quarta-feira, 30 de março de 2022

Para fazer a guerra cultural contra a barbárie, Lolapalooza, Virada Cultural, Festivais de Cinema , Forrocaju e etc.., não são suficientes.

 

A jornalista Cynara Menezes fez um comentário elogioso a José Serra, que foi prefeito de SP em um curto periodo (2005/2006) , em razão de ter dado inicio a Virada Cultural em seu governo. Isso ,  na base do " pra não dizer que não falei das flores".

No chat da live em que ela participava no dia  29/03/2022, no  Canal Revista Fórum (1)  ,  respondi que a Virada Cultural é legal, mas não é o tipo de politica cultural que precisamos para combater o neofascismo e o neoliberalismo.

Penso ser necessário aprofundar o debate acerca dessa questão.. Com que armas ou estratégias culturais precisamos contar, para enfrentar a guerra cultural da extrema direita e da direita "limpa e cheirosa"  que continuará com tudo, pra cima da esquerda? Ou seja neofascismo e neoliberalismo junto e misturado. 

Penso ser  importante, porque nestas eleições de 2022, há uma tendência de vitórias de partidos de esquerda e centro esquerda tanto para o governo federal, como em muitos estados, inclusive aqui em Sergipe. 

E a impressão que eu tenho é a repetição em muitos estados de um mesmo "filme" que já vimos em outros governos de esquerda e centro esquerda, como os vários que tivemos e ainda temos aqui em Aracaju, incluindo o tempo em que  Marcelo Deda (PT) esteve a frente, tanto na prefeitura de Aracaju, como no governo do estado de Sergipe. 

Com a mistura de conservadorismo e progressismo que caracteriza as nossas elites  politicas e culturais sergipanas, com mais tendência ao primeiro, não vejo o futuro com um desenho muito diferente da  politica cultural como a que foi realizada  nos governos Deda/Edvaldo/Jackson Barreto, caracterizada pela realização de grandes eventos, como Forrocaju, Festival de Verão e  construção de complexos culturais, como os museus da Gente Sergipana e Palácio Museu Olimpio Campos e a exposição de esculturas com icones da cultura popular sergipana.

Nos governos dos três, incluindo o ainda atual prefeito de Aracaju, primeiro PC do B, agora PDT, o campo da ação cultural nas comunidades e nas escolas, ficou relegado  a um plano bastante secundário e marginal.

E com isso,  temos o atual "estado da arte"  nas comunidades, dominadas pela industria cultural de um lado, e do outro lado pelo pensamento e ações dos religiosos  fundamentalistas e conservadores, estes também ancorados em uma industria cultural de caracteristicas próprias.

Sem esquecermos o poder econômico e cultural do tráfico de drogas, em alguns caso também se fazendo presente nas câmaras municipais, com possibilidades de avanço nas assembléias estaduais e congresso.

O livro AMABA: O esquecido círculo de cultura da Aracaju dos anos de 1980,  tem alguns capitulos dedicados a ação cultural de base comunitária e um desses capitulos trata de aspecto teórico conceituais.

Neste capitulo, temos o resumo de um livro da autoria de um dos mais importantes pensadores das politicas culturais em nosso país, o Professor Teixeira Coelho  (USP). O livro Usos da Cultura foi lançado no ano de 1986, fez bastante sucesso e ainda permanece atual.

Esse texto ajuda a explicar porque um expressivo contingente de artistas e amantes das artes se bastam ou ficam contentem com uma politica cultural mais restrita a grandes shows, espetáculos, exposições, festivais de música e de cinema, e etc... 

O que é muito legal, necessário,  mas que não dá conta das necessidades destes tempos que rugem...

"Política de Cultura Federal – Nas palavras de Teixeira Coelho, “o que o estado tem feito este tempo todo não é muito difícil de resumir”. De um lado preservar o que existe, e especialmente, o que existiu, papel do IPHAN. A Fundação Pró- Memória tombando alguns casarões e restaurando outros. De outro, algum apoio ao produtor cultural, numa atitude que tem revelado duas tendências que não se excluem.

1. Adotar uma visão mercadológica da cultura, apoia-se o produtor cultural que tem mercado - Como no caso do cinema, através da Embrafilme – ou que não tem mercado, como faz a Funarte através do Instituto Nacional de Música, do Instituto de Artes Cênicas ou de Artes Plásticas, seja como for, trata-se de um apoio a cultura que está no mercado.

2. Tratar de conseguir o apoio ou, pelo menos, o silêncio dos produtores culturais que são, se não a consciência, pelo menos a voz crítica da nação: foi o que aconteceu, por exemplo, durante o governo Geisel, através de alguma abertura econômica e administrativa (permissão para a escolha de dirigentes de órgãos estatais financiadoras da produção cultural), em particular para o cinema e o teatro.

O que tem feito esta política cultural é promover uma cultura estática, uma cultura fixa, inerte que não sai do lugar, não chega ao público, não faz o público se mexer até ela ou na direção seja do que for.

Uma política cultural como essa nada mais faz do que perpetuar uma visão elitista da cultura, segundo a qual uns poucos (os produtores culturais, os artistas) produzem para que a  maioria consuma. 

E mais aceitável que a cultura do país fique nas mãos de uns poucos produtores (ainda que de esquerda, como é a realidade brasileira, apesar dos anos de repressão), do que vê-la disseminada pela grande maioria, embora sob uma forma indecisa, imprecisa e inconsistente politicamente. 

Nada se compara ao medo que sentem as elites diante da possibilidade de que o povo possa pensar e agir por si só. E, no caso, tanto fez que essas elites sejam de direita ou de esquerda."

Pag. 88 e 89 do livro AMABA: O esquecido círculo de cultura da Aracaju dos anos de 1980.

COELHO, Teixeira. Usos da cultura: políticas de ação cultural. [S.l: s.n.], 1986.

(1) https://www.youtube.com/watch?v=WVBShldYjzg


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