sábado, 12 de maio de 2012

Ruralistas barram punição a escravocratas

Fonte: Carta Capital

Trabalhador resgatado em fazenda no Pará, Foto: Leonardo Sakamoto/Repórter Brasil
No dia 13 de maio, a Lei Áurea completa 124 anos sem resolver completamente o problema da escravidão no Brasil. Nesta semana, mais uma chance de por fim a esta questão foi postergada pela Câmara dos Deputados. Na quarta-feira 9, o presidente da Casa, Marco Maia, adiou a votação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do Trabalho Escravo para o dia 22 deste mês. O principal motivo para o adiamento é o polêmico ponto da proposta a permitir  a expropriação de propriedade urbana ou rural em que seja constatado o trabalho escravo. Para os parlamentares ruralistas a bloquear a votação, o projeto não é claro ao definir o que é trabalho escravo e em quais situações as propriedades seriam expropriadas.
Com isso, a proposta segue emperrada e com baixas chances de ser aprovada. Um levantamento realizado pela CartaCapital revela que quase 40% dos parlamentares da Câmara – mais precisamente 205 deputados – fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária. Além desses deputados, a frente ainda conta com o apoio de 14 senadores, entre eles o senador João Ribeiro (PR-TO), réu em um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) de exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Segundo dados do relatório da Comissão Pastoral da Terra, divulgado no início desta semana, 4395 trabalhadores foram denunciados em situação análoga à escravidão ou em condições de superexploração, em 2011, no País.
Grande parte destes trabalhadores foi encontrada pelos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho realizando principalmente atividades de pecuária, carvoaria e lavoura. Os estados com o maior número de ocorrência foram: Pará, Tocantins, Goiás, Maranhão e Minas Gerais.
Os homens aliciados para servir de mão-de-obra escrava provém de áreas carentes e de baixo desenvolvimento do País
Estes estados, que fazem fronteira entre si, também fazem parte da rota de deslocamento da agropecuária do Sudeste em direção do Noroeste brasileiro – prática iniciada e incentivada na ditadura. “O trabalho escravo está vinculado com a expansão do agronegócio, que avança tecnologicamente nas práticas produtivas, mas sem o avanço social esperado”, diz o padre Antônio Canuto, secretário da Comissão Pastoral da Terra.
Segundo Eduardo Girardi, vice-coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) da Unesp, o trabalho escravo no campo é utilizado em atividades agropecuárias e em atividades que exigem um maior esforço físico, como desmatar áreas e o trabalho em carvoarias.
“Muitos trabalhadores são aliciados em regiões pobres do País com a perspectiva de trabalho para sair da miséria. Daí, vão para fazendas em regiões remotas e com vigias armados os obrigando a trabalhar em condições insalubres, com jornadas de mais de doze horas de trabalho por dia e sem a liberdade de ir e vir”, relata Girardi.
Multinacional
O avanço mais expressivo das ocorrências de trabalho escravo aconteceu no Mato Grosso do Sul. Em 2010, o estado teve duas ocorrências, com 22 trabalhadores denunciados em condições análogas à escravidão. Todos foram libertados. Já em 2011, foram quatro ocorrências e o número de trabalhadores denunciados saltou para 1293, dos quais 379 pessoas foram libertados.
Mapa das ocorrências do trabalho escravo no Brasil
Desses trabalhadores, 827 trabalhavam na propriedade da Fazenda Cruzeiro do Sul e da Infinity Agrícola S/A.
“Essa Infinity é uma multinacional, com sede no arquipélago das Bermudas, que comprou terras nos estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul para investir no setor açucareiro e do etanol”, conta o padre Canuto.
Atualmente, o Brasil possui a lista suja do trabalho escravo e os grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho, que age em conjunto com a Polícia Federal, como instrumentos de combate ao trabalho escravo. No entanto, as punições são brandas.
“Propriedades que fazem uso do trabalho escravo infringem a lei trabalhista e recebem uma multa por cada trabalhador em condições de superexploração ou escrava, além de pagar o salário, os direitos trabalhistas e a passagem de retorno de cada trabalhador para sua cidade de origem”, explica Girardi. “No final, é muito vantajoso, sob o aspecto financeiro, ter trabalho escravo”, completa.
Além disso, as empresas também podem responder no aspecto penal. Caso se confirme que os trabalhadores foram aliciados a pena vai de um a três anos de reclusão mais a multa. Nos casos de manutenção do trabalhador em condições análogas à escravidão a pena varia de dois a oito anos de prisão. No entanto, as empresas raramente são punidas. “Durante o processo pode-se alegar que havia manifestções de liberdade entre outros argumentos que pode as inocentar”, diz Paulo Sérgio João, professor de direito trabalhista da Fundação Getúlio Vargas.
Barraca onde trabalhadores estavam alojados. Foto: Leonardo Sakamoto/Repórter Brasil
Já segundo o professor da Faculdade de Direito da USP, Nelson Mannrich, existe um problema conceitual. “O Ministério do Trabalho deve definir de maneira clara o que é trabalho escravo e o que é condição degradante de trabalho para que as punições ocorram nos casos em que devem ser aplicadas”, diz Mannrich.
Desde 1985, a Comissão Pastoral da Terra registrou 1220 ocorrências de assassinato e 1616 vítimas provenientes de conflitos agrários – por motivos que vão desde a escravidão até a ocupação de terras. Até hoje, apenas 97 foram julgadas. “A impunidade nesses casos é histórica”, afirma o padre Canuto.
Com isso, a PEC, que voltará ao plenário no dia 22, pode ser um instrumento para, de fato, inibir essa prática. “O fato da PEC prever a expropriação de propriedades é um grande avanço. Agora, caso a emenda seja aprovada sem essa medida será uma afirmação do caráter arcaico e explorador da legislação brasileira”, conclui.

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