Em São Paulo, PM matou atirou pelas costas em homem preto que correu para pegar um ônibus. Guilherme Ferreira morreu com uma “lesão perfurocontusa na cabeça” e com marmita e talheres na mochila.
Hugo Souza
O secretário de Segurança Pública de São Paulo/Guilherme Derrite (Fernando Frazão/Agência Brasil).
Sexta-feira, 4 de julho. Precisamente às 22h28, Guilherme Dias Santos Ferreira bate o ponto de saída na fábrica de camas box onde trabalha, no Recanto Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Quase ao mesmo tempo, às 22h35, o policial militar de folga Fábio Anderson Pereira de Almeida sofre perto da fábrica uma tentativa de assalto, de roubo da sua moto Triumph Scrambler 400x.
Fábio reage ao assalto, a tiros. Os assaltantes fogem. Pouco depois, Guilherme começa a correr para não perder o ônibus de volta do trabalho para casa. “Acreditando se tratar de um dos envolvidos na tentativa de assalto que estaria voltando à cena do crime”, o PM atira pelas costas na cabeça do homem preto que se pôs a correr. Guilherme morre a 50 metros do ponto de ônibus, aos 26 anos de idade, com uma “lesão perfurocontusa na região da cabeça, atrás da orelha direita”, e com marmita e talheres na mochila.
A perícia da Polícia Civil de São Paulo só chega ao local da execução seis horas depois. O executor é autuado em flagrante não por homicídio doloso, mas culposo, paga fiança de R$ 6.500 e é liberado. Uma Triumph Scrambler 400x custa, nova, R$36.190,00, “com sua manobrabilidade ágil, melhor desempenho da categoria e acabamento premium”.
Preto correndo, preto debruçado sobre um carro: no último 15 de março, Lucas Almeida de Lima também foi executado por um PM em Barueri, na Grande São Paulo. Lucas consertava o carro de um amigo na beira de uma avenida movimentada e pimba: “atitude suspeita”. Correria, perseguição, socos e joelhada no abdômen de Lucas. Depois, bang, bang: preto caído morto no chão. Lucas tinha, como Guilherme, 26 anos de idade.
Na última sexta, horas antes de Guilherme Dias Santos Ferreira ser morto por um PM de São Paulo com um tiro pelas costas, um xará de Guilherme brilhou no outro lado do Atlântico. Na última sexta, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, discorreu sobre “Estado inteligente e segurança” no XIII Fórum Jurídico de Lisboa, em mesa dividida com o governador petista do Piauí e com o diretor Executivo Jurídico da JBS.
O painel com Derrite e companhia no XIII Fórum Jurídico de Lisboa aconteceu no anfiteatro 8 da Universidade de Lisboa precisamente às 10:30h. No mesmo horário, no anfiteatro 1, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, papeou sobre “segurança pública e federalismo cooperativo” com o procurador-geral da República, o diretor da Polícia Federal e dois ministros do STJ. Lá, no outro lado do oceano, no “Gilmarpalooza”.
Na véspera da abertura do “Gilmarpalooza”, véspera do assassinato do xará preto de Guilherme Derrite, o Ministério Público do Estado de São Paulo arquivou as investigações sobre as operações Escudo e Verão da PM paulista, aquelas que deixaram 84 mortos na Baixada Santista entre julho de 2023 e janeiro de 2024.
Neste ano, o “Gilmarpalooza” teve como tema “o mundo em transformação - Direito, Democracia e sustentabilidade na era inteligente”. Isso na Península Ibérica.
Na Grande São Paulo e na Baixada Santista, o mundo é o mesmo, um tanto pior sob a batuta da hidra bolsonarista. Ali, entre São Bernardo e Cajamar, entre Peruíbe Bertioga, Direito é o nome de um preto correndo para pegar o buzão e Democracia é o nome de um preto ajudando um amigo com o carro enguiçado. Os dois estão mortos, caídos no chão.
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