Memória cultural e socioeconômica
do FASC
Por Narcizo Machado (*)
São
Cristóvão é um misto de bucolismo e pouco desenvolvimento econômico.
Recentemente viveu instabilidade política, vários prefeitos afastados. Foi tema
nacional com um escândalo de desvio de recursos merenda escolar, através de
fraudes em licitação. Da atual administração, não me cabe no foco dessa matéria
analisar seu perfil de qualidade e de atuação política, apenas registrar o
ponto positivo e de referência de ter resgatado o festival de Artes de São
Cristóvão (FASC) desde 2017, pelo segundo ano consecutivo, a quarta cidade mais
antiga do Brasil respirou ares de liberdade, de criatividade e de um espírito
aberto ao encontro de gerações, cores e tribos. Afinal, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
pela vida”, como disse Vinícius de Moares.
O
FASC começou em 1972 criado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). A
instituição registra em seu portal como tudo começou, afirmando que o festival
foi criado em plena ditadura militar, mas que desde
sua gênese foi um espaço de liberdade. “Embora fosse uma resposta da
recém-instalada Universidade Federal de Sergipe (UFS) à convocação do Governo
Federal para que as universidades comemorassem o Sesquicentenário da
Independência do Brasil”, diz o texto. O inesperado aconteceu e os resultados
não se limitaram aos objetivos originais. A UFS foi buscar inspiração no modelo
dos festivais de arte que explodiam em todo Brasil.
“Em São Cristóvão assisti espetáculos artísticos que só foram
apresentados em Sergipe graças ao FASC, pois, não tinham apelo comercial
suficiente para virem por outro meio, embora tivessem grande relevância
estética”, afirma o militante da cultura, Antônio Passos. Foi essa memória
afetiva e histórica que fez o atual prefeito resgatar o festival, mas para além
disso, colocar São Cristóvão no cenário econômico do turismo cultural e de
eventos trará aos poucos dividendos financeiros para a primeira capital dos
sergipanos.
“O que considero fundamental ressaltar, apesar de todas as
dificuldades inerentes a um evento de grande porte, é o fato de que existe uma
dimensão socioeconômica a ser considerada no tocante ao FASC. Algo que vai
muito além de todos os benefícios subjetivos ligados à valorização da nossa
cultura, à preservação das nossas tradições, ao resgate da nossa identidade. Ou
seja, há um legado que é concreto, que é objetivo: o festival movimentou
diretamente a vida de muitas pessoas, garantindo-lhes um ganho econômico
efetivo, obtido com dignidade”, disse o prefeito em texto publicado em suas
redes sociais após evento.
Na cidade o
comércio foi preparado com treinamento e avaliação de estrutura e mercadorias,
para que não faltasse a oferta dos mais procurados. E a reclamação de que em
São Cristóvão não tem pousada. Problema sanado. As pessoas foram incentivadas a
ganhar dinheiro alugando suas casas e a prefeitura em parceria com Sebrae
treinou pessoas para implantarem hostels. Hostel é o nome moderno que se dá
para o conceito de albergue, um espaço onde se locam camas e onde a característica
marcante é a socialização. Em São Cristóvão existe um em funcionamento.
apresentação nas ruas da Chegança de Itabaiana.
Foto: Alexandra Dumas
E os grupos culturais locais foram incluídos? Sim, os grupos foram reverenciados em vários espaços e momentos. Em São Cristóvão são tradicionais o reisado, a Chegança, a Caceteira, a Langa, São Gonçalo, o Barcamateiros e o Samba de Coco. Houve apresentação de diversos grupos da cidade e de municípios vizinhos. “É uma chance de valorização de nossa cultura, de nossas raízes e de reverenciar quem a anos se dedica por manter viva essas expressões, essa tradições. Fazer um festival e não permitir a apresentação desses grupos seria como fazer um festival de artes sem arte”, analisou artista Cristina Barreto, que fez exposição de quadros no festival e adorou a apresentação dos grupos folclóricos.
O FASC tem um desafio que não é fácil de se cumprir. Se tonar mais
que uma festa turística e política que tem efeitos nas diversas dimensões da
sociedade. Ele precisa passar a ser um produto do povo de São Cristóvão de sua
cultura, espaço de seu protagonismo dos são-cristovenses, para nunca mais
deixar de ser realizado, para isso alguns problemas precisam ser superados. “A
população espera da prefeitura, que por sua vez espera do governo federal. O
festival nasceu nos tempos da ditadura e realizado por uma instituição que não
dialoga muito bem com a sociedade. Naquele tempo, por causa dessa razão e hoje
por conta de uma tradição elitista e excludente. Me refiro aqui a UFS e sua
parceira com a prefeitura de São Cristóvão no ciclo atual. A despeito do
discurso e até da vontade, porém não conseguem transformar completamente as
palavras em gestos ou atitudes. Outro problema é ter ficado dependente de uma
grande soma de recursos para a sua realização e ter ficado concentrado em
poucos dias”, refletiu o professor de história José de Oliveira.
Em 2018 foi realizada a 35ª edição, se não tivesse sido
interrompido estaria na sua 46ª, e porque teve essa parada? Porque não se
tornou raiz e não teve de seu povo o protagonismo. Se o FASC vencer a barreira
da memória do povo, terá vida longa e continuaremos a saudar sua memória
histórica e socioeconômica.
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