segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Brasil em estado de transe. Quais as saídas?

Um dos maiores dramas do Brasil em termos de polaridade,  e que o momento atual está deixando bem exposto, bem escancarado,  é a forte dose de autoritarismo, exclusão e elitismo  em disputa com uma fraca disposição em basearmos as nossas relações em conceitos como democracia, participação e  inclusão.

Da nossa parte, compreendo o importante papel que a educação, a comunicação e a cultura tem no enfrentamento a isso. Porém,  com pouco  resultado de curto prazo, mas crescente a médio e a longo prazo, desde que feito com criatividade, ousadia, determinação,  e de forma permanente e constante.

Porém,  a nossa experiência, particularmente no Bairro América, Aracaju, a partir da pesquisa  e dos estudos que estão sendo  realizados para a produção de um livro sobre a AMABA/Projeto Reculturarte (1986 à 1996) , revela o quão instigante e  desafiador,  é realizar ações no campo da arte-educação popular e  das ações culturais de base comunitária,  e ao  mesmo tempo descobrir  o quanto de autoritarismo, elitismo e exclusão   nos acompanha e estão dentro de nós. Mesmo dentro daqueles (as) que fazem o bom combate contra isso, com maior grau em uns, e em outros em menor grau.

O resultado disso, é que essas experiência educativas e culturais que se propõem a transformar a realidade de opressão, terminam por avançar  até um certo ponto, mas sucumbem  depois, por não conseguir superar os  choques dos desejos.  Como por exemplo, o de controlar, de mandar, de ser o centro das atenções de um lado, e  do outro lado, o de saber ouvir, dialogar  e decidir mediante consenso, assim como  o respeito e reconhecimento pelos conhecimentos e talentos dos outros.  Assim a disputa no plano micro, fortalece o plano  macro.  As derrotas e vitórias embaixo nos enfraquecem ou nos fortalecem  em cima.

Dentre os documentos encontrados no trabalho de pesquisa que estou realizando, trago esse abaixo , sem titulo e sem data precisa,   para desenvolver melhor a  argumentação do que proponho acima.  O texto abaixo foi escrito  e distribuído  em cópias xerox para companheiros (as) dirigentes e educadores  (as) envolvidos com as atividades da AMABA/ Projeto Reculturarte possivelmente no ano de 1994, envolvidos em um  conflito onde se  misturavam  questões de ordem pessoal,  com questões de ordem  ideológica.

Vamos ao documento: 
  
Em 1988,  participei de um seminário da ANAMPOS (articulação nacional do movimento popular e sindical)  em vitória (ES), e  que contou com a participação de delegações de 20 estados reunindo militantes do movimento popular.

O objetivo era fazer uma avaliação de como estava o movimento popular em termos de organização, infraestrutura, relação com o governo, igreja e partidos etc... fora estas questões mais gerais, um tema que não suscitou maior interesse da plenária na hora de formação dos grupos, mas que produziu um dos melhores textos, foi “A dimensão afetiva do militante “,  onde participei juntamente com três mulheres da discussão, ficando a cargo da companheira Luiza  Fernandes de São Paulo elaborar a síntese final em forma de tese. Algum tempo depois,  o texto foi publicado no boletim da ANAMPOS que era distribuído a nível nacional, possibilitando desta forma  ser lido por um número maior  de pessoas.

Recentemente folheando o arquivo da AMABA encontrei-o,  e ao lê-lo  confesso que fiquei muito feliz pois o texto coloca algumas questões que tem muito a ver com a nossa situação interna atual, por este motivo trago-o resumido para servir de introdução a analise dos motivos que nos levaram a essa situação. Por ultimo,  é importante frisar que estas não são e nem serão as ultimas palavras a respeito do assunto.

(...) As análises, os relatos feitos, as experiências vividas tem revelado em sua maioria, que reproduzimos a estrutura vertical da sociedade burguesa. A hierarquização, o desrespeito pelo iniciante que passa a ser usado como massa de manobra, como voto na convenção  e para panfletagem, vive uma situação semelhante ao operário na fabrica que não tem direito a nenhuma instância de decisão. Ele também não sabe sobre como, porque e quando fazer.(...)

 (...) Raramente discutimos porque uma pessoa entra em um movimento. Será que isto só acontece quando ela já tem uma consciência politica pronta. Se for isso, como fazer um trabalho educativo. E a idéia de processo. E a idéia de transformação enquanto um processo contínuo e dialético. (...)

(...) Até que ponto , o como e porque iniciei no movimento não está relacionado com a minha estória de vida. (...) 

(...)Se sou machista com minha mulher, se espanco meus filhos, se escondo que tenho família, nada disso interessa ao movimento. Estas são questões de foro intimo. Mas será isso mesmo? Será que mesmo não querendo não levamos para o movimento tudo o que somos . (...)

(...) Até que ponto,  não fazemos do movimento um lugar de valorização, de busca de status. Ou não conhecemos muitos que entraram em um processo de deterioração por causa da falta de diálogo, da desconfiança entre companheiros, de situações ambivalentes, de desentendimentos entre os companheiros, de palavras não ditas. (...)

(...) Usamos nossas experiências passadas como guia numa situação nova. E como adultos,  racionalizamos de acordo com normas e valores acumulados durante toda a nossa vida. E como adultos  temos dois caminhos: podemos cristalizar uma posição, ou estamos sempre abertos para reelaboração, que é diferente de não ter posição. " (...)
Zezito de Oliveira


Levar isso em conta é fundamental, para quando  os partidos de esquerda ou de centro esquerda (PT, PSOL, PDT, PC do B, PSB), assim como movimentos sociais (UNE, UBES, CUT CONAN, CMP, MST, MTST) decidirem fazer auto critica.

Por outro lado, canções como essa abaixo no fará um  bem danado, isso para não mergulharmos na falta de esperança, no niilismo, na depressão. Os ateus considerem o uso da expressão “Tomara, meu Deus tomara como força de expressão.   Mesmo assim, a canção não perde o sentido. Independente de se ter fé ou não, o trabalho, a ação,  é o fundamental. E com a esperança e a utopia no centro.  

Como diz Mário Quintana em “Das utopias”, “Se as coisas são inatingíveis... ora! / Não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora / A mágica presença das estrelas!”


P.S.: - Associação dos moradores e amigos do bairro américa (AMABA) e Reeducação, Cultura e Arte. (Reculturarte)
 Tomara meu Deus, tomara
Que tudo que nos separa
Não frutifique, não valha
Tomara, meu Deus

Tomara meu Deus, tomara
Que tudo que nos amarra
Só seja amor, malha rara
Tomara, meu Deus

Tomara meu Deus, tomara
E o nosso amor se declara
Muito maior, e não pára em nós

Se as águas da Guanabara
Escorrem na minha cara
Uma nação solidária não pára em nós

Tomara meu Deus, tomara
Uma nação solidária
Sem preconceitos, tomara
Uma nação como nós.”




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