terça-feira, 19 de abril de 2016

Repensando a direção e os formatos de coletivos, organizações e movimentos progressistas num Brasil em transe.

  É vero!! Em tudo há um lado bom, mesmo em meio as derrotas e dificuldades. Da derrota deste último domingo (17/04), podemos perceber alguns aspectos positivos. 1- Temos a mobilização acima do esperado de amplos setores da sociedade brasileira, ao perceber os riscos que muitas conquistas sociais estarão correndo, caso o golpe seja consumado.
2 - A exposição pública a que a câmara dos deputados foi exposta, revelando uma cara ainda pior do que se imaginava.
3 - A garra, a energia e a criatividade da juventude, como é peculiar a maioria dessa faixa etária.
4 - O protagonismo da arte e dos artistas, Em especial nas últimas semanas de resistência ao golpe em curso.
5 - O vexame dos golpistas terem um aliado como Eduardo Cunha, conduzindo o julgamento do impedimento da presidente Dilma.
6 - Os argumentos frágeis e inconsistentes contra a presidente Dilma.
Como disse o comentarista Paulo Vannuchi, da Rádio da Rede Brasil Atual. Há derrotas que carregam sementes de vitórias e vice e versa. Ter uma presidente honesta, tendo a frente do seu julgamento, um bandido como Eduardo Cunha, tem o efeito de mostrar os reais interesses que estão em jogo., Mesmo que muitos não queiram admitir.

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A crise ética e politica, cuja votação do impedimento da presidente Dilma, realizada por um congresso completamente rebaixado, como constatado na tarde e noite de ontem (17/04), revela o fim de um ciclo. Porém, em uma dimensão muito maior do que muitos de nossos intelectuais, dirigentes ou militantes/ativistas de esquerda percebem. O que precisa ser revisto:
1 - Referenciais teóricos;
2 - Modelos ou modos de organização interna;
3 - Modelos ou modos de relacionamento como quem está dentro e com que está fora das organizações e/ou partidos. 

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“A guisa de conclusão, a questão do sucesso do enfrentamento dessa guerra ideológica e midiática, perpretada pelas elites, passa por essa compreensão. Além de ser amparada na melhoria continua dos indicadores econômicos e sociais, precisamos conhecer e valorizar os aspectos ligados as tradições, aos costumes, as crenças, aos velhos e novos hábitos comportamentais, ou seja, a dimensão da cultura nesta luta, não pode continuar sendo desconsiderada ou colocada em segundo plano.”
http://acaoculturalse.blogspot.com.br/2016/04/como-cultura-do-brasil-profundo-pode.html C

Zezito de Oliveira

As duas faces da resistência ao golpe

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O urgente é afirmar a ilegitimidade de Temer e enfrentar seu programa de horrores. Mas o essencial é encarar o imenso trabalho de reconstruir um projeto de esquerda
Por Antonio Martins

Lá dentro, havia terminado, poucos antes, o espetáculo deprimente oferecido pelos homens brancos, cínicos e toscos. Diante do Congresso Nacional, Guilherme Boulos empulhou o microfone e se dirigiu às milhares de pessoas que – tanto em Brasília, quanto em dezenas de cidades – acreditaram que poderiam, com seus corpos, frear o golpe urdido pela TV Globo, pelos maiores empresários e pela mídia.

Não foi possível, por enquanto. Mas Boulos acredita que ainda estão rolando os dados. “O Brasil todo sabe: o que acabamos de assistir foi uma farsa golpista, conduzida por um sindicato de ladrões”, frisou ele. E tirou as consequências: “Os golpistas não têm condições de governar este país. Nós não reconhecemos sua legitimidade. Este recado tem que ecoar país afora. Perdemos a batalha do carpete, mas vamos ganhar a batalha do asfalto. Não tem um minuto de trégua. Vai ter ocupação. Vai ter luta. Tomaremos este país, incendiaremos as ruas até derrotar os golpistas.”

É possível que o coordenador do MTST tenha razão. Agora, só uma surpresa muito improvável impedirá que Temer vista a faixa presidencial em cerca de quinze dias. Mas governar é outra história. Como dissera horas antes o jornalista e professor Igor Fuser, num debate organizado pelo jornal Brasil de Fato, o vice-presidente que conspirou contra sua companheira de chapa assumirá o palácio do Planalto em situação de fragilidade incomum. Entre a população, sequer os mais conservadores, que foram à Avenida Paulista ontem, o apoiam, como mostra o próprio Datafolha. No grupo, 54% querem também o impeachment de Temer, e 68% creem que um eventual governo liderado por ele será regular, ruim ou péssimo, (no Anhangabaú, onde se reuniram, em São Paulo, os que lutam contra o golpe, os números são, é claro, muito mais altos: 79% e 88%).

A mídia, é claro, dará uma mãozinha ao vice. Ainda que muito impopular, ele tem um trabalho a fazer em pouco tempo. Nos últimos dias, apareceu com clareza a agenda de concessões ao poder econômico, ataques aos direitos sociais e normatização moral conservadora que pretende cumprir, nos 32 meses que faltam para o final do mandato. Por isso, haverá certamente, nas TVs e jornais, muito foguetório quando Temer anunciar medidas demagógicas – como a redução do número de ministérios –, quando atribuir a seus antecessores a responsabilidade pela crise e também quando a Lava jato deflagrar, eventualmente, novas operações.

Mas haverá muitas pedras no caminho. O Orçamento do Estado é limitado, ainda mais para os defensores da ortodoxia econômica. Fazer grandes concessões ao capital implicará cortar direitos e programas sociais. As maiorias – inclusive os que se deixam hoje seduzir pelo impeachment – aceitarão? Um presidente não referendado por eleições, e a quem as pesquisas de intenção de voto atribuem 1% das preferências do eleitorado, terá força para impor medidas antipopulares? Mais: a oposição a Dilma é uma rinha de egos. A pouco tempo das eleições presidenciais, para governadores e o Congresso, haverá unidade entre ministros e parlamentares?

É nesta brecha que Boulos acredita. A Frente Brasil Popular (formada basicamente por centrais sindicais e partidos de esquerda) e a Frente Povo sem Medo (bem mais à esquerda, articulada em torno do MTST) lançaram, já no domingo, um apelo conjunto que esboça uma tática e uma agenda de lutas. Haverá ainda pressão sobre o Senado (que deverá se pronunciar sobre o impeachment por volta de 10 de maio). Para organizá-la, prepara-se um 1º de Maio expressivo, convertido em Assembleia Nacional da Classe Trabalhadora. Preveem-se em “paralisações, atos, ocupações, já nas próximas semanas”.

Caso Temer ao final assuma, propõe-se “não reconhecer tal governo ilegítimo”, “combater cada uma das medidas que dele vier a adotar” e lutar por “uma profunda reforma do sistema político atual, verdadeira forma de combater efetivamente a corrupção”. A aposta é clara e ousada: reverter o golpe de ontem com mobilização popular e astúcia. Tirar proveito da impopularidade evidente de Temer e do desprestígio crescente do Congresso, onde 299 de 513 deputados foram condenados ou acusados de atos de corrupção.

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Suponha agora que o golpe tivesse sido derrotado, domingo à noite. Que, pressionados pela mobilização popular, 25 dos 367 homens brancos, cínicos e toscos deixassem de usurpar o voto de 54 milhões de eleitores e de escolher Michel Temer para a Presidência. Que Dilma despertasse ontem segura dos dois anos e meio restantes de mandato. Estaríamos bem? Prossiga um pouco, nas especulações. Relembre que, por treze anos, Lula e Dilma tiveram como parceira central de sua governabilidade, a mesma escória que ontem terminou por derrotá-los. O anonimato a escondia em gabinetes sempre frequentados por lobistas, em comissões de trabalho cujas pautas a velha mídia nunca revela, num plenário onde se aprovam sem qualquer debate público, leis, medidas provisórias e emendas à Constituição. Convocada, a escória deixou os corredores e expôs aos holofotes sua boçalidade orgulhosa.

O choque que as imagens provocaram está reavivando um questionamento distinto do de Boulos, e talvez complementar a este. A que beco nos conduziu o projeto de esquerda que evitou chocar-se com a institucionalidade conservadora; que recorreu à mobilização popular só em casos de emergência; que não ousou falar em reformas estruturais; que se acomodou, em seus momentos mais infelizes, a medidas que devastavam sua própria base – como o “ajuste fiscal” implementado por Dilma?

Este questionamento não é, em si, inédito – mas algumas reflexões recentes sugerem que está se refinando e difundindo. Não se trata de repetir a antiga crítica de partidos e correntes mais à esquerda, segundo as quais o PT “endireitou”, ou “adaptou-se à ordem burguesa” (uma versão recente deste argumento pode ser encontrada numa postagem recente do historiador Henrique Carneiro). Também não é apenas uma observação sobre como certa esquerda governista aceitou os limites da institucionalidade e respeitou tanto seus métodos e costumes que acabou reproduzindo-os ela mesma (vide a promiscuidade com as empreiteiras, ou o desvio de recursos da Petrobras para financiar campanhas eleitorais).

O que há, além disso, em alguns textos muito recentes, são duas novidades. Primeiro, seus autores não se limitam a criticar o PT e seus aliados – parecem dispostos a assumir responsabilidades na construção de novos projetos e práticas. Evita-se o simplismo das disputas autofágicas. “O jogo de acusações é divisionista e pueril. Do mais realista ao mais idealista, do mais institucional ao mais anárquico, apesar das intenções, o fato é que ninguém conseguiu chegar lá. E a tarefa agora é (pro)positiva, aprender com os erros (já que por ora estamos vivos), ter frieza e criar incessantemente”, afirma o advogado Hugo Albuquerque, ligado à sensibilidade negriana. Além disso, não se fazem observações apenas conceituais. Propõe-se ir além das formas convencionais de ação política (sem, contudo, negá-las); compreender a dimensão possivelmente transformadora da cultura e das ações cotidianas; dialogar com grupos às vezes estigmatizados, como os evangélicos.

Ao comentar a votação de domingo, na Câmara, o cientista político Henrique Costa consegue, por exemplo, ver bem mais que um show grotesco. “Poderíamos aprender algo com essa bizarrice e reconhecer que não conhecemos o Brasil, ao invés de continuar achando que esse horror caiu do céu”, adverte ele. Em seguida, indaga, provocativamente: “Como fazer proposta de mudança sem saber do que tratamos, os desafios que a realidade impõe?” E emenda: “O discurso do ‘analfabetismo político’ é, pois, nada mais que elitismo mal disfarçado. É estar comodamente acima da barbárie pedindo ‘mais amor’, enquanto lá embaixo tem milícia, seita evangélica, chacina e linchamento”.

Presidente recém-eleita da Associação dos Docentes da UFRJ (Aduferj), a matemática Tatiana Roque também se debruça sobre espetáculo dos deputados. Ela indaga-se: “Minha família, meus filhos, meu deus, minha pátria. Como isso ganhou tais proporções”? Responde com uma hipótese sofisticada. Para Tatiana, o crescimento do discurso conservador tem a ver tanto com as virtudes quanto com os limites do projeto lulista. “Um mínimo de diminuição da desigualdade, em um país construído sobre o privilégio, com relações sociais calcadas na desigualdade e na exploração, já faz muita coisa explodir. (…) O inconsciente que explodiu o macho-adulto-branco-sempre-no-comando é sim produto das políticas de redução da desigualdade, de inclusão, da radical transformação na universidade. Foi pouco? Foi, mas precisava de pouco pra explodir.”

Tatiana observa, a seguir: transformações libertárias do cotidiano são sempre bem-vindas, mas não bastam. Diz ela: “Organizar essas forças é um passo adiante. E aqui o PT falhou feio, assim como toda a esquerda. Os arcaísmos funcionam tão bem, hoje em dia, porque não há perspectiva de transformação na ordem das relações de forças, no plano de uma nova institucionalidade”. Por fim, a professora provoca novamente. Se “a inclusão da vida no fazer político aparece nas lutas das mulheres, nas causas LGBT e trans, na força dos movimentos de negras e negros”, “então como criar espaços de pertencimento transversais para que tais lutas possam ser mais do que reconhecimento e identidade? Elas não podem ser somente iniciativas por fora do sistema político. Se não encontrarmos um jeito de incluir a subjetividade na política, de criar esses espaços de conexão e de subjetivação coletiva, correremos o risco de entregar para a igreja e para a família todo esse plano pulsante dos afetos, da espiritualidade e dos modos de vida”.

Num comentário ao que Tatiana escreveu, o artista visual e fotógrafo Amílcar Packer mostra que é possível encontrar sentido político transformador em muitas práticas relacionadas ao que sua interlocutora chama de “novos modos de existência, novos corpos e novas sexualidades”. Diz Amílcar: “Há muito a fazer e os processos são mais lentos e complexos do que talvez alguns chegaram/chegamos a pensar. O trabalho das neopentecostais, por exemplo, vem sendo feito há décadas e de maneira molecularizada e presencial (…) Se tem skinhead na Paulista em frente à Fiesp, no dia seguinte pode haver capoeira na esquina com a Augusta, Democracia Corintiana e Periferias contra o golpe” (…) É pouco? Talvez só nisso discorde [de Tatiana], porque é nos detalhes e no “pequeno” que se produz a diferença e que se pode contribuir para a criação desses espaços transversais, pois são espaços do dia-a-dia”.

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Na luta contra o golpe, a surpresa mais inesperada foi o surgimento de um campo comum, reunindo setores de esquerda que se encontravam, havia muitos anos, divididos. Os protestos, que vão se multiplicando e adquirindo enorme capilaridade, reúnem uma galáxia de sensibilidades políticas, movimentos sociais, ativistas anônimos. Mas a quebra de barreiras culturais vai além. Nas últimas semanas, não foi raro ver, por exemplo, militantes sindicais promovendo ações de que estavam afastados há muito. Ocupam espaços públicos, acampam em tendas (em São Paulo, na Praça do Patriarca), organizam cozinhas coletivas. Ativistas de origens distintas, que se encontram nas manifestações, continuam a dialogar em enormes grupos que se formam nas redes sociais, no Whatsapp ou Telegram.

Um novo período vai se abrir, em breve, caso avance o golpe iniciado domingo na Câmara dos Deputados. Não se deve desprezar os riscos de retrocesso, em muitos terrenos. Mas a combinação das tendências apontadas acima parece promissora. Oxalá seja possível organizar, com perspicácia, uma resistência capaz de reduzir o espaço dos golpistas, desmascarar sua hipocrisia, acirrar suas divisões internas, levá-los a impasses – e ao fim inviabilizá-los. Oxalá sejamos, ao mesmo tempo, capazes de organizar o debate coletivo necessário para construir um novo projeto de pós-capitalismo.

 




Esquerda erra ao minimizar “Deus e a família”


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Plenário da Câmara? Não: “Cristo Carregando a Cruz” (Bosch, início do século 16)

Direita nada de braçadas no que se refere ao convencimento direto de setores majoritários da população; votos pelo “sim” no impeachment precisam ser estudados

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Onde a direita acerta? Há tempos penso em escrever algo nessa linha. Tentando identificar alguma fundamentação – ainda que tortuosa – em argumentos e fatos por ela utilizados em seu discurso. Ou estará ela errada o tempo todo, sob todos os aspectos? A esquerda precisa ignorar o papel do medo, por exemplo, na definição das opções políticas de cada cidadão? Por que deixar a direita nadar de braçadas em relação a determinados temas que interessam a todos os brasileiros?

Fiquei pensando nisso ao tentar rever a votação de domingo, em meio ao show de horrores na Câmara. Ainda que seja mais fácil maximizar uma fala especialmente grotesca, como a de Jair Bolsonaro (de certa forma bancando sua estratégia violenta), talvez falte refletir sobre o papel de Deus e da família na conquista de mentes e corações – e no quanto sair demonizando as duas palavras pode significar mais uma compra do jogo do adversário.

Muitíssimos indígenas são evangélicos. Ou cristãos. Não conheço indígenas ateus, talvez existam. No mínimo têm suas tradições religiosas, míticas, associadas à natureza. Cito-os neste dia 19 de Abril porque costumam ser esquecidos, mas a percepção de que a população – indígena, negra, branca – é majoritariamente religiosa não deveria ser esquecida na hora de desancarmos os deputados. Será que não desrespeitamos desnecessariamente crenças dos demais (como se não as tivéssemos) em vez de atacar somente a hipocrisia dos nobres deputados?

Falo de deuses e de famílias. No plural. Pois, a se julgar por algumas falas à esquerda, é como se a simples menção à palavra “família” fizesse o orador se alinhar ao que há de mais sórdido no planeta. Sim, eu sei da associação do termo ao conservadorismo, até mesmo à propriedade (pensemos na TFP, a Tradição, Família e Propriedade, organização de ultradireita). Mas será mesmo tão interessante agirmos como se as famílias não fossem uma dimensão importante do cidadão (e do eleitor)?

É claro que a agenda do Estado laico precisa ser divulgada. E não é disso que estou falando. E sim de certa precipitação nos discursos, da associação de todo evangélico à mais fina flor reacionária, e de certa presunção de que todos à esquerda seriam ateus. Não são. Temos umbandistas e católicos, judeus e espíritas. E temos famílias – famílias hétero, famílias gays, famílias. (Fico tentando imaginar alguém que tenha filhos que consiga fugir da definição mínima de família, ainda que viva numa comuna.)

Novamente: estou tentando dizer que se trata de combater a hipocrisia e a usurpação, de questionar o machismo e a vigarice religiosa na fala deste ou daquele deputado. Mas que é preciso ter cuidado com o preconceito e a demonização pura e simples – e olhem que termo foi utilizado aqui, “demonização”. A esquerda também tem suas crenças e cacoetes, também tem seus maniqueísmos e suas seitas. E está errando, está errando feio, está perdendo, continua perdendo. Até quando?

UMA DISPUTA RETÓRICA

Patético um deputado ir com filho a tiracolo no plenário para que ele diga o “sim”? Claro. Ou que outro deputado volte ao microfone porque esqueceu de mencionar o filho? Evidente. Mas a própria utilização da palavra “patético”, aqui, remete a uma tradição persuasiva, a um braço – tradicionalmente eficiente – da retórica. E a ausência de inclusão em discursos racionais das dimensões familiar e religiosa talvez escancare o terreno (simbólico) para que os conservadores nadem de braçada.

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Quem, de fato, defende a família nessa foto? (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Não, não estou pedindo para que deputados de esquerda dediquem voto à tia ou façam o sinal da cruz durante a fala. Mas que respeitem a tia e a cruz, e que façam uma desconstrução das hipocrisias e cafajestices atacando-as pelo que são, e não pelo que elas usurpam. Ou que se lembrem que famílias de camponeses são atacadas e expulsas no campo, que pais e mães perdem filhos diariamente por causa da violência promovida por falsos defensores da família. Por causa da violência de classe.

Era uma família em Imbituba (SC), no dia 30 de dezembro, aquela família indígena que tevê o bebê degolado na rodoviária. São famílias de agricultores e pescadores as atingidas pela política predadora do agronegócio, que tem metade dos votos na Câmara e mais da metade no Senado. É gente que acredita em Deus que tem seus filhos mortos por um sistema defendido pela bancada da bala, pela legião de Bolsonaros (não temos um só Bolsonaro) que se multiplica no Congresso.

Se a direita reduz, cabe à esquerda ser plural. Efetivamente plural. Mesmo Paulinho da Força terá uma família, por trás daquelas rugas pelegas. Paulo Skaf e cada dono golpista de jornal têm família. E eles usam o que têm de melhor (em muitos casos, apenas a própria família, ou a própria crença em algo transcendental) para parecerem mais humanos. Cabe também à esquerda se lembrar que atacar essas dimensões pode apenas referendar o discurso de que comunistas comem criancinhas.

O que está em jogo é a violência patrocinada por esses canalhas. O filho do deputado tal não tem culpa de nada, ele talvez pronunciasse “sim” sem os tons de cinismo do pai. Combater os privilégios de classe não implica ser cruel com a parte mais bela da vida desses senhores. Respeitar a mãe do ex-deputado Hildebrando Paschoal – aquele que motoserrava desafetos – deveria fazer parte da mesma ética que nos faz respeitar uma camponesa que, fervorosamente, reze todos os dias pelo fim da desigualdade.

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Escolinha do Professor Cunha expôs ao Brasil sua face bizarra e violenta



A política é um negócio sujo em Eldorado. O país fictício tem governantes corruptos no poder, partidários e aliados assassinos, fracos e extremistas — à direita e à esquerda — o que não facilita em nada a vida do povo, que não sabe para qual lado seguir; é facilmente enganado por palavras de consolo e de “estou anotando tudo, tudinho!” e festeja a chegada de um líder populista como se esta fosse a resposta para todos os problemas imediatos pelos quais passam: a falta de terra, a falta de emprego, a falta de comida.

A trama de Terra em Transe é uma alegoria política, um texto que faz uso de elementos históricos muito próprios do Brasil e da América Latina como um todo, especialmente porque não se nega a mostrar as diferenças sociais, a larga oferta de posturas político-ideológicas, o embate quase infantil entre povo e poder, o uso da força militar ou do assassinato político. Através de todos esses fatos observados no Terceiro Mundo, Glauber Rocha nos mostra a crônica de uma ascensão ao poder e sua subsequente derrocada.

Paulo Martins, o jornalista que assume a narração e o tom de quase letargia impresso ao roteiro, é o personagem de maior destaque do longa. É através dele que vemos os lados opostos da moeda, o conservadorismo de Diaz, o populismo ineficiente de Vieira. Com o sonho de ser poeta e falar sobre temas políticos, Martins é, na verdade, um observador desgraçado dos fatos que ele julgava ter algum controle sobre. Seu ego e talvez fé extrema nas mudanças sociais o fizeram apoiar e trair, difamar e promover campanhas políticas e representantes que um dia desprezara.

Fazendo uso de uma estética experimental muito particular, Glauber Rocha intensifica a sensação de transe no próprio público, que observa ente tiros de metralhadoras, música e Villa Lobos, valsas famosas, óperas e jazz a entrega de simpatizantes governistas à farra e aos comícios, tudo filmado de uma perspectiva que faz todos os atos em cena parecerem grandes novidades, quando, na verdade, são a repetição de algo ou a revelação de uma situação que ocorria às escondidas a bastante tempo. Toda a esfera pública é posta no jogo, de quem é a que fabrica a notícia; do empresário ao grevista; do sindicalista aos arquétipos femininos vistos nessa dança pseudo-democrática: a santa revolucionária e a puta alienada.

E aqui, o povo não recebe a visão social e manipulada por promessas divinas como vimos em Deus e o Diabo na Terra do Sol. O contexto todo é ampliado para situações que beiram o constrangimento, porque mostram a facilidade de qualquer um obter apoio popular, independente do discurso que faça, e das situações que se forjem nos bastidores dos Palácios do Governo. A preocupação do povo com o estômago fala mais alto; o apreço a uma terra familiar de muitas décadas ganha mais importância do que o pensamento e a ação política. O povo em Terra em Transe não é apenas o faminto romeiro de Deus e o Diabo. Ele é o ajudante direto — mesmo sem saber — da roda social que o massacra e o faz protestar em vão ou se deixar levar facilmente por qualquer promessa.

Mas o longa exige uma atenção enorme do espectador. Como a narrativa é quase toda contada em flashback e esta em ordem alinear, não é difícil nos perdermos um pouco no início, confundirmos nomes ou a localização das personagens, seja em Alecrim, seja em Eldorado. Aos poucos, porém, entendemos a intenção do diretor e o filme é compreendido sem nenhum problema.

Contando com um monstruoso elenco (que infelizmente é prejudicado pela dublagem do filme), Terra em Transe consegue passar uma mensagem política forte e uma visão social que pode incomodar bastante gente. Lançado em meio à ditadura militar, a obra chegou a ser proibida e sofreu cortes e solicitações de mudança pela censura, além de ter sido chamada de fascista por Fernando Gabeira e outros intelectuais da época. Ao espectador crítico, porém, fica a sensação de ter ouvido um feroz grito de muitas vozes inquietas sobre uma situação viciante e sem data alguma para terminar, uma conclusão a que o próprio cineasta chegara em Berravento, mas no patamar essencialmente social. A questão de Terra em Transe ultrapassa a comunidade e investiga as regras do jogo que lhe dá origem.

Terra em Transe (Brasil, 1967) Direção: Glauber Rocha Roteiro: Glauber Rocha Elenco: Jardel Filho, Paulo Autran, José Lewgoy, Glauce Rocha, Paulo Gracindo, Hugo Carvana, Danuza Leão, Joffre Soares, Modesto De Souza, Mário Lago, Flávio Migliaccio, Telma Reston, José Marinho, Francisco Milani, Paulo César Peréio Duração: 111 min.

 Fonte: http://www.planocritico.com/critica-terra-em-transe/
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O que a esquerda deveria aprender com os evangélicos



“As massas de homens que nunca são abandonadas pelos sentimentos religiosos 
então nada mais vêem senão o desvio das crenças estabelecidas. 
O institnto de outra vida as conduz sem dificuldades 
ao pé dos altares e entrega seus corações aos preceitos 
e às consolações da fé.”
Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América” (1830), p. 220. 
Publicado originalmente no sensho
No Brasil, um novo confronto, na forma como dado e cada vez mais evidente e violento, será o mais inútil de todos: o do esclarecimento político contra o obscurantismo religioso, principalmente o evangélico, pentecostal ou, mais precisamente, o neopentecostal. Lamento informar, mas na briga entre os dois barbudos – Marx e Cristo – fatalmente perderemos: o Nazareno triunfa. Por uma razão muito simples, as igrejas são o maior e mais eficiente espaço brasileiro de socialização e de simulação democrática. Nenhum partido político, nenhum governo, nenhum sindicato, nenhuma ONG e nenhuma associação de classe ou defesa das minorias tem competência e habilidade para reproduzir o modelo vitorioso de participação popular que se instalou em cada uma das dezenas de milhares de pequenas igrejas evangélicas, pentencostais e neopentecostais no Brasil. Eles ganharão qualquer disputa: são competentes, diferentemente de nós.
Muitos se assustam com o poder que os evangélicos alcançaram: a posse do senador Marcello Crivela, também bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, no Ministério da Pesca e a autoridade da chamada “bancada evangélica” no Câmara dos Deputados são dois dos mais recentes exemplos. Quem se impressiona não reconhece o que isso representa para um a cada cinco brasileiros, o número dos que professam a fé evangélica ou pentecostal no Brasil. Segundo a análise feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir dos microdados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma de evangélicos pentecostais e outras denominações evangélicas alcança 20,23% da população brasileira. Outros indicadores sustentam que em 1890 eles representavam 1% da população nacional; em 1960, 4,02%.
O crescimento dos evangélicos não é um milagre, é resultado de um trabalho incansável de aproximação do povo que tem sido negligenciado por décadas pelas classes mais progressistas brasileiras. Enquanto a esquerda, ainda na oposição política, entre a abertura democrática pós-ditadura e a vitória do primeiro governo popular no Brasil, apenas esbravejava, pastores e missionários evangélicos percorreram cada canto do país, instalaram-se nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos, abriram suas portas para os rejeitados e ofereceram, em muitos momentos, não apenas o conforto espiritual, mas soluções materiais para as agruras do presente, por meio de uma rede comunitária de colaboração e apoio. O que teve fome e dificuldade, o desempregado, o doente, o sem-teto: todos eles, de alguma forma, encontraram conforto e solução por meio dos irmãos na fé. Enquanto isso, a esquerda tinha uma linda (e legítima) obsessão: “Fora ALCA!”.
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O crescimento dos evangélicos não é um milagre, é resultado de um trabalho incansável
de aproximação com o povo

O projeto de poder evangélico não é fortuito. Ele não nasceu com o governo Dilma Rousseff. Ele não é resultado de um afrouxamento ideológico do PT e nem significa, supõe-se, adesão religiosa dos quadros partidários. Ele é fruto de uma condição evangélica do país e de uma sistemática ação pela conquista do poder por vias democráticas, capitalizada por uma rede de colaboração financeira de ofertas e dízimos. Só não parece legítimo a quem está do lado de fora da igreja, porque, para cada um dos evangélicos e pentecostais, estar no poder é um direito. Eles não chegaram ao Congresso Nacional e, mais recentemente, ao Poder Executivo nacional por meio de um golpe. Se, por um lado, é lamentável que o uso da máquina governamental pode produzir intolerância e mistificação, por outro, acostumemo-nos, a presença deles ali faz parte da democracia. As mesmas regras políticas que permitiram um operário, retirante nordestino e sindicalista chegar ao poder são as que garantem nas vitória e posse de figuras conhecidas das igrejas evangélicas a câmaras de vereadores, prefeituras, governos de Estado, assembleias legislativas e Congresso Nacional. O lema “un homme, une voix” (“um homem, uma voz”) do revolucionário socialista L.A. Blanqui (1805-1881), “O Encarcerado”, tem disso.
Afora a legitimidade política – o método democrático e a representação popular não nos deixam mentir – a esquerda não conhece os evangélicos. A esquerda não frequentou as igrejas, a não ser nos indefectíveis cultos preparados como palanques para nossos candidatos demonstrarem respeito e apreço pelas denominações evangélicas em época de campanha, em troca de apoio dos crentes e de algumas imagens para a TV. A esquerda nunca dialogou com os evangélicos, nunca lhes apresentou seus planos, nunca lhes explicou sequer o valor que o Estado Laico tem, inclusive como garantia que poderão continuar assim, evangélicos ou como queiram, até o fim dos tempos. E agora muitos militantes, indignados com a presença deles no poder, os rechaçam com violência, como se isso resolvesse o problema fundamental que representam.
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A esquerda nunca dialogou com os evangélicos,
nunca lhes apresentou seus planos,
nunca lhes explicou sequer o valor do Estado Laico

Apenas quem foi evangélico sabe que a experiência da igreja não é puramente espiritual. E é nesse ponto que erramos como esquerda. A experiência da igreja envolve uma dimensão de resistência que é, de alguma forma, também política. O “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito” (Paulo para os Romanos, capítulo 12, versículo 2) é uma palavra de ordem poderosa e, por que não, revolucionária, ainda que utilizada a partir de um ponto de vista conservador.
Em nenhuma organização política o homem comum terá protagonismo tão rápido quanto em uma igreja evangélica. O poder que se manifesta pela fé, a partir da suposta salvação da alma com o ato simples de “aceitar Jesus no coração como senhor e salvador”, segundo a expressão amplamente utilizada nos apelos de conversão, transforma o homem comum, que duas horas antes entrou pela porta da igreja imundo, em um irmão na fé, semelhante a todos os outros da congregação. Instantaneamente ele está apto a falar: dá-se o testemunho, relata-se a alegria e a emoção do resgate pago por Jesus na cruz. Entre os que estão sob Cristo, e são batizados por imersão, e recebem o ensino da palavra, e congregam da fé, não há diferenciação. Basta um pouco de tempo, ele pode se candidatar a obreiro. Com um pouco mais, torna-se elegível a presbítero, a diácono, a liderança do grupo de jovens ou de mulheres, a professor da escola dominical. Que outra organização social brasileira tem a flexibilidade de aceitação do outro e a capacidade de empoderamento tal qual se vêem nas pequenas e médias igrejas brasileiras, de Rio Branco, das cidades-satélite de Brasília, do Pará, de Salvador, de Carapicuíba, em São Paulo, ou Santa Cruz, no Rio de Janeiro? Nenhuma.
Se esqueçam dos megacultos paulistanos televisionados a partir da Av. João Dias, na Universal, ou da São João, do missionário R.R. Soares. Aquilo é Broadway. Estamos falando destas e outras denominações espalhadas em todo o território nacional, pequenas igrejas improvisadas em antigos comércios – as portas de enrolar revelam a velha vocação de uma loja, um supermercado, uma farmácia – reuniões de gente pobre com sua melhor roupa, pastores disponíveis ao diálogo, festas de aniversário e celebrações onde cada um leva seu prato para dividir com os irmãos.  A menina que tem talento para ensinar, ensina. O irmão que tem uma van, presta serviços para o grupo (e recebe por isso). A mulher que trabalha como faxineira durante a semana é a diva gospel no culto de domingo à noite: canta e leva seus iguais ao júbilo espiritual com os hinos. A bíblia, palavra de ninguém menos que Deus, é lida, discutida, debatida. Milhares e milhares de evangélicos em todo o país foram alfabetizados nos programas de Educação de Jovens e Adultos (EJAs) para simplesmente “ler a palavra”, como dizem. Raríssimo o analfabeto que tenha sido fisgado pela vontade ler “O Capital”, infelizmente. As esquerdas menosprezaram a experiência gregária das igrejas e permaneceram, nos últimos 30 anos, encasteladas em seus debates áridos sobre uma revolução teórica que nunca alcançou o coração do homem comum. Os pastores grassaram.
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A esquerda não deve aprender nada com os evangélicos

Não faltam religiosos, mesmo do campo evangélico, que seriam aliados de primeira ordem contras os Edirs e Valdomiros.

Li um texto do @senshosp que me parece de um derrotismo terrível. O texto em questão chama-se “O que a esquerda deveria aprender com os evangélicos“. Os “evangélicos” (em geral os neopentecostais da estirpe de Edir Macedo e cia.) ganharam, é a conclusão. A esquerda não conseguiu conquistar corações e mentes mais do que conseguiu chegar ao poder e migrar para a direita. Como se o Brasil tivesse o dever de ser sempre subdesenvolvido e atrasado, em que religião dita costumes e leis, e o país não pode evoluir. Em que não podemos lutar por uma esquerda de verdade, comprometida, sem recuos, com suas bandeiras históricas e populares.
Diversos países da Europa são a prova de que é possível combater a ignorância do fanatismo religioso e dos marginais da fé – forma “carinhosa” pela qual descrevo Malafaias, Valdomiros e cia., mantendo de fora aquelas igrejas tradicionais, onde não faltam progressistas, como entre os anglicanos, betestda e afins que sabem, em geral, os limites da fé e onde começa o Estado e a vida civil.
E não se trata de uma disputa entre Marxistas e “Religiosos”, pois tenho absoluta certeza que nem entre o PSDB ou mesmo o DEM há tanta simpatia assim pelos marginais da fé e seu poder. Ser de direita, liberal e até mesmo ter algum grau de conservadorismo não é defender a mistura perigosa entre religião e Estado.
A esquerda não prega “salvação”, e nem diz ser caminho fácil. E uma ampla parte da direita pode ser nociva, mas não é a TFP ou a Opus Dei. É preciso ainda lembrar da quase neutralização da Teologia da Libertação que, pese críticas, era um movimento mais aberto e que, mesmo com preconceitos, buscava dialogar e não impor sua vontade.Ainda que religioso, ligado à Igreja, era um respiro que possibilitava o diálogo. O marginal da fé diz que basta rezar e… pronto. Paraíso terreno e além.
Ao invés de combater isso, cobrando impostos e legislando, o governo preferiu se aliar/perpetuar a farra dessa corja. O crescimento dela não se deve só a seus feitos, mas à inação de governo após governo e, agora, à aliança do governo com esses tipos. É óbvio que o crescimento vertiginoso dessas igrejas caça-níquel não se deve ao PT, mas tem sido ajudado, agora, pela clara aliança e troca de favores que existe.
Estamos falando de, talvez, 20% da população – não há ainda dados conclusivos divulgados pelo IBGE que sustente esse número. E estes 20% têm pautado os demais 80%. Temos tido retrocessos gigantescos em áreas onde 20% dita as regras contra o resto da população e contra outras minorias igualmente significativas. Dilma mente ao dizer que governa para todos, quando na verdade vemos claramente que governa para e comandada por uma minoria em detrimento do resto da população. E dizer que “o brasileiro médio é conservador” não justifica recuos que contrariam as noções mais básicas de direitos humanos, marco sob o qual devem ser fundadas todas as relações humanas e entre o Estado e seus cidadãos.
As ações do governo para privilegiar uma casta religiosa conservadora, rica e que chegou lá por meios extremamente obscuros, como os vetos a toda e qualquer campanha para o público LGBT, ou pelo tratamento da questão do aborto como problema de saúde pública, dentre outras, denunciam a escolha feita pelo governo e não o fim das disputas e dos combates em busca de um Estado Laico.
Aliás, não faço uma crítica ao @senshosp em si, seu texto possui algumas análises que acho bastante válidas, mas discordo de suas conclusões e, acima de tudo, do parâmetro “Marxistas/Esquerda versus Evangélicos” utilizado. A luta contra a teocratização do país não é apenas uma luta das esquerdas. Ao mesmo tempo, discordo do título e tomo-o como referência de minha análise.
Não devemos aprender nada com estes criminosos (e lembro que falo de líderes e não dos coitados enganados com promessas de riquezas materiais caso abram mão de tudo que é material para seus líderes. E, sim, a contradição é proposital e pregada por eles) que se aproveitam das brechas – ou mesmo da total ilegalidade – na legislação para usar concessões públicas para pregação, da inação dos órgãos públicos para efetuarem a clara lavagem de dinheiro que praticam, para não falar na lavagem cerebral e no flagrante desrespeito às leis – mesmo que de convivência e sociais.
Temos de combater este estado de coisas, e, acreditem em mim, não faltam religiosos, mesmo do campo evangélico, que seriam aliados de primeira ordem, que são laicos e se opõem de forma veemente a estes que prometem os céus mediante pagamento no cartão em suaves prestações e que, no meio tempo, pregam o ódio e usam o povo como instrumento de sua vingança contra a humanidade.
Reforçando, o crescimento destes “evangélicos” não se deve ao PT, mas sem dúvida a chegada da esquerda ao poder poderia e deveria ter combatido este crescimento oferecendo opções, como lazer, cultura, educação e ensinado para que serve o Estado/Poder Público e como não ser enganado facilmente. Sejamos honestos: qual era a importância e o poder destes – Macedo, Valdomiro, Malafaia – durante o governo FHC? Foi um governo nefasto, sem dúvida, mas em momento algum usou de religião para justificar ou promover retrocessos. Era ideológico e não religioso, por pior que fosse a ideologia. É possível dizer que os marginais da fé não eram ainda tão poderosos, talvez, mas não importou seu poder, não tiveram vez.
Uma democratização das comunicações, com o fim de concessões a igrejas e pastores, a proibição de programas de tele-evangelização (a venda de horário de concessões públicas em si é contra a lei, logo, vender horário para igrejas não deveria ser tolerado) e a ampliação da internet (e não a piada do PNBL entregue para as teles lucrarem com serviço pior que o que já oferecem), seria de grande ajuda, mas nada foi feito. Ampliar o alcance e a qualidade da educação pública, melhorando salários de professores e os preparando melhor para a profissão seria outro passo importante, assim como dar dignidade à população que, muitas vezes, recorre a esses marginais da fé por puro desespero de suas condições sociais e econômicas.
É óbvio – e nisso vejo méritos no texto que analiso – que precisamos realizar uma autocrítica profunda. A esquerda, em sua imensa fragmentação, tem falhas visíveis e invisíveis. Se por um lado é fato que o governo e o PT caminharam a passos largos para a direita por gosto e prazer, por outro a fragmentação da esquerda ainda durante as disputas do Lula-Operário ajudaram a facilitar que o PT se transformasse nessa máquina eleitoral descolada totalmente das bandeiras históricas da esquerda. Hoje mesmo, temos uma infinidade de formações de esquerda ou que se dizem de esquerda e que não dialogam – ou, se o fazem, o diálogo não caminha muito. Desde partidos que pregam a surrealpolitik, se aliando a ruralistas e espancadores, como o PCdoB, passando pelo PSB, PDT (do Paulinho que defende prostituição como apaziguador de ânimos) e mesmo o PSOL, com inúmeros rachas internos, além dos minúsculos PSTU, PPL e PCO, até grupúsculos insignificantes em um quadro amplo como LER-QI, LBI, POR, MEPR, PCML e tantos outros que costumam se odiar e pregar uma pureza inalcançável – e até desnecessária.
O que vejo é uma soma de fatores, que vão desde problemas estruturais da esquerda, passando pela inação e covardia do governo – passando também pela Ditadura que, se de um lado viu um crescimento da Teologia da Libertação, acabou por massacrar organismos evangélicos tradicionais legítimos e até progressistas, facilitando a proliferação de igrejas totalmente desligadas de qualquer tipo de regra mínima de convivência com a diversidade -, até a falta de legislação ou mesmo aplicação delas contra um câncer que cresce, se espalha e periga chegar até a metástase: os marginais da fé.

fonte: http://www.revistaamalgama.com.br/03/2012/esquerda-evangelicos/

Um comentário:

AÇÃO CULTURAL disse...

Frar,

Pertinente! Grato pela contribuição.

Zezito de Oliveira
gestor de conteúdo do blog