Um caminho para libertar a política


Crise da democracia abre espaço para o desencanto e o fascismo. É urgente encontrar alternativas – e o Mandato Cidadanista pode ser uma delas
Por Célio Turino
O que é um Mandato Cidadanista? É a política ao alcance da cidadania. Não a política como profissão (“a mais vil das profissões”, escreveu Rubem Alves) e sim como meio para resolução pacífica de conflitos e busca do bem comum (“a mais nobre das vocações”, pelo mesmo Rubens Alves). A negação da política coloca as sociedades na antessala da barbárie, do fascismo e da violência. 

Mas mesmo quando o povo nega a política, ela continua a ser exercida, só que nas mãos de poucos aproveitadores, e praticada por outros meios, inclusive violentos, fazendo com que a política seja sequestrada da sociedade e colocada a serviço de interesses escusos. Tem sido esse sequestro da política que meteu o Brasil no labirinto em que nos encontramos. O desafio é conseguir sair do labirinto e isso só acontecerá quando o povo se apropriar da política, daí a necessidade do Cidadanismo.

Por mais que as pessoas repudiem, e até queiram fugir da política, não há caminho pacífico para a convivência em sociedade que não seja através da ação política cidadã. Por isso a necessidade de encantar e ocupar a política para a ideia da refundação o Brasil, com base uma nova cultura política, em que “caibam todos os mundos”, e não somente o mundo das castas e das classes privilegiadas. 

A questão é que, enquanto a maior parte da população pensa que abomina a política, esta mesma população segue sob controle dos profissionais da política; é isso que torna a gestão da política, das políticas públicas e do Estado, cada vez mais distante das reais necessidades do povo.
Todas as medidas relativas à Reforma Política são tomadas visando a preservação do poder nas mãos dos mesmos de sempre, e reforçando os mecanismos promíscuos de corrupção da atividade política. Isso acontece porque os que controlam o processo de Reforma Política são aqueles que mais se beneficiam das atuais regras. 

As mudanças, quando aprovadas, são cosméticas, ou então criam novas formas de perpetuação dos esquemas vigentes, como no caso do Fundo Público de Campanha, que destina R$ 1,7 bilhão para financiamento prioritário aos partidos com maiores bancadas na Câmara e Senado; exatamente os mesmos que colocaram o país nessa barafunda. Para sair deste labirinto, primeiro é necessário identificar e compreender quais os principais problemas:
  1. A atividade política institucional foi sequestrada da dimensão de Bem Comum, transformando-se em Negócio. Há muitos mecanismos que propiciam a apropriação da política por parte de negócios privados, o principal é o financiamento de campanhas por empresas jurídicas, gerando uma promiscuidade entre Mercado e Política. Felizmente o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e partidos foi abolido. Que se mantenha assim, mas só isso não basta. 
  2.  Também há a excessiva quantidade de cargos de livre nomeação no serviço público (mais de 700 mil cargos – sendo 23 mil no executivo federal, 130 mil nos executivos estaduais e aproximadamente 600 mil nos municípios – no Reino Unido, o primeiro-ministro tem livre nomeação para apenas 300 cargos). Há, igualmente, falta de critérios prévios para ocupação de cargos gerência e direção no serviço público; e não só os de indicação política, mas em carreiras de Estado, incluindo a chamada “porta giratória”, quando representantes de interesses privados ocupam cargos públicos para servir aos negócios empresariais e vice-versa, e isso tem sido cada vez mais comum em carreiras jurídicas, de auditoria fiscal ou agências de regulação; 
  3. Perpetuação de castas políticas no Poder por reeleições sucessivas em mandatos parlamentares ou por transmissão hereditária. Política não é profissão, muito menos privilégio de famílias. Não tem cabimento o exercício de mandatos por décadas, ou a transmissão de cargos eletivos de pai para filho, como acontece em verdadeiras dinastias políticas, algumas seculares. O abuso de poder, que impõe castas políticas no exercício da representação da sociedade, é um dos principais responsáveis pela perpetuação do atraso social do país, impedindo processos de renovação e ossificando comportamentos.
  4. Alto custo da atividade parlamentar. No caso brasileiro, o Congresso Nacional é o segundo mais caro do mundo. R$ 10,5 bilhões em 2018, ou US$ 3,5 bi – US$ 5,9 milhões por parlamentar, apenas superado pelo custo parlamentar dos EUA. As Assembleias Legislativas somam um custo total superior a R$ 11 bilhões e as Câmaras Municipais outros R$ 11,3 bilhões. No total R$ 33 bilhões. É muito. Quando escrevi um primeiro estudo sobre o custo da atividade parlamentar no Brasil, em 2013, esse valor já era exagerado, ultrapassando R$ 20 bilhões. É chocante perceber que, em apenas cinco anos esse valor, que já era absurdo, aumentou em mais 50%! Esta soma bilionária, além de drenar recursos para serviços diretos à população, cria um fosso entre a atividade política e a sociedade, e tem que ser significativamente diminuída;
  5. Ausência ou fracos processos de transparência, acompanhamento e controle cidadão sobre as atividades de formulação de leis, gestão e fiscalização do Estado e aplicação de Políticas Públicas. Política nas mãos de poucos e sem controle social resulta em corrupção e corrompimento do sentido de Bem Comum. Não se trata de uma questão de virtude individual, mas de desvirtuamento sistêmico. Por isso a necessidade do espraiamento da Ação Cidadã via mecanismos de controle cidadão, pois o zelo pelo Bem Comum é responsabilidade de todos, assim como a democracia, que exige cuidado e vigilância constantes;
  6. Monopólio da mediação da política institucional por parte dos Partidos Políticos. Os partidos políticos, quando funcionando enquanto tal, são fundamentais e insubstituíveis, servindo como meio para a organização de ideias, propostas, pensamentos e ações no processo democrático. Na ausência dos partidos, o que prevalece é o despotismo e a ditadura. Mas os partidos também não podem ter exclusividade sobre a mediação política institucional, cabendo coibir a atuação de cúpulas partidárias, que sequestram os partidos políticos, transformando-os em propriedade privada e meio de negócio.
Identificados os problemas, há que apontar medidas e transformá-las em projetos e leis, buscando consensos políticos para que a cidadania seja a grande soberana na política, pois só assim haverá democracia real em nosso país.
TEXTO-MEIO

II. Uma gestão compartilhada e participativa
Colocar a atividade política a serviço do Bem Comum pressupõe um conjunto de propostas que precisam ser transformadas em leis. Não será fácil, isso porque a maioria delas, se não a totalidade, batem de frente com os interesses do status quo da Política, em alguns casos com potencial para implodir o mecanismo de perpetuação no Poder. Exatamente por isso tais propostas sofrem e sofrerão resistência do Sistema Político dominante. A saída é a combinação entre ação parlamentar e educação e mobilização social. 

Há que ter um ‘pé dentro e um pé fora’ do parlamento, apresentando propostas que façam aflorar as contradições do Sistema, tendo nisso, um sentido pedagógico a alimentar processos de consciência, organização e ação cidadã. Um Mandato Cidadanista, portanto, tem que atuar em sentido oposto à acomodação e ao modus operanti do Sistema Político. Não agindo assim, um Mandato Cidadanista não faz sentido, reduzindo-se ao habitual conformismo parlamentar, ora denunciando desmandos, ora buscando pequenas reformas, sem, contudo, atingir o Sistema em seu cerne.

Não é tarefa fácil, pois não basta vontade para mudar, há que ter capacidade, experiência e coragem. E um profundo compromisso ético com outros mundos, formas de vida e mediação social. O Modo Bom de Governar, do Zapatismo, praticado nas montanhas de Chiapas, no sul do México, aponta relevantes princípios para uma Gestão Compartilhada e Participativa em torno de um Mandato Cidadanista pautado nos princípios do Bem Viver:
  1. Obedecer e não mandar (ou: Mandar Obedecendo);
  2. Representar e não suplantar;
  3. Ir às bases e não às cúpulas (ou: Baixar e não Subir);
  4. Servir e não servir-se;
  5. Convencer e não vencer;
  6. Construir e não destruir;
  7. Propor e não impor.
Reinventar a política no Brasil passa pela escrupulosa adoção desses princípios, pois só assim será possível, algum dia, quem sabe, escrever na frente de cada repartição pública, na frente de cada câmara legislativa: “Aqui o povo manda, o governo obedece!”.

Historicamente, o Parlamento é um lugar onde se ‘parla’, onde se fala. Em lugares em que todos falam, ninguém se escuta; e os que que ‘parlam’ não escutam a sociedade. Um Mandato Cidadanista necessariamente tem que vir acompanhado por processos de escuta sensível (escutatórias), através de círculos escuta e decisão, sejam temáticos ou territoriais, perenes ou em funcionamento temporal pré-determinado, com propostas e posicionamentos debatidos em encontros periódicos (incluindo transmissões ao vivo pela internet, em diálogo direto com o parlamentar), e processos de consulta e enquetes quanto a votações e posicionamentos relevantes, sempre observados princípios prévios do Mandato. 

Com os Círculos de Escutatória será possível adotar o método de consulta, via Micropolítica, com grupos de opinião/representação, que se debruçariam sobre temas de forma mais profunda, com objetivo de apresentar parecer para orientação às consultas públicas.
Ao lado dos Círculos de Escuta, há que funcionar uma equipe de gestão do mandato que seja, ao mesmo tempo, comprometida com os princípios de construção coletiva e propostas de transformação, com capacitação técnica e operacional, e que seja dinâmica e eficiente. Junto a estes, que terão função técnica e profissional, as Codeputadas e Codeputados.

A ideia dos Codeputados é uma proposta política, em que o mandato se apresenta como chapa, havendo a pessoa que, em função do histórico de vida, compromissos e representatividade, leva o nome na cédula eleitoral e assume formalmente a responsabilidade. Mas junto dela, de forma voluntária, e em compromisso político, são apresentados Codeputados, na função de Tuxauas (entre os diversos povos indígenas no Brasil, o tuxaua tem a função de representar as aldeias, sem distinção hierárquica e em constante rodízio), fazendo a ligação do mandato em sua área de atuação, sugerindo propostas, analisando pautas de votação, etc. 

Havendo, ao menos uma vez por ano, a realização de um Conselho de Visão, com Codeputadas e Codeputados, além de pessoas de referência, no Brasil e no exterior, em temas prioritários para o Mandato e a conjuntura do país, e colhendo a opinião geral dos círculos de escuta.

Emendas individuais de parlamentares. Por princípio um Mandato Cidadanista deve ser contra emendas individuais de parlamentares, pois elas distorcem e corrompem a construção de políticas públicas, tornando direitos em dádivas, gerando clientelismo e meios para negociações não republicanas. Papel do Parlamento é aprimorar o orçamento público com emendas coletivas e de acesso público, não clientelista. 

Todavia, enquanto houver esse mecanismo de emenda parlamentar individual, e obrigatória (em 2017 foi de R$ 15,3 milhões por deputado federal), o compromisso do Mandato deve ser a distribuição destes recursos por edital público, a partir de temas prioritários para o Mandato, em que os projetos devem ser avaliados através de critérios transparentes e por uma comissão independente.

Por fim. “Uma andorinha só não faz verão”, assim como a manhã não é anunciada por um galo só. Um Mandato Cidadanista só pode existir se fruto de um movimento e engajamento coletivo, não cabendo candidaturas de ‘si mesmo’. 

Em 2018 as eleições serão para o Congresso Nacional, assim como Assembleias Legislativas, e vão acontecer sob o signo de um Brasil vivendo um contexto de Golpe de Estado e regressão democrática, com desmonte de políticas e direitos sociais, manipulação política e instigação ao ódio e à violência. 

O ambiente é de um país dividido entre a Civilização e a Barbárie, entre a defesa dos interesses nacionais e populares e o ‘entreguismo’, com submissão aos interesses das grandes corporações transnacionais. É um tempo de resistência, que exige indignação, coragem e esperança.

A partir da presente mobilização eleitoral, o objetivo é aglutinar forças para novos processos de revolução política e social, e para que tenham efetividade é preciso que eles aconteçam de baixo para cima. O melhor caminho será formar referências nos municípios, pois é no território que as pessoas vivem e compartilham suas relações. 

Combinando a luta de fora para dentro, de abaixo até acima, com ética e clareza de princípios, haveremos de fazer brotar um país como nunca se viu, em que o povo haverá de mandar, e os governantes haverão de obedecer. Este deve ser o principal objetivo para um Mandato Cidadanista no momento atual, abrindo caminho para a Revolução Brasileira, em processos municipalistas de tomada de poder, com sentido libertário, de busca do Bem Comum, com generosidade, respeito e coragem.

III. Propostas para uma reforma política a serviço do povo brasileiro
Identificados os problemas e apontado o padrão ético para a sua superação, cabe, de maneira clara e precisa, organizar as propostas de superação. Não se trata apenas da superação de indivíduos ou grupos que exercem o poder político, mas da superação de um bem engendrado Sistema de controle social, político, econômico e cultural. 

Nisso as classes dominantes no Brasil são realmente competentes, exercendo o mando desde os tempos das Capitanias Hereditárias. Salvo algumas famílias que exercem o poder diretamente, a maioria dos políticos, inclusive, não passam de reles empregados das grandes empresas e castas a ‘cupinzarem’ o Brasil.

Tanto os “políticos”, quanto a mídia e o Sistema dominante, quando falam de reforma política, a reduzem a uma simples reforma eleitoral (e sempre com regras que os beneficiem, registre-se), ora tratando da forma de representação (se voto aberto, como é hoje, se distrital majoritário ou distrital misto, ou lista fechada, em que a ordem dos parlamentares é estabelecida pelos partidos), ora, nem isso. No fundo tudo não passa de ‘distrações’ a manter tudo como dantes. Para uma reforma política profunda e estrutural há que adotar as seguintes medidas:
  1. Redução na quantidade de parlamentares, para 380 Deputados e 54 Senadores.
O Congresso brasileiro é, ao mesmo tempo, ineficiente, caro, não representativo e não responsivo (capacidade de responder às demandas e necessidades da sociedade). É um Congresso numeroso mas que, ao mesmo tempo, não representa a sociedade, ou melhor, representa apenas aos seus patrões, às castas econômicas e políticas, essas sim, super-representadas por um Congresso que vive de costas para o Brasil. Neste momento, melhorar a qualidade da representação política pressupõe diminuir a quantidade da representação, permitindo um maior controle social sobre a atividade parlamentar e eficiência no trabalho.
  1. Para Deputados. Seriam distribuídos na seguinte proporção: para o primeiro milhão de eleitores: 4 deputados (mesmo quando a unidade da federação tiver menos que um milhão de eleitores); depois, para cada 500 mil eleitores, acrescenta-se uma nova vaga. Em 2018 são aproximadamente 147 milhões de eleitores no país, distribuídos em 27 unidades da federação (para o primeiro milhão de eleitores, ou menos, nas 27 unidades da federação x 4 vagas = 108 deputados; para os seguintes 120 milhões, a cada 500.000 x 2 = 240; mais um máximo de 27 para números quebrados), o que totalizaria um máximo de 375.
  2. 4 Deputados escolhidos pelos povos indígenas. O Brasil tem uma população originária de aproximadamente um milhão de pessoas, distribuídas por todas as unidades da federação. Com isso essa população não consegue alcançar um coeficiente mínimo de representação em nenhum estado (o último deputado assumidamente indígena, foi o cacique Juruna, eleito em 1982, pelo estado do Rio de Janeiro, mais com um voto de adesão e proposto político que propriamente de representação indígena, até porque ele era Xavante, natural do estado do Mato Grosso). Não se trata de um privilégio, mas de alteração na forma de votação para escolha de deputados indígenas, que, para escolha de deputados, teriam um colégio eleitoral nacional (o que resultaria em 4 vagas, como nas unidades da federação com menos de um milhão de eleitores).
  3. Para Senadores. Redução de Vagas para Senador de 3 para 2 por unidade da federação. A terceira vaga de senador é resquício do “Pacote de Abril”, da Ditadura Militar, que instituiu o Senador Biônico.
A adoção dessas medidas também tem o efeito de tornar a representação no Congresso mais proporcional, reduzindo a distorção hoje existente. Atualmente a diferença de peso do voto entre um eleitor paulista que vota em Roraima – 324 mil eleitores – e um roraimense que vota em São Paulo – 32.715.000 eleitores – é de 11 vezes (uma vaga a cada 40.000 eleitores em Roraima e uma vaga para cada 467 mil eleitores em SP). 

Não se trata de uma questão regional, que é uniformizada pela representação igualitária no Senado, mas de uma questão democrática, reduzindo desigualdades na representação política. Com a nova forma de proporção, a diferença seria reduzida para 5,7, ainda assim uma diferença, mas ao menos mais próxima do princípio “um cidadão, um voto!”. 

Os EUA, com uma população de 322 milhões de habitantes, tem 435 deputados e 100 senadores, para 50 estados, assim como a França está promovendo sua reforma política para redução em 1/3 no tamanho de seu Congresso; é inescapável que o Brasil, com toda sua crise na representação política, trate deste assunto na próxima legislatura e que ele seja encaminhado para consulta e deliberação popular, via Plebiscito.
  1. Redução em 50% no Custo da Atividade Parlamentar no Brasil. O custo médio por parlamentar no Brasil é de US$ 4.415 milhões/ano, o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA; em países como Alemanha, França, Argentina ou México é de, respectivamente, US$ 1.191 milhão, 1.079 milhão, 1,917 milhão, 1,777 milhão. Junto ao Plebiscito para redução da quantidade de parlamentares, deve ser aberta consulta popular para a redução dos orçamentos para o Congresso, Assembleias legislativas e Câmaras de Vereadores.  A meta deveria ser recolocar o custo parlamentar no Brasil em equivalência com o custo mundial, o que significa uma redução de 50% no custo total do Congresso Nacional, que deveria ser estabelecido em lei. Com isso o custo máximo ficaria em US$ 2 milhões/ano por parlamentar. No projeto de lei para a Consulta plebiscitária será apresentada a seguinte questão: Congelamento nominal no orçamento do Congresso, com redução de 10% ao ano até alcançar o custo médio mundial. Em 2022 esta medida resultaria em uma economia anual de R$ 7 bilhões. Para Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores se adotaria e mesma consulta, no mesmo processo plebiscitário, acrescentando o veto a que legislativos estaduais e municipais utilizem recursos de transferências de impostos para o financiamento de suas atividades, que devem ser custeados exclusivamente com a arrecadação de Impostos local. Isso resultaria em uma economia de aproximadamente R$ 5 bilhões em Assembleias legislativas e de 7,6 bilhões em Câmaras de Vereadores. Antes que alguém diga que esta redução de custos desvaloriza a democracia, ao contrário, ela a valoriza; primeiro, por tornar a representação mais próxima da realidade do povo, segundo, por estabelecer um padrão parlamentar com menos excesso e desperdício, e com isso mais eficiente, terceiro, por aproximar o custo parlamentar do Brasil ao custo dos demais países civilizados, e ainda assim a um valor superior a esta média, mas menos absurdo que atualmente.
  2. Fim do Fundo Público Eleitoral (no valor de R$ 1,7 bilhão em 2018), com manutenção da proibição do impedimento de contribuições de pessoa jurídica, teto para despesas eleitorais e teto nominal para doações de pessoas físicas para campanhas eleitorais, incluindo candidatos. O Fundo Partidário já tem valores elevados para a atividade político-partidária (R$ 800 milhões em 2018) e o Fundo Eleitoral, criado em 2017, distorce por completo a vontade do eleitor em renovar o parlamento, isso porque os recursos são concentrados nos grandes partidos, exatamente os maiores responsáveis pela degradação da política no Brasil. Na situação atual os brasileiros são obrigados a financiar exatamente aqueles partidos que o povo mais rejeita; além de o Fundo eleitoral estimular o mercado de compra e venda de deputados, como se assiste a olhos vistos. Política ao alcance da cidadania é política de baixo custo, por isso participativa e colaborativa. Segue estudo que publiquei a respeito:(https://www.revistaforum.com.br/por-uma-reforma-politica-justa-democratica-e-cidada/ ).
  3. Fortalecimento de Observatórios da Cidadania para acompanhamento cidadão sobre licitações, contratações e medições de serviços públicos. O povo manda e o governo Obedece, esse tem que ser o princípio, mas isso jamais ocorrerá sem mecanismos de controle cidadão. A proposta é dar passos adiante nos processos de transparência, tornado obrigatório o repasse de dados para Observatórios Sociais, criando um Índice de Custos para contratação de Serviços Públicos (há dados mais que suficientes para se obter indicadores de custo em todos os serviços e compras públicas, a exemplo o Índice de Custos da Construção Civil, tornando mais fácil o acompanhamento e comparação de custos de contratos públicos).
  4. Limite para reeleições sucessivas em mesmo cargo parlamentar. Política não é profissão, é inconcebível que tenhamos parlamentares com 30, 40 anos de mandatos sucessivos. Claro que há exceções, em que alguns (poucos) parlamentares com sucessivos mandatos o exercem com ética e compromisso público, mas a regra em mandatos longevos é o corrompimento e a acomodação. A proposta é estabelecer um limite para duas reeleições no mesmo cargo.
  5. Revogatória para Mandatos. Este é um princípio básico da democracia: o povo é soberano é dele que emana o poder. Isso está inscrito em nossa Constituição, mas em nossa democracia sequestrada tal princípio não é aplicado. Há o mecanismo do impeachment (impedimento), mas que é seguro nas mãos de quem controla o parlamento, tornando-se fonte de crises e arbitrariedades. Vários países democráticas adotam o mecanismo da Revogatória, tanto para cargos executivos como parlamentares. A revogatória seria chamada quando o eleito descumpre com o programa submetido a eleição (que deveria ser registrado previamente), ou em caso de desvios no exercício do cargo. Caberia ao legislativo, ou a uma quantidade de assinaturas da população (ao menos a mesma quantidade de assinaturas que os votos do eleito, para evitar abusos) convocar Plebiscitos Revogatórios quando se cumprissem determinados requisitos. Tendo o Brasil adotado o presidencialismo ( e não o parlamentarismo) como modo de governo, este é o mais eficiente procedimento para a resolução democrática de impasses políticos, evitando intermináveis crises (como a que o Brasil vive no presente) e com solução democrática.
  6. Prévias Cidadãs e governança democrática em Partidos Políticos. Como escrito em artigo anterior, os partidos políticos são imprescindíveis para a democracia, porém, quando os partidos são sequestrados por castas, tornando-se meio para negócios e negociatas de pequenos grupos, eles se transformam em obstáculo para a democracia real. Há duas medidas legais que precisam ser incorporadas à Lei Orgânica dos Partidos: a) adoção de prévias para escolha de candidaturas ao executivo e ao legislativo; b) um partido político só poderá lançar candidatos nas esfera se tiver diretório eleito, não provisório (atualmente há vários partidos que só funcionam com diretórios provisórios, de modo que o presidente nacional ou estadual pode trocar direções partidárias por ato de ofício, sem qualquer consulta às bases). Essa são medidas comuns na maioria dos partidos democráticos e imprescindíveis para criar um freio à “Partidocracia”. Junto a isso, o fim do Fundo Eleitoral para financiamento de campanhas, pois o financiamento de campanhas também é uma forma de diálogo e compromisso com a cidadania, e deve acontecer de forma democrática e pulverizada, a partir daqueles que apoiam determinada ideia.
  7. Lista Cidadã, com possibilidade de candidaturas independentes. Novamente, uma medida comum a toda democracia que se pretenda sólida. Pela legislação brasileira há um monopólio dos Partidos Políticos em relação ao exercício institucional da política, é isso que torna tão difícil processos de mudança política no Brasil. Garantindo em lei a possibilidade de formação de Lista Cidadã, ou candidaturas independentes, estaríamos criando um saudável contrapeso aos partidos políticos que, ou se abririam à sociedade, transbordando suas estruturas, ou estariam condenados ao definhamento.
O principal objetivo com essas medidas é tornar a política ao alcance da cidadania, mas há também o efeito da redução no custo público na atividade política, que não pode ser negligenciado. Como demonstrei nessa série de artigos, o orçamento público brasileiro despende um valor considerável para a manutenção da vida política. Isso é necessário, pois democracia custa, e não ter democracia custa ainda mais caro para a sociedade, mas quando este custo atinge custos absurdos, ele também é uma ameaça grave à democracia. 

Democracia pressupõe uma vida política sem excessos, com profundidade na análise dos problemas, ética na condução de suas ações e coragem e consistência na apresentação de soluções, e isso não está vinculado a dinheiro e sim a compromisso cidadão; ao contrário, o dinheiro, quando muito, está associado à distorção do que deveria ser um compromisso cidadão.

Apenas como resumo em relação aos custos (pois pretendo retoma-lo em artigo futuro). Em 2018 o Brasil comprometerá R$ 35,5 bilhão com a atividade política parlamentar e partidária (R$ 33 bi em custo legislativo nas 3 esferas da federação, mais R$ 1,7 bi em Financiamento Público de Campanha, mais R$ 800 milhões em Fundo Partidário) -além do custo com a Justiça Eleitoral, que é de R$ 8 bi-. 

Com o conjunto de medidas aqui apresentadas, este custo total seria reduzido para entre R$ 16/18 bilhões, liberando valor equivalente para investimentos diretos em saúde, educação e cultura, segurança e o que mais o povo considere relevante para sua qualidade de vida. E apontar isso é sim função de um Mandato Cidadanista, que coloca o povo em primeiro lugar.
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Célio Turino

Célio Turino é historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Foi idealizador e gestor do programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, tendo exercido diversas funções públicas, entre elas: Secretário de Cultura e Turismo em Campinas/SP (1990/92), Diretor de Esporte e Lazer em São Paulo/SP (2001/2004) e Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/2010). Autor dos livros: Na Trilha de Macunaíma – ócio e trabalho na cidade (Ed. SENAC, 2005) e Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima (Ed. Anita Garibaldi, 2009), entre outros.