momento negando a corrupção evidente do PT no poder. E ignorando o que
Belo Monte causou na vida justamente dos mais desamparados. Assim como é
chocante ver Lula demonizado por gente que se beneficiou enormemente
com o seu governo, um governo que não deixou apenas os pobres menos
pobres, mas os ricos mais ricos.
Com a sensação de que a prisão foi uma injustiça, a cisão
entre os Lulas continua. E se torna cada vez mais difícil juntar todas
as partes do quebra-cabeça dessa experiência de poder, inclusive e
especialmente suas contradições. Sem contar que, para parte da esquerda,
tanto a que se sentiu muito traída quanto a que começava tardiamente a
se sentir constrangida, a criação de um mártir pode ser o melhor
acontecimento. Assim, as perguntas difíceis, que são as mais
importantes, ficam adiadas para talvez nunca mais. Tanto as que cada um
deve fazer a si mesmo, como exercício interno, quanto as que devem ser
feitas e debatidas em público, na expressão coletiva.
Esse constante adiamento das perguntas difíceis é mais uma
tragédia num país que vive aos espasmos desde 2013. Sem as perguntas
difíceis, o Brasil continuará girando em falso. Pode ser bom para o mito
Lula, assim como para outros candidatos a mito e seus egos gigantescos,
mas é ruim para o Brasil e para os brasileiros.
4) O que eu desejaria para Lula e o Brasil
Eu acreditaria em justiça no Brasil se, primeiro, os agentes
do Estado que assassinaram, sequestraram e torturaram durante a
ditadura civil-militar fossem julgados e punidos. Eu acreditaria em
justiça no Brasil se todos os aqueles que são responsáveis pelo
genocídio cotidiano dos jovens negros nas periferias urbanas, policiais e
não policiais, fossem julgados e punidos. Eu acreditaria em justiça no
Brasil se os assassinos de Marielle Franco
e Anderson Gomes fossem denunciados, julgados e punidos. Eu acreditaria
em justiça no Brasil se todos os mandantes e pistoleiros que executaram
ambientalistas, defensores de direitos humanos, pequenos agricultores,
indígenas, ribeirinhos e quilombolas na Amazônia fossem investigados,
denunciados, julgados e punidos.
Eu acreditaria em justiça no Brasil se todos os presos sem condenação no sistema penitenciário fossem libertados
Eu acreditaria em justiça no Brasil se todos os presos sem
condenação no sistema penitenciário fossem libertados e o Estado pagasse
indenização pelo período que ficaram encarcerados sem julgamento. Eu
acreditaria em justiça no Brasil se todos as mulheres presas por aborto
fossem libertadas. Eu acreditaria em justiça no Brasil se ninguém mais
fosse preso por portar quantidades pequenas de drogas nas favelas e
periferias e as ações se concentrassem em quem realmente lucra com o
mercado ilegal de drogas e de armas.
Eu acreditaria em justiça no Brasil se todos os corruptos,
de todos os partidos, a começar pelos que estão hoje no Executivo e no
Congresso, fossem julgados e presos. Eu acreditaria em justiça no Brasil
se todos os corruptos da iniciativa privada fossem julgados e presos,
assim como aqueles empresários que colaboraram com o assassinato, a
tortura e o sequestro de pessoas na ditadura-civil militar.
Eu acreditaria em justiça no Brasil se a ministra Rosa Weber
fosse criticada por ter suspendido por liminar, quatro dias antes do
Natal, os efeitos expansivos da proibição do amianto no Brasil. A
justificativa da ministra era de que seria necessário esperar o prazo
para os advogados apresentarem embargos de declaração contra o
entendimento do plenário, que estendeu a proibição da fibra cancerígena
para todo o Brasil. Ela, que tanto defende a decisão do colegiado, tomou
uma decisão monocrática. Enquanto isso, o amianto, que tem matado
milhares de brasileiros há décadas e é proibido na Europa e em vários
países do mundo, segue sendo produzido e comercializado nos estados em
que não é proibido: a maioria.
Eu acreditaria em justiça no Brasil se os brasileiros
cobrassem de Lula e de Dilma Rousseff por que razão nunca levaram
adiante o banimento do amianto, que matou e adoeceu – e segue matando e
adoecendo até hoje – trabalhadores pobres da indústria, trabalhadores
cuja vida pelo menos Lula deveria conhecer.
Eu acreditaria em justiça no Brasil se Lula e
Dilma fossem responsabilizados por construírem Belo Monte violando
direitos humanos e não humanos
Eu acreditaria em justiça no Brasil se Lula e Dilma Rousseff
fossem responsabilizados pela violação de direitos humanos e não
humanos na floresta amazônica, e especialmente na construção de Belo Monte. E eu acreditaria ainda mais em justiça no Brasil se os brasileiros se importassem com isso.
Eu desejaria que Lula fosse candidato a presidente e que
fosse derrotado nas urnas pelo que fez no Xingu e em outros rios
amazônicos. Pela Força Nacional enviada pela sua escolhida, Dilma Rousseff,
para reprimir operários em greve no canteiro de obras de Belo Monte.
Pela Força Nacional impedindo o direito de manifestação de indígenas e
ribeirinhos no canteiro de obras de Belo Monte. Pelos ribeirinhos e
pequenos agricultores e pobres urbanos que assinaram com o dedo papéis que não eram capazes de ler para que Belo Monte pudesse ser construída sem “entraves” humanos. Pelo etnocídio indígena
na região do Xingu causado por Belo Monte. Eu acreditaria em justiça no
Brasil se Lula fosse derrotado por ter materializado Belo Monte no
Xingu e, com isso, ter produzido pobres na periferia de Altamira.
Se isso acontecesse, uma derrota pelo voto em nome dos
direitos humanos e dos direitos dos povos da floresta, o Brasil
avançaria. Mas isso não acontece no Brasil atual.
Ainda assim eu desejaria que Lula fosse candidato e
disputasse a eleição no processo democrático. E possivelmente ele
venceria, pela simples razão, que também é legítima, de que a maioria
começa a concluir que a vida estava melhor no seu governo. E os
brasileiros são sobreviventes – e muito pragmáticos.
Mas eu desejaria também que Lula fosse candidato e fosse
eleito para que as pessoas tivessem que lidar com o fato de que pouco se
importam com a corrupção desde que sua vida esteja razoável. Mas
principalmente eu desejaria que Lula fosse candidato para que as pessoas
sejam obrigadas a lidar com o fato de terem votado e talvez eleito o
presidente que tornou Belo Monte possível. E assim tivessem que lidar
com a sua hipocrisia cheia de verbos e de boas intenções, protegidas
pela distância dos que morrem de várias maneiras no Xingu e nas
Amazônias. E tivessem que lidar com o fato de que sua preocupação com os direitos humanos é seletiva.
Mas o Direito sem Justiça interditou o processo dos desejos.
5) A volta do humano
A mística que antecedeu a prisão – missa + discurso – foi
cuidadosamente planejada para que Lula voltasse a ser o Lula que já não
é. O Lula que liderou as greves do ABC Paulista, fundou o PT e fez as
Caravanas da Cidadania. A linguagem, os gestos, o conteúdo. Mas o que já
não é não pode voltar a ser.
Há, entre um Lula e o outro, pelo menos oito anos de poder
direto, como presidente, mais os cinco anos e meio de Dilma Rousseff,
sem contar a Carta ao Povo Brasileiro, na eleição de 2002. O discurso
soava, como tem soado há algum tempo, uma imitação do Lula jovem feita
pelo Lula velho.
Mas num mundo já diferente. Como algumas bobagens sobre as
mulheres que se tornaram constrangedoras, os habituais jogos para a
torcida e uma espécie de conversão em Jesus. Esse Lula era, já não é. O
que não impede que esse discurso ainda mova – e comova – muita gente que
gostaria que ele ainda fosse o que já não pode ser.
Neste sentido, o de Lula foi um discurso mais de
apagamentos, o que é fundamental para quem pretendia sair dali como
mito, do que de construções. Por isso também a foto se tornou muito mais
importante. O domingo passou com várias mensagens de WhatsApp: “Essa
foto é a foto oficial que Lula enviou e pede que seja a mais disseminada
por todos. Eles terão a foto que tanto querem, Lula preso terá o povo”.
Não há como afirmar se foi “Lula que enviou”, mas é possível afirmar
que ele sempre foi um bom biógrafo de si mesmo. Não deixa de ser
fascinante essa construção de mitologia em vida.
O ato mais importante do discurso foi Lula ter
lançado Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PCdoB) como seus
herdeiros, pregando a união das esquerdas
Para efeitos imediatos, o ato mais importante do discurso foi o gesto de lançar, simbolicamente, Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila
(PCdoB) como seus herdeiros, pregando a união das esquerdas neste
momento limite. Ambos são pré-candidatos à presidência nas eleições de
2018. Boulos representa uma das forças mais potentes deste momento, os
movimentos de sem-teto nas cidades, que de certo modo ocupam o lugar que
foi do MST na trajetória de Lula. Manuela carrega a potência dos novos
feminismos, mostrando na vivência da política também uma experiência
diversa de maternidade. São as duas figuras mais interessantes da nova
política.
O gesto marca também o abismo do PT. Em grande parte por
causa da onipresença de Lula, não há ninguém no próprio partido com
força suficiente para representar o futuro e liderar uma aliança de
esquerda. Lula não fez seu Lula dentro do PT. Nem permitiu que fizessem.
Mas o gesto foi bonito – e se há uma cena com grandeza neste
momento, é a de Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila juntos. Ainda falta
se mostrarem capazes de compor de fato com a floresta e os outros modos
de viver dos Brasis.
Compreender o homem que Lula é, assim como a experiência do
PT no poder, é mais importante e urgente para o país do que construir um
mito. Sem acolher as contradições, o Brasil seguirá com “um enorme
passado pela frente”, apesar de tudo o que representou a chegada de um
operário ao poder.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum
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quinta-feira, 5 de abril de 2018
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sábado, 16 de abril de 2016
João Paulo da Silva
Prezados,
Espero de coração que todos aqui que tenham algum apreço por mim e respeitam minimamente meu trabalho enquanto historiador e mestre e doutorando em sociologia reservem cinco minutinhos do seu dia para ler esse texto. Caso contrário, não percam tempo e continuem com as próprias convicções.
Relutei muito em usar esse espaço para me posicionar, justamente por estar cansado de debates e embates com quem simplesmente não busca entender algo além de suas paixões. Mas não posso me furtar em marcar uma posição pública nesse momento histórico tão perigoso.
Votei em Lula em 2006 e em Dilma em 2010 e 2014. Não tanto por afinidade ideológica, afinal sempre estive mais à esquerda do projeto político do PT. Mas por reconhecer que Lula conseguiu avanços jamais vistos na História do Brasil: tirou o país do mapa da fome, ampliou o poder de consumo das classes baixas (consequentemente ampliando a classe média), ampliou consideravelmente o número de universidades públicas e o número de bolsas para pesquisa, desenvolveu regiões do país que jamais tiveram o olhar de outras gestões, entre outras tantas coisas.
Em resumo: Lula, o “comunista”, buscou implantar algo parecido com o capitalismo no Brasil. Inseriu o maior número de pessoas na lógica do sistema capitalista: trabalho, produção, ascensão social e consumo. Qualquer análise para além disso só pode ser devaneio da turba anticomunista hidrofóbica que existe no país.
Obviamente que ao optar por esse caminho, Lula buscou um pacto entre as classes. Buscou agradar latifundiários e sem terras, banqueiros e classe média, empresários e trabalhadores. Dois exemplos práticos: 1) O REUNI, que ampliou o número e o investimentos em universidades federais veio acompanhado do PROUNI e do FIES, que transferiu boas parcelas do dinheiro público para os empresários da educação em troca da ampliação do acesso ao ensino superior; 2) O “Minha Casa, Minha Vida” permitiu com que muita gente pudesse comprar um imóvel e ao mesmo tempo que aqueceu o mercado da construção civil (gerando muita renda e empregos diretos e indiretos) e enriqueceu ainda mais várias construtoras no país. Lula buscou conciliar, o que lhe valeu inúmeras críticas e abandono de quem estava mais à esquerda desse projeto. Foi um erro? No meu ponto de vista, não. Mesmo tendo uma posição ideológica, filosófica e utópica muito mais à esquerda do que o Lula, sempre enxerguei nesse tipo de governo algo mais ou menos limítrofe possível de se fazer em uma democracia dentro do sistema capitalista. Daria para ir além? Talvez. Talvez uma reforma tributária que desonerasse os mais pobres (tirando o imposto sobre o consumo) e os pequenos e médios produtores e empresários e cobrasse mais de quem tem mais. Mas pensem? Se Lula e o PT foram simplesmente descartados fazendo uma política de conciliação, imaginem o que aconteceria se ele optasse por uma política de enfrentamento.
Dito isso, lendo e ouvindo inúmeros especialistas nesses últimos tempos, sejam eles juristas, sociólogos do direito e/ou jornalistas, muitos deles antipetistas e antilulistas de carteirinha (Reinaldo Azevedo, por exemplo, foi o jornalista que criou o termo Petralha), tenho absoluta certeza que Lula foi condenado sem provas. O apartamento do Guarujá, causa da condenação, que teria sido adquirido por Lula com fruto de corrupção, está penhorado para pagar dívidas da empreiteira OAS. Oras, mas o apartamento é de Lula ou da OAS? Não há provas apresentadas nesse caso. Se existem, elas não estão arroladas no processo.
Isso faz de Lula inocente? Não necessariamente. Isso quer dizer que ele foi condenado nesse processo sem provas. Você pode até ter a certeza que ele roubou o país. Mas a nossa convicção deveria valer para justiça tanto quanto a flatulência de um equino. Em qualquer estado democrático de direito cabe ao acusador apresentar as provas para condenar o acusado. Acusar baseado em um desejo coletivo de um grupo social é algo típico de um estado de exceção. A própria contradição da ministra do STF Rosa Weber (no caso do Habeas Corpus) em dizer que vota contra a constituição para fazer valer a vontade da maioria (e, segundo alguns especialistas, se dobrando às ameaças do exército) é sinal cabal desse estado.
Eu acredito que Lula é inocente? Primeiro: aceitar as doações milionárias das empreiteiras para fazer campanha era a regra do jogo eleitoral. Era impossível disputar as eleições com chances de ganhar sem essa verba. TODOS os grandes partidos abocanharam fatias enormes dessa doação: PT, PSDB, PMDB, DEM e cia limitada (Jair Bolsonaro, inclusive). Segundo: convenhamos que um presidente não precisa de dinheiro de corrupção para comprar um apartamento no Guarujá – seria o homem que teria a inteligência para ser o chefe do maior esquema de corrupção da História do país descuidado o suficiente para aceitar um apartamento fruto de corrupção, perfeitamente possível de comprar com o seu próprio salário? Pode ser. Eu não acredito. Mas pode ser. Contas na Suíça, apartamento em Paris, mansão em Miami? Não. Um AP no Guarujá. Então Lula é inocente? Até agora provas não foram apresentadas. Portanto, segundo o estado democrático de direito que defendo, ele ainda é inocente.
Assim, Lula até o momento está sendo vítima de clara perseguição política. A justiça o julgou em uma velocidade inédita. Condenou sem provas. Não permitiu que ele recorresse em liberdade até o último recurso baseado em votos que manifestadamente contrariou a constituição. Teve seu mandato de prisão expedido em tempo recorde. Mas isso tudo importa menos do que a segunda informação: ele foi condenado sem provas. Veja bem. Não estou dizendo que só ele foi preso enquanto todos os outros (Aécio, Temer, Alckmin...) estão soltos. Estou dizendo que ele foi condenado SEM PROVAS. Não estou dizendo que ele é inocente. Não estou dizendo que é culpado.
Se você concorda com a prisão do Lula e chegou ao final desse texto, espero que você reflita minimamente sobre ele. Estou à disposição para dialogar, mandar textos, dados estatísticos e fontes. É só me escrever. Faço questão de respondê-los pessoalmente, na medida do possível. Caso você continue concordando com a prisão do Lula, ao menos admita que você abre mão do estado democrático de direito para encarcerar aqueles que você não gosta (ou considera culpado de alguma coisa). Só não esqueça: hoje é o Lula. Amanhã pode ser você.
EDIT-PS: Pessoas, escrevi esse texto para "consumo interno" entre as pessoas que tenho amizade e que não compactuam da mesma visão. A postagem, entretanto, ganhou dimensões inimagináveis para mim. Peço desculpas não conseguir responder todos que me enviaram comentários e/ou mensagens inbox. Não sou blogueiro, nem trabalho com internet. Jamais conseguiria dar conta de responder um terço das mensagens que recebi. Quanto aos dados que prometi, cheguei a enviar para algumas pessoas. Mas pesquisem! Recorram a trabalhos científicos sobre os temas. Cruzem dados. Usem fontes nacionais e internacionais. Jamais aceitem nenhuma visão como a única do processo (nem a minha). Tentem entender o outro ponto de vista. É um exercício interessante de empatia. Abraços e paz!
Espero de coração que todos aqui que tenham algum apreço por mim e respeitam minimamente meu trabalho enquanto historiador e mestre e doutorando em sociologia reservem cinco minutinhos do seu dia para ler esse texto. Caso contrário, não percam tempo e continuem com as próprias convicções.
Relutei muito em usar esse espaço para me posicionar, justamente por estar cansado de debates e embates com quem simplesmente não busca entender algo além de suas paixões. Mas não posso me furtar em marcar uma posição pública nesse momento histórico tão perigoso.
Votei em Lula em 2006 e em Dilma em 2010 e 2014. Não tanto por afinidade ideológica, afinal sempre estive mais à esquerda do projeto político do PT. Mas por reconhecer que Lula conseguiu avanços jamais vistos na História do Brasil: tirou o país do mapa da fome, ampliou o poder de consumo das classes baixas (consequentemente ampliando a classe média), ampliou consideravelmente o número de universidades públicas e o número de bolsas para pesquisa, desenvolveu regiões do país que jamais tiveram o olhar de outras gestões, entre outras tantas coisas.
Em resumo: Lula, o “comunista”, buscou implantar algo parecido com o capitalismo no Brasil. Inseriu o maior número de pessoas na lógica do sistema capitalista: trabalho, produção, ascensão social e consumo. Qualquer análise para além disso só pode ser devaneio da turba anticomunista hidrofóbica que existe no país.
Obviamente que ao optar por esse caminho, Lula buscou um pacto entre as classes. Buscou agradar latifundiários e sem terras, banqueiros e classe média, empresários e trabalhadores. Dois exemplos práticos: 1) O REUNI, que ampliou o número e o investimentos em universidades federais veio acompanhado do PROUNI e do FIES, que transferiu boas parcelas do dinheiro público para os empresários da educação em troca da ampliação do acesso ao ensino superior; 2) O “Minha Casa, Minha Vida” permitiu com que muita gente pudesse comprar um imóvel e ao mesmo tempo que aqueceu o mercado da construção civil (gerando muita renda e empregos diretos e indiretos) e enriqueceu ainda mais várias construtoras no país. Lula buscou conciliar, o que lhe valeu inúmeras críticas e abandono de quem estava mais à esquerda desse projeto. Foi um erro? No meu ponto de vista, não. Mesmo tendo uma posição ideológica, filosófica e utópica muito mais à esquerda do que o Lula, sempre enxerguei nesse tipo de governo algo mais ou menos limítrofe possível de se fazer em uma democracia dentro do sistema capitalista. Daria para ir além? Talvez. Talvez uma reforma tributária que desonerasse os mais pobres (tirando o imposto sobre o consumo) e os pequenos e médios produtores e empresários e cobrasse mais de quem tem mais. Mas pensem? Se Lula e o PT foram simplesmente descartados fazendo uma política de conciliação, imaginem o que aconteceria se ele optasse por uma política de enfrentamento.
Dito isso, lendo e ouvindo inúmeros especialistas nesses últimos tempos, sejam eles juristas, sociólogos do direito e/ou jornalistas, muitos deles antipetistas e antilulistas de carteirinha (Reinaldo Azevedo, por exemplo, foi o jornalista que criou o termo Petralha), tenho absoluta certeza que Lula foi condenado sem provas. O apartamento do Guarujá, causa da condenação, que teria sido adquirido por Lula com fruto de corrupção, está penhorado para pagar dívidas da empreiteira OAS. Oras, mas o apartamento é de Lula ou da OAS? Não há provas apresentadas nesse caso. Se existem, elas não estão arroladas no processo.
Isso faz de Lula inocente? Não necessariamente. Isso quer dizer que ele foi condenado nesse processo sem provas. Você pode até ter a certeza que ele roubou o país. Mas a nossa convicção deveria valer para justiça tanto quanto a flatulência de um equino. Em qualquer estado democrático de direito cabe ao acusador apresentar as provas para condenar o acusado. Acusar baseado em um desejo coletivo de um grupo social é algo típico de um estado de exceção. A própria contradição da ministra do STF Rosa Weber (no caso do Habeas Corpus) em dizer que vota contra a constituição para fazer valer a vontade da maioria (e, segundo alguns especialistas, se dobrando às ameaças do exército) é sinal cabal desse estado.
Eu acredito que Lula é inocente? Primeiro: aceitar as doações milionárias das empreiteiras para fazer campanha era a regra do jogo eleitoral. Era impossível disputar as eleições com chances de ganhar sem essa verba. TODOS os grandes partidos abocanharam fatias enormes dessa doação: PT, PSDB, PMDB, DEM e cia limitada (Jair Bolsonaro, inclusive). Segundo: convenhamos que um presidente não precisa de dinheiro de corrupção para comprar um apartamento no Guarujá – seria o homem que teria a inteligência para ser o chefe do maior esquema de corrupção da História do país descuidado o suficiente para aceitar um apartamento fruto de corrupção, perfeitamente possível de comprar com o seu próprio salário? Pode ser. Eu não acredito. Mas pode ser. Contas na Suíça, apartamento em Paris, mansão em Miami? Não. Um AP no Guarujá. Então Lula é inocente? Até agora provas não foram apresentadas. Portanto, segundo o estado democrático de direito que defendo, ele ainda é inocente.
Assim, Lula até o momento está sendo vítima de clara perseguição política. A justiça o julgou em uma velocidade inédita. Condenou sem provas. Não permitiu que ele recorresse em liberdade até o último recurso baseado em votos que manifestadamente contrariou a constituição. Teve seu mandato de prisão expedido em tempo recorde. Mas isso tudo importa menos do que a segunda informação: ele foi condenado sem provas. Veja bem. Não estou dizendo que só ele foi preso enquanto todos os outros (Aécio, Temer, Alckmin...) estão soltos. Estou dizendo que ele foi condenado SEM PROVAS. Não estou dizendo que ele é inocente. Não estou dizendo que é culpado.
Se você concorda com a prisão do Lula e chegou ao final desse texto, espero que você reflita minimamente sobre ele. Estou à disposição para dialogar, mandar textos, dados estatísticos e fontes. É só me escrever. Faço questão de respondê-los pessoalmente, na medida do possível. Caso você continue concordando com a prisão do Lula, ao menos admita que você abre mão do estado democrático de direito para encarcerar aqueles que você não gosta (ou considera culpado de alguma coisa). Só não esqueça: hoje é o Lula. Amanhã pode ser você.
EDIT-PS: Pessoas, escrevi esse texto para "consumo interno" entre as pessoas que tenho amizade e que não compactuam da mesma visão. A postagem, entretanto, ganhou dimensões inimagináveis para mim. Peço desculpas não conseguir responder todos que me enviaram comentários e/ou mensagens inbox. Não sou blogueiro, nem trabalho com internet. Jamais conseguiria dar conta de responder um terço das mensagens que recebi. Quanto aos dados que prometi, cheguei a enviar para algumas pessoas. Mas pesquisem! Recorram a trabalhos científicos sobre os temas. Cruzem dados. Usem fontes nacionais e internacionais. Jamais aceitem nenhuma visão como a única do processo (nem a minha). Tentem entender o outro ponto de vista. É um exercício interessante de empatia. Abraços e paz!
SOBRE
O 'MITO' LULA...Imagina um Raul Seixas, um Gandhi, Luther King, Mandela
(só homem, mulher tá cuidando das crianças na História da humanidade,
são mortas cedo ou têm suas histórias abafadas)...
Mas, imaginem esses caras SEM EGO! Um ego fraco faz o que mesmo? Muda alguma coisa?
Gandhi mudaria a vida do povo indiano pedindo desculpa por ter ego? Por ser quem era?
A diferença está entre um ego forte num ser humanizado ou num nazista, fascista, desumano
Um dos pontos da luta de Gandhi era a igualda para as mulheres indianas. Lula foi capaz de levar uma mulher à presidência dessa republiqueta onde todo mundo dá pitaco apaixonado em tudo... Até eu
Desculpe, Eliane Brum... Quem sou eu pra falar, né mana?
Mas, imaginem esses caras SEM EGO! Um ego fraco faz o que mesmo? Muda alguma coisa?
Gandhi mudaria a vida do povo indiano pedindo desculpa por ter ego? Por ser quem era?
A diferença está entre um ego forte num ser humanizado ou num nazista, fascista, desumano
Um dos pontos da luta de Gandhi era a igualda para as mulheres indianas. Lula foi capaz de levar uma mulher à presidência dessa republiqueta onde todo mundo dá pitaco apaixonado em tudo... Até eu
Desculpe, Eliane Brum... Quem sou eu pra falar, né mana?
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