– on 01/07/2018Categorias: Alternativas, Brasil, Comportamento, Destaques, Mundo, Sociedade
Diante do desencanto com as instituições, multiplicam-se as
iniciativas que criam, em torno dos parlamentares, pequenas comunidades.
Mas a saída será efetiva, sem reforma política?
Por Saulo Francisco Paganela e Keli Magri
O surgimento de novas tecnologias associado a uma mudança de cultura
tem provocado uma nova consciência na forma de consumo e de
comportamento na sociedade. A tendência agora é compartilhar.
Você certamente já dividiu uma viagem de carro, descolou uma carona,
usou um desses aplicativos para transporte, rachou TV a cabo e internet
ou compartilhou um quarto, hostel, casa ou apartamento durante uma
viagem… Ou então planejou caronas na empresa que reduziram tempo e
custos para todos…Certo?
Essa tendência que une as pessoas em torno de um
objetivo/gosto/projeto/interesse em comum e permite a troca de
experiências também alcançou a política. Com maior consciência do
espírito coletivo, as pessoas começam a enxergar que o compartilhamento
de serviços, de relações, de ideias, de projetos e até de mandatos
públicos podem facilitar o trabalho, encurtar caminhos, agilizar ações e
baratear custos.
É justamente esta filosofia de união e inter-relação que entra no cenário político para desafiar o sistema eleitoral os mandatos compartilhados,
uma espécie cooperativa de cidadãos comuns. É quando duas ou mais
pessoas se unem em torno de um nome ou de um número para tentar uma vaga
eletiva, especialmente no Legislativo, e passam a compartilhar o
mandato depois de eleitos. Isso significa que o mandato não é de um, mas
de todos que contribuíram para a eleição. Toda e qualquer decisão será
tomada pelo grupo, como as votações do projetos e ações em Plenária.
O modelo de mandato compartilhado conta com experiências no Brasil e
no mundo. Países como Suécia (2002), Austrália (2007 e 2013), Estados
Unidos (2010) e Argentina (2013) já utilizaram a estratégia para eleger
candidatos referendados pela coparticipação popular. Os números são de
pesquisa feita em 2017 pelo Instituto de Políticas Públicas (PVBLICA) em
Santa Catarina.
No Brasil, nas eleições de 2012, 2014 e 2016, 67 entusiastas do
mandato compartilhado concorreram ao cargo de legisladores em 46 cidades
de 11 Estados, representando 19 partidos políticos distintos. Juntos,
eles atingiram a marca de 256.011 votos válidos. Destes, oito candidatos
foram eleitos em quatro Estados diferentes: Goiás, Rio Grande do Norte,
Minas Gerais e Santa Catarina.
Em 2016, por exemplo, um grupo de cinco pessoas em Alto Paraíso de
Goiás fez campanha de forma coletiva e conquistou uma cadeira na Câmara
de Vereadores, com 148 votos. O advogado João Yuji foi o candidato
formal, compartilhando o mandato com o turismólogo, jornalista e guia
turístico Ivo Anjo Diniz, a bióloga Laryssa Galantini, Luiz Paulo Veiga
Nunes (engenheiro industrial e analista de sistemas) e Cesar Adriano de
Sousa Barbosa (químico). Todos participam das sessões e têm voz nos
projetos e nas votações.
Também em 2016, o grupo mineiro Muitas formado por 12 mulheres elegeu duas delas para a Câmara de Belo Horizonte.
Outros três vereadores foram eleitos com a proposta de mandato
compartilhado em Santa Catarina (Joaçaba, Itajaí e Blumenau), um
deputado estadual e dois vereadores em Minas Gerais e um deputado
estadual no Rio Grande do Norte, entre 2012 e 2016.
Em 2018, a tendência é de ampliação do número de mandatos
compartilhados no Brasil, sustentada pela proposta de maior participação
popular nas decisões políticas. Diante do cenário conturbado e de
descrédito em relação ao atual sistema político, o compartilhamento
surge como uma resposta à crise de representatividade e impõe mais
atitude e responsabilidade à quem não quer ficar alheio.
Mil cidadãos buscam uma vaga em Santa Catarina
A proposta de mandato compartilhado uniu um grupo de perfis diversos
de cidadãos dispostos e discutir e a participar efetivamente da
política, em pleno ano eleitoral e em meio à crise que prevê maior
afastamento dos brasileiros das urnas.
Na contramão, este seleto grupo é formado por 1.000 pessoas ávidas
não só a votar em outubro, mas também a ter poder decisório sobre as
pautas de interesse público na Assembleia Legislativa de Santa Catarina,
estado com 7 milhões de habitantes e pouco mais de 5 milhões de
eleitores.
A proposta é liderada pelo professor de Administração Pública da
Udesc (Universidade Estadual de Santa Catarina), Leonardo Secchi, de
Florianópolis. Como doutor em Ciências Políticas e Públicas e
pesquisador da área, Secchi defende a participação popular nos mandatos
como uma forma de recuperar o interesse das pessoas na gestão pública.
Para isso, montou uma rede de pessoas em todo o Estado interessadas
em política, criou o projeto chamado CoDeputado para a campanha
eleitoral em busca de uma vaga na Assembleia Legislativa catarinense.
Caso eleito, propõe compartilhar o mandato com seus 1.000 CoDeputados.
Essa divisão significa que cada um deles terá 0,1% do poder de voto
sobre pautas e projetos que tenham interesse público. A proposta, caso
concretizada, é inédita dentro do parlamento estadual:
“Os CoDeputados ajudarão na campanha e depois participarão da votação
dos projetos por meio de um aplicativo de celular. Eu serei o
representante do mandato compartilhado, mas todos os 1.000 serão
eleitos, caso atinjamos os votos necessários” explica o professor, ao
destacar também a estratégia do projeto para equilibrar a participação
partidária. “Todos os projetos que entrarem na Casa que tiverem impacto à
população serão votados pelos CoDeputados. O que a maioria decidir,
referendarei em Plenária. É essa a ideia de compartilhamento. Já os
assuntos que entram na esfera político-partidária, como a escolha do
presidente da Assembleia, formação de comissões, por exemplo, terão
votação do meu partido (PSB). É uma forma de equilibrarmos a democracia
representativa diante do novo modelo proposto.”
Para Secchi, assim como para a maioria dos novos postulantes aos
cargos públicos, a maior dificuldade da campanha será a arrecadação de
recursos. Porém, a união de 1.000 pessoas em torno do projeto que usará
crowdfunding, pode facilitar o acesso. “Muitos doando pouco é a essência
do crowdfunding, o que também simboliza a ideia de coletividade, de
compartilhamento” afirma Secchi, que pretende arrecadar R$ 300 mil.
Representatividade e transparência
Para o professor, muito além de estratégia eleitoral, o mandato
compartilhado é uma forma de inovação política que possibilita maior
participação e transparência:
“Enquanto em um mandato legislativo tradicional o eleitor muitas
vezes se decepciona com o político por conta de traições, falta de
transparência e defesa de interesses individuais ou corporativistas, em
um mandato compartilhado, o CoDeputado sabe exatamente como o legislador
irá posicionar-se em cada votação Plenária. É uma espécie de
cooperativa política de cidadãos comuns. O modelo também radicaliza a
transparência na atuação parlamentar para auxiliar o controle social.
Muitas cabeças pensam melhor do que uma. Essa é a essência”.
Participação nas decisões desperta interesse
Entre os 1.000 apoiadores do mandato compartilhado liderado pelo
professor, está o casal José Antônio Bill e Maria Cristina Carline. Ele é
representante comercial e ela estudante de Pedagogia e há oito anos
deixaram Minas Gerais para morar na pequena cidade catarinense Ibirama,
distante 200 km da capital Florianópolis. Foi durante uma palestra do
professor Leonardo Secchi que o casal conheceu o projeto e decidiu
tornar-se CoDeputado.
“Queremos participar das decisões no Estado, este é o primeiro ponto
que nos despertou interesse. O outro é que acreditamos muito no Leo, ele
nos passa confiança, competência, currículo, transparência” diz José
Antônio.
“Eu sempre preferi manter meu voto como secreto, porque não gostava
de me expor. Não discutia ou participava da política. Esta será a
primeira vez que declaro abertamente e que vou participar efetivamente
do processo. Em meio à tanta descrença, poder acreditar em alguém que
tem capacidade técnica para ocupar um cargo público e mais, poder
ajudá-lo a tomar decisões, é algo grandioso, que nos impõe maior
responsabilidade e consciência” completa Maria Cristina.
É o que também defende a servidora pública e membro do conselho
comunitário de Segurança em Timbó, no Vale do Itajaí, Ana Lucia Zemuner.
Ela tornou-se CoDeputada ao enxergar no mandato compartilhado uma
ferramenta real de mudança: “Hoje o eleitor só olha para os políticos na
hora de votar, porque tem que escolher. Depois que elege, lava as mãos e
deixa de exercer seu papel de cobrar, acompanhar, participar do
processo. Acredito que para haver alguma mudança real, as pessoas
precisam se envolver, precisam estar dentro do processo que só
funcionará com controle social. Essa é a minha escolha”.
A decisão de Ana também foi a da personal organizer Mariza
Pasa, de Chapecó, no Oeste Catarinense. Ela conta que viu no modelo uma
forma de recuperar a crença na política: “Eu nunca quis participar da
política, achava que ela não nos pertencia. Tinha até decidido que não
iria mais exercer meu poder de voto, por estar desacreditada. Mas,
quando conheci a proposta do professor, a formação e a qualificação
técnica dele, achei interessante e me prontifiquei a acompanhar. A
verdade é que tudo depende da política. Ao participar do mandato
compartilhado, fazer a minha parte no processo, espero estar plantando
uma sementinha de esperança, que a gente tem que regar e cuidar para que
ela cresça e sobreviva”.
Tecnologia e democracia
O estudo encabeçado pelo Instituto de Políticas Públicas (PVBLICA)
também demonstra que, por parte das iniciativas eleitas, as tecnologias
vêm sendo utilizadas em larga escala na busca da participação popular
dos mandatos compartilhados. Em sua grande maioria, os mandatos
compartilhados utilizam de aplicativos de celulares, grupos de discussão
e enquetes online como forma de fazer com que os cidadãos possam influenciar as decisões parlamentares.
A exemplo disso, o vereador de Belo Horizonte, Gabriel Marques Sousa
de Azevedo criou o aplicativo “Meu Vereador”, disponível para download
em celulares. O aplicativo, hoje com mais de 5.000 downloads, permite
que os eleitores cadastrados possam tirar fotos geolocalizando problemas
no município, acompanhem e votem nas propostas em pauta na Câmara
Municipal e agendem reuniões com o vereador.
“Atualmente a sociedade vivencia um relevante distanciamento entre os
eleitores e os representantes políticos. Considerando que as
competências do Vereador são representar, legislar e fiscalizar, a
representação adequada dos meus eleitores, por meio da sua participação
direta no aplicativo “Meu Vereador”, é essencial para desenvolver o meu
papel de maneira eficiente”, diz o vereador Gabriel.
Desafios do compartilhamento de decisões
A iniciativa dos Mandatos Compartilhados aproxima os cidadãos de seus
representantes, aumentando a fiscalização dos seus atos; insere os
atores no debate político, fazendo com que sua vontade possa ser
consultada antes da tomada de decisão do legislador; promove melhorias e
infere maior qualidade técnica nos projetos de lei propostos, visto que
a inteligência coletiva coloca diferentes áreas, características e
pontos de vista dentro mandato parlamentar; e, principalmente,
possibilita que o cidadão tenha uma parcela do poder de mando e
influência nos mandatos parlamentares.
Mas apesar disso, as iniciativas dos Mandatos Compartilhados
enfrentam desafios éticos em sua implementação. Segundo o Instituto
PVBLICA, foi possível identificar no Brasil legisladores que propunham
durante o período eleitoral o compartilhamento de decisões, mas que após
eleitos, não seguiam a decisão da maioria dos participantes. Dessa
forma, a essência do Mandato Compartilhado se perde em meio a interesses
particulares, já que a iniciativa movimenta os cidadãos ao engajamento
durante o período eleitoral e não se cumpre após a eleição do
mandatário, tornando-se em meio a outras tantas, mais uma proposta não
cumprida pelos representantes de nosso país.
Dessa forma, o compromisso com os cidadãos, com o empoderamento da
sociedade civil e com a democracia são pilares fundamentais no
compartilhamento do poder, sobrepondo-se a quaisquer outros interesses
particulares.
Assista/leia também:
Os quatro vídeos da série abaixo, podem ser solicitados e baixados na plataforma videocamp, para exibição coletivas com no minimo 5 pessoas, mediante cadastro prévio.
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