sexta-feira, 3 de maio de 2019

Luis Inácio avisou

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

Não está fácil pra ninguém. Mesmo quem carrega pedra o dia inteiro, tem hoje todos os motivos do mundo para jogar as mãos para o céu e agradecer a dádiva suada de um trabalho. Vinda de onde vem, a cachola fresca e bem nutrida de um jornalista ocupado com a vibração dos tambores nativos e o pulso do tempo, a afirmação beira o acinte. Os 13 milhões de desempregados na rua da amargura, contudo, falam por qualquer um.

A origem etimológica da palavra trabalho não deixa margem para dúvidas: o vínculo entre ofício e suplício tende a extrapolar a rima. Pergunte ao motorista de olhos pregados, ao tomar um Uber. Carteira assinada, aposentadoria, realização profissional virou privilégio. O grosso das gentes emprega a força dos próprios braços sem outra razão, além de botar comida na mesa. E pensar que Nietzsche considerava a vida sem música um equívoco.

Luis Inácio avisou, na entrevista finalmente concedida à Folha de São Paulo e o jornal eletrônico El País: O mundo do trabalho mudou, manifestação na Avenida Paulista não comove mais ninguém. Os companheiros à frente das centrais sindicais, entretanto, não deram sinal de entender o recado. A única estratégia adotada no combate à reforma da previdência, por exemplo, ainda consiste na tática surrada de desfraldar bandeiras vermelhas nas ruas, proferir discursos enfadonhos, fazer barulho.

Se os meios empregados na peleja são ultrapassados, a linguagem da turma remete a um passado de muitos anos atrás. Circula nos sempre suspeitos canais do Zap Zap um jingle militante, com versos compridos, vocabulário e melodia de campanha eleitoral. Enquanto o povão se acaba no funk e no arrocha, sem disposição para qualquer conversa diferente de um papo reto, a resistência pretende se comunicar e mobilizar as massas honrando a elaborada tradição da música popular brasileira. Não tem como dar certo. Assim, a luta vai dar com os burros revolucionários n'água.

Com Lula, sem Lula, a esquerda letrada, com título acadêmico pendurado na parede, metida em terno e gravata, precisa aprender a falar de novo a língua maltratada do povo. Mais proveitoso do que ridicularizar os erros de português cometidos no primeiro escalão da República – um ranço francamente elitista, aliás – seria abraçar o Chaplin sem porcas, sem parafusos e sem graça expulso das fábricas.

Foto: Marlene Bergamo.

P. Presidente, o senhor fez a sua carreira como líder sindical que acabou na política dentro do sindicado de metalúrgicos de São Bernardo do Campo. O sindicato vai fazer 60 anos em uma crise de emprego e com as montadoras saindo do ABC. O que o senhor diria hoje para os seus companheiros que estão no sindicalismo, no ABC? Ainda tem alguma coisa positiva?
R. Eu não queria dizer para os metalúrgicos não, eu queria tentar discutir com meus companheiros do movimento sindical. A classe trabalhadora mudou. A classe trabalhadora de 2020 não é mais a classe trabalhadora de 1980. Mudou profissionalmente, intelectualmente. Hoje o trabalhador não tá mais na fábrica, ele trabalha fora. Ele trabalha em casa, fazendo bico. Não tem mais aquela classe trabalhadora concentrada dentro de uma fábrica como tinha antes. Hoje o cara está no shopping, não tem condições de se unificar porque cada loja é uma loja. Então está muito mais difícil fazer sindicalismo hoje. Eu ia na porta da Volkswagen em 80 e eram 40.000 trabalhadores. Hoje, aquela Volkswagen são apenas 12.000; é um desmonte daquela fábrica. O mundo do trabalho mudou radicalmente e enquanto isso temos que repensar como reorganizar a classe trabalhadora. O cara que trabalha por conta própria, em casa, não tem mais a mesma consciência de classe daquele tempo. Então o papel do movimento sindical agora é tentar reorganizar a classe trabalhadora. A Volks tem mais metalúrgico fora do que dentro. Então o movimento sindical tem uma tarefa forte de descobrir o novo discurso e uma nova razão para a sua existência.

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS DELEGADOS DA CONFEDERAÇÃO ITALIANA
SINDICAL DOS TRABALHADORES (CISL)
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 28 de junho de 2017
 
Queridos irmãos e irmãs!
Dou-vos as boas-vindas por ocasião do vosso Congresso e agradeço à Secretaria Geral a sua apresentação.
Escolhestes um lema muito bonito para este Congresso: “Pela pessoa, pelo trabalho”. Pessoa e trabalho são duas palavras que podem e devem estar juntas. Porque se pensarmos e mencionarmos o trabalho sem a pessoa, ele acaba por se tornar algo desumano, que esquecendo as pessoas, se esquece de si mesmo e desaparece. Mas se pensarmos na pessoa sem trabalho, dizemos algo parcial, incompleto, porque a pessoa se realiza em plenitude quando se torna trabalhador, trabalhadora; porque o indivíduo se torna pessoa quando se abre aos outros, à vida social, quando floresce no trabalho. A pessoa floresce no trabalho. O trabalho é a forma mais comum de cooperação que a humanidade gerou na sua história. Todos os dias milhões de pessoascooperam simplesmente trabalhando: educando as nossas crianças, acionando aparelhos mecânicos, resolvendo problemas num escritório... O trabalho é uma forma de amor civil: não é um amor romântico nem sempre intencional, mas verdadeiro, autêntico, que nos faz viver e levar o mundo para frente.
Certamente, a pessoa não é só trabalho... Devemos pensar também na cultura sadia do ócio, do saber repousar. Isto não é preguiça, é uma necessidade humana. Quando pergunto a um homem, a uma mulher que tem dois, três filhos: "Mas, diga-me, você brinca com os seus filhos? Pratica este "ócio"?” — “É, sabe, quando saio para o trabalho, eles ainda dormem, e quando volto, já estão na cama”. Isto é desumano. Por isso, ao lado do trabalho deve caminhar também a outra cultura. Porque a pessoa não é só trabalho, pois nem sempre trabalhamos, e nem sempre devemos trabalhar. Quando somos crianças não se trabalha e não se deve trabalhar. Não trabalhamos quando estamos doentes, nem quando somos velhos. Há muitas pessoas que ainda não trabalham, ou que já não trabalham. Tudo isto é verdadeiro e conhecido, mas devemos recordar também hoje, que ainda há no mundo demasiadas crianças e jovens que trabalham e não estudam, enquanto o estudo é o “único” trabalho bom para crianças e jovens. E também que nem sempre e nem a todos é reconhecido o direito a uma reforma justa — isto é, nem muito pobre nem muito rica: as “aposentadorias de ouro” são uma ofensa ao trabalho tão grave como aquelas muito pobres, porque fazem com que as desigualdades do tempo de trabalho se tornem perenes. Ou quando um trabalhador adoece e é descartado inclusive do mundo do trabalho em nome da eficiência — mas se uma pessoa doente com os seus limites ainda consegue trabalhar, a profissão desempenha até uma função terapêutica: às vezes encontramos a cura trabalhando com os outros, juntamente com os outros, pelos outros.
É uma sociedade insensata e míope aquela que obriga os idosos a trabalhar por demasiado tempo e força uma geração inteira de jovens a não trabalhar quando deveriam fazê-lo para si mesmos e para todos. Quando os jovens estão fora do mundo do trabalho, às empresas faltam energia, entusiasmo, inovação, alegria de viver, e estes são bens comuns preciosos que tornam melhores a vida económica e a felicidade pública. Então, é urgente um novo pacto social humano, um novo pacto social para o trabalho, que diminua as horas de trabalho de quem está na última fase laboral, a fim de criar trabalho para os jovens que têm o direito-dever de trabalhar. O do trabalho é o primeiro dom dos pais e das mães aos filhos e às filhas, é o primeiro património de uma sociedade. É o primeiro dote com o qual os ajudamos a levantar voo para a vida adulta.
Gostaria de frisar dois desafios epocais que hoje o movimento sindical deve enfrentar e vencer se quiser continuar a desempenhar o seu papel essencial para o bem comum.
O primeiro é a profecia, e diz respeito à própria natureza do sindicato, à sua vocação mais verdadeira. O sindicato é expressão do perfil profético da sociedade. O sindicato nasce e renasce todas as vezes que, como os profetas bíblicos, dá voz a quem não a tem, denuncia o pobre “vendido por um par de sandálias” (cf. Amós 2, 6), desmascara os poderosos que espezinham os direitos dos trabalhadores mais débeis, defende a causa do estrangeiro, dos últimos, dos “descartados”. Como demonstra também a grande tradição da cisl, o movimento sindical vive os seus grandes momentos quando é profecia. Mas nas nossas sociedades capitalistas progressistas o sindicato corre o risco de perder esta natureza profética e de se tornar demasiado semelhante às instituições e aos poderes que, pelo contrário, deveria criticar. Com o passar do tempo, o sindicato acabou por se assemelhar demais com a política, ou melhor, com os partidos políticos, com a sua linguagem e estilo. E ao contrário, se faltar esta típica e diversa dimensão, até a ação no âmbito das empresas perde força e eficácia. Esta é a profecia.
Segundo desafio: a inovação. Os profetas são sentinelas que vigiam do seu lugar de observação. Também o sindicato deve patrulhar os muros da cidade do trabalho, como sentinelas que vigiam e protegem quem está dentro da cidade do trabalho, mas que vigiam e protegem também quem está fora dos muros. O sindicato não desempenha a sua função essencial de inovação social se vigiar só os que estão dentro, se proteger só os direitos de quem já trabalha ou está na reforma. Isto deve ser feito, mas é metade do vosso trabalho. A vossa vocação é também proteger quem ainda não tem direitos, os excluídos do trabalho, e até dos direitos e da democracia.
O capitalismo do nosso tempo não abrange o valor do sindicato porque se esqueceu da natureza social da economia, da empresa. Este é um dos maiores pecados. Economia de mercado: não. Digamos economia social de mercado, como nos ensinou São João Paulo II: economia social de mercado. A economia esqueceu-se da natureza social que tem como vocação a natureza social da empresa, da vida, dos vínculos e dos pactos. Mas talvez a nossa sociedade não compreenda o sindicato até porque não o vê lutar o suficiente nos lugares dos “direitos do ainda não”: nas periferias existenciais, no meio dos descartados do trabalho. Pensemos nos 40% dos jovens com menos de 25 anos, que não têm trabalho. Aqui na Itália. Deveis lutar contra isto! São periferias existenciais. Não o vê lutar no meio dos imigrados, dos pobres, que estão sob os muros da cidade; ou então não o compreende simplesmente porque às vezes — mas acontece em todas as famílias — a corrupção entra no coração de alguns sindicalistas. Não vos deixeis bloquear por isto. Sei que já há algum tempo vos esforçais nas direções certas, especialmente com os migrantes, os jovens e as mulheres. E isto que digo poderia parecer superado, mas no mundo do trabalho a mulher ainda é considerada de segunda classe. Poderíeis dizer: “Não, mas há uma empresária, aquela outra...”. Sim, mas a mulher ganha menos, é mais facilmente explorada... Fazei alguma coisa. Encorajo-vos a continuar e, se possível, a fazer mais. Habitar as periferias pode tornar-se uma estratégia de ação, uma prioridade do sindicato de hoje e de amanhã. Não existe uma boa sociedade sem um bom sindicato, e não existe um sindicato bom que não renasça todos os dias nas periferias, que não transforme as pedras descartadas da economia em pedras angulares. Sindicato é uma linda palavra que provém do grego “dike”, que significa justiça, e “syn”, juntos: syn-dike, “justiça juntos”. Não há justiça juntos se não for junto com os excluídos de hoje.
Agradeço-vos este encontro, abençoo-vos, abençoo o vosso trabalho e desejo todo o bem ao vosso Congresso e ao vosso trabalho diário. E quando nós na Igreja empreendemos uma missão, numa paróquia por exemplo, o bispo diz: “façamos a missão para que toda a paróquia se converta, isto é, dê um passo para o melhoramento”. “Convertei-vos” também vós: dai um passo para o melhor no vosso trabalho, que seja melhor. Obrigado!
Peço-vos que rezeis por mim, porque também eu me devo converter no meu trabalho: todos os dias tenho que fazer melhor para ajudar e exercer a minha vocação. Rezai por mim, e agora gostaria de vos conceder a bênção do Senhor.

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