sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O peso kármico da história do Brasil

Os dois textos abaixo tocam na necessidade do quanto temos que cuidar da nossa psiquê individual e de nossa alma coletiva. E daí.  Haja educação popular, ação cultural de base comunitária, haja comunicação independente ou alternativa. Haja amor!  Como afirma Luiz Caldas em uma canção. Em outra, Almir Sater e Renato Teixeira também afirma que "é preciso amor pra poder pulsar."  E para concluir com Chico César,  podemos  afirmar: "O amor é um ato revolucionário."



"A conversão do Brasil "

"Eu fico vendo os meus amigos e amigas , companheiras e companheiros desesperados com as pesquisas,  com a votação  que o Bolsonazi tem , apesar de todas as barbaridades que ele já disse e fez .

E ficam ansiosamente tentando achar uma maneira de "virar voto" , de conquistar os eleitores do Ciro e da Tebet , os indecisos,  etc .

Eu entendo perfeitamente e também me sinto assim,às vezes. 

Acontece que , na minha opinião,  o destino do Brasil já está selado. Quer o Lula ganhe ou não. 

Quase metade da população apoia um fascista psicopata. 

E isso não vai mudar até o dia 30 . Ninguém vira fascista da noite pro dia porque leu uma fakenews no WhatsApp. É de uma superficialidade e desconhecimemto de psicologia brutais  acreditar que as pessoas mudam de opinião tão facilmente. 

É até um tanto arrogante achar que nós vamos "convencer" alguém a mudar de opinião e de voto só porque nós fazemos um "mansplaining" sobre o porquê dela ter que votar no Lula. Se fossem suficientes os argumentos sobre economia e pautas sociais ou mesmo as mortes da pandemia,  o Lula já teria ganho a eleição. 

As informações sobre quem é o Bolsonaro já estão por aí há muito tempo. Se a pessoa não viu quem ele é quando ele dedicou o voto dele ao Cel. Brilhante Ustra na votação do impeachment da Dilma,  por que veria agora ? 

Acho que a questão é muito mais profunda,  ou elevada. 

Uma pessoa que deixa  de votar no B.ou deixa de se abster pra votar no Lula passa por um processo que se assemelha mais à metanoia,  a uma conversão religiosa,  do que a um convencimento racional .

O que está em jogo efetivamente nessas eleições é a alma do Brasil,  e de cada pessoa.  O peso que a luz ou as trevas tem no coração de cada pessoa. É uma escolha da alma , do coração,  não da razão,  pelo menos não a princípio. É o discernimento que vem do coração. 

Eu não estou dizendo que as pessoas , a militância,  não deve panfletar , ir pras ruas , fazer carreatas, manifestações,  atuar nas redes sociais,  etc .

Tem que fazer tudo isso,  claro. 

Mas, o que vai fazer a diferença no final,  na minha opinião,  é um fator imponderável.  O peso do karma coletivo,  o destino , a luta entre a luz e as trevas no coração de cada brasileiro e brasileira . Deus e o Diabo na Terra do Sol .O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro,  em cada um de nós. Forças arquétipicas muito além do nosso controle racional. 

Vamos orar para que a Luz ilumine os corações e mentes  das e dos brasileiros até o dia 30 e vamos fazer a nossa parte, o nosso melhor ,  dentro das nossas possibilidades. 

Seja o que Deus quiser. Maktub."

João Cláudio Fontes,  Belo Horizonte,  19/10/2022


20/6/2018 LEONARDO BOFF 

A amplitude da crise brasileira é de tal gravidade que nos faltam categorias para elucidá-la. Tentando ir além das clássicas abordagens da sociologia crítica ou da história, tenho-me valido da capacidade elucidativa das categorias psicanalíticas da “sombra”e da “luz” generalizadas como constantes antropológicas, pessoais e coletivas. Ensaiei uma compreensão possível que nos vêm da teoria do caos, capítulo importante da nova cosmologia, pois deste caos, em situação de altíssima complexidade e jogo de relações, irrompeu a vida que conhecemos, inclusive a nossa. Esta mostrou-se capaz de identificar aquela Energia Poderosa e Amorosa que tudo sustenta, o Princípio Gerador de todos os Seres e abrir-se a Ele em veneração e respeito.


Perguto-me que outra categoria estaria no repositório da sabedoria humana que nos poderia trazer alguma luz nas trevas nas quais estamos todos mergulhados. Foi então que me lembrei de um diálogo instigante entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês (cf. Elige la vida, Emecé. B.Aires 2005) que durou vários dias em Londres. Ambos creem na realidade do karma, seja pessoal, seja coletivo. Prescindindo das várias interpretações dadas a ele, me parecia ter encontrado aqui aqui uma categoria da mais alta ancestralidade, manejada pelo budismo, hinduismo, jainismo e também pelo espiritismo para explicar fenômenos pessoais e coletivos.


O karma é um termo sânscrito originalmente significando força e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Este aspecto coletivo pareceu-me importante, por que, não conheço (posso estar equivocado) no ocidente nenhuma categoria conceptual que dê conta de um sentido de devir histórico de toda uma comunidade e de suas instituições nas suas dimensões positivas e negativas. Talvez, devido ao arraigado individualismo, típico do Ocidente, não tenhamos tido as condições de projetarmos um conceito suficientemente abrangente.


Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “debitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista, carrega esta conta por mais renascimentos possa ter, até zerar a conta negativa.


Toynbee dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco nossa história. A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.


Não se requer a hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo (p.384). As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos. C.G.Jung em sua psicologia arquetípica notara, de alguma forma, tal fato.


Apliquemos esta lei kármica à nossa situação. Não sera difícil reconhecer que somos portadores de um pesadíssimo karma, em grande escala, derivado do genocídio indígena, da super-exploração da força do trabalho escravo, das injustiças perpretadas contra grande parte da população, negra e mestiça, jogada na periferia, com famílias destruídas e corroídas pela fome e pelas doenças. A via-sacra de sofrimento desses nossos irmãos e irmãs tem mais estações do que aquela do Filho do Homem quando viveu e padeceu entre nós. Excusado é citar outras maldades.


Tanto Toynbee quanto Ikeda concordam nisso:”a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, através de uma revolução espiritual no coração e na mente(p.159), na linha da justiça compensatória e de políticas sanadoras com instituições justas. Sem esta justiça minima a carga kármica não se desfará. Mas ela sozinha não é suficiente. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade pra com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo “é a última realidade”(p.387). Uma sociedade incapaz de efetivamente amar e de ser menos malvada, jamais desconstruirá uma história tão marcada pelo karma. Eis o desafio que a atual crise nos suscita.


Não apregoaram outra coisa os mestres da humanidade, como Jesus, São Francisco, Dalai Lama, Gandhi, Luther King Jr e o Papa Francisco? Só o karma do bem redime a realidade da força kármica do mal.


E se o Brasil não fizer essa reversão kármica permanecerá de crise em crise, destruindo seu próprio futuro.


Leonardo Boff escreveu O destino do homem e do mundo, 12. ed., Vozes 2012.


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sábado, 16 de abril de 2016

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