A chacina é consequência de uma cultura de barbárie.
Jornalista Cristian Goes - Jornal do Dia
Impossível não se indignar com a chacina planejada, executada e protegida por alguns policiais militares – agentes do Estado - dentro do Hospital João Alves Filho, em Aracaju, no último final de semana.
Toda indignação impõe algum tipo de ação. Do ponto de vista pessoal, este modestíssimo texto, alguma reflexão e a necessária cobrança por transformações da ordem vigente.
Do ponto de vista do Estado, exige-se mudança profunda e duras e pedagógicas providências que o caso específico requer. A vida vivida, infelizmente, indica que nada vai acontecer e novos crimes de Estado vão continuar.
De ponto conceitual, quando escrevo “Estado” não me refiro tão somente ao Governo, ao Executivo. Estado aqui é o conjunto de organizações instituídas de poder. Assim, inclui-se aí Legislativo, Judiciário, Ministério Público.
É erro bastante comum é buscar explicações sobre a chacina planejada e promovida por alguns policiais militares no ato em si, isto é, no fato pelo fato. A chacina é consequência, resultado de uma cultura de barbárie.
Não consegue superar as versões simplistas do senso comum. Prende-se em afirmações determinantes sem razão, do tipo “bandido tem que morrer”, “foi um fato isolado”, “matou porque tinha matado o irmão”, e assim por diante.
As frases feitas servem para explicar, justificando de alguma forma a invasão protegida a um hospital público, a execução sumária de vidas inocentes e a fuga também protegida dos e por criminosos de farda.
Mas o porquê dessa chacina?
A resposta real não está localizada numa possível “troca de tiros” entre bandidos de farda e sem farda na periferia de Aracaju. Esta ação ilegal de policiais também é consequência.
A chacina é um fruto cristalino da ação de um Estado que estimula, com suas ações de omissão e apoio, as execuções sumárias de “suspeitos” pela polícia, apelidadas pela mídia palaciana como “troca de tiros”.
Não é de agora em Sergipe institucionalizou-se a execução de pobres suspeitos como forma de conter a “violência”. Basta ter cara de suspeito (negros, quase negros, quase brancos e pobres) para se julgar e executar sumariamente.
Há um pacto de silêncio e impunidade garantida entre as autoridades do Estado, a liberdade de ação para parte de bandidos de farda e um “apoio de opinião pública” construído pela mídia da Casa Grande.
A ideia de que pode matar que o Estado garante é cumulativa e autorizativa. Os fatos vão se sucedendo. Agentes do Estado, fardados ou não, excutam-se suspeitos, alegam que foi troca de tiros, fazem uma apuração de araque, o caso some da mídia e tudo fica impune.
Ou seja, agentes do Estado, protegidos por uma impunidade compartilhada pelo Executivo, Legislativo, Judiciário e mídia, sentem-se apoiados e liberados para continuar executando acima de qualquer lei humana.
Quem não lembra o caso Jonatha? Esse adolescente e mais três “suspeitos” de matar um policial, foram vítimas de uma chacina (por vingança), isto é, foram executados pela polícia. Versão oficial: troca de tiros, afinal de contas, “bandido tem que morrer”. Resultado: silêncio (apoio) do Estado.
Agora, policiais militares invadem um hospital atrás de suspeitos, repito, suspeitos, com apoio e proteção de vários policiais, agridem com chutes e socos pessoas que estão sendo atendidas, e executam quem estava ferido (três pessoas), ameaçam parentes e saem livremente de lá protegidos (apoiados) pelo Estado.
Qual o argumento dos bandidos de farda, os que executaram? “os marginais feridos e que estavam sendo atendidos no hospital atiraram contra eles”. Mais uma “troca de tiros”. Parece hilário, mas é uma realidade dada e fundamentada em todos os casos anteriores.
Silêncio do Governo, diretamente responsável por bandidos fardados. Nova apuração de araque. E em poucos dias assassinos que foram presos serão libertados com apoio do Ministério Público e Judiciário.
É preciso que entidades civis e os parentes dessas vítimas denunciem o Estado de Sergipe nas cortes internacionais por crime de Estado, além de exigir altíssimas indenizações por esses crimes.
Um Governo sério e comprometido com a vida humana, seja lá de quem for, diante de fatos gravíssimos como esses, devia ter imediatamente exonerado todo comando da PM e toda cúpula da Segurança Pública.
São ações pedagógicas, indicativas de que não compactua com os crimes, além de ser inibidoras de uma cultura de barbárie. Mas o que fez o Estado? Exatamente o contrário. Mate que o Estado garante.
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