terça-feira, 21 de outubro de 2025

O real adversário de Lula em 2026 De militante do PT a gestor público do MDB, Isaac Faria encarna uma nova lógica da política. E profetiza: “EMENDAS vão vencer a eleição”.

 Cartas Marcadas

Parte 18

Terça-feira, 21 de outubro de 2025



Cartas Marcadas é uma newsletter semanal que investiga a ascensão da extrema direita, as ameaças à democracia e os bastidores do poder em Brasília.

As pesquisas estão cada vez melhores para Lula. A oposição está sem rumo. E, por ora, o presidente não tem adversário competitivo à altura. Mas, por pelo menos duas razões, o jogo não está decidido.

Em primeiro lugar, a mais óbvia: em maio, Lula aparecia empatado com Tarcísio de Freitas em simulações de segundo turno. Desde então, o petista recuperou fôlego, mas uma reviravolta ou a ascensão de um novo candidato alinhado à extrema direita está longe de ser impossível.

O segundo motivo é que o resultado das urnas para o Legislativo, especialmente o Senado Federal, pode definir algo muito mais valioso do que um novo mandato presidencial de Lula: o destino da democracia.

Entender o risco que o país corre exige sair de Brasília e olhar para o chão onde o poder realmente se constrói. É o que diz uma célebre frase do ex-governador paulista Franco Montoro: “Ninguém vive na União ou no estado. As pessoas moram no município”.

Nesta semana, te levo a uma padaria aos pés do Edifício Martinelli, sede da prefeitura de São Paulo, onde almocei – acredite se quiser – com um membro da gestão de Ricardo Nunes, do MDB.

Mas não era um mero burocrata. Era um personagem que talvez você se recorde. Alguém que não concordo. Mas que tenho certeza que deve ser ouvido. Vamos a ele.

‘O barulho daquela entrevista foi muito produtivo’

Há um ano, Isaac Faria se tornou um personagem improvável no debate nacional. Líder comunitário do extremo sul de São Paulo, ele virou manchete com uma frase que disse para mim em uma entrevista publicada no Intercept Brasil, durante as eleições de 2024 — uma frase que sintetizava uma virada: “Eu era do PT. Agora sou Centrão.”

De lá para cá, Isaac trocou as ruas das periferias por um cargo na gestão do prefeito Ricardo Nunes, como assessor da Cohab, uma empresa estatal responsável por executar políticas públicas de habitação.

Perguntei como isso aconteceu. Ele me disse: a repercussão da entrevista, em plena reta final do segundo turno da eleição paulistana, fez com que ele se aproximasse ainda mais do grupo político de Nunes. O convite para um cargo na gestão, conta, foi “natural”.

“Todo o barulho que aconteceu por causa daquela entrevista foi muito produtivo. Muita gente entendeu o que eu quis dizer. Outros me chamaram de traidor, mas isso é a democracia”, afirmou.

A entrevista, de fato, teve uma enorme repercussão: a história de Isaac foi citada por analistas, políticos e jornalistas como exemplo da importância das emendas parlamentares nas eleições — algo que os dados já revelavam depois do primeiro turno.

Mas, até aquele momento, ninguém tinha encontrado um Isaac, alguém que traduzisse como essas quantias bilionárias de dinheiro despejadas em cidades de todo o país mudaram lealdades, percepções e votos.

Agora, a história de Isaac traz um outro aspecto da mesma engrenagem: o Centrão não só dá emenda. Ele dá cargo. E isso faz com que um líder comunitário como Isaac esteja liberado para defender todos os dias o projeto de seus chefes: “Se o Tarcísio for candidato a presidente, o Nunes é candidato a governador. E eu vou apoiar os dois”, admitiu.

Durante o almoço, fiz questionamentos desconfortáveis ao agora funcionário público Isaac, que exibia orgulhoso seu novo crachá. Perguntei se aceitar o cargo não daria razão àqueles que o criticaram pela entrevista de 2024, dizendo que ele só queria uma “boquinha”.

“Vou te falar a verdade. Eu acordo todo dia pensando o que posso aprender e tudo que posso fazer para beneficiar minha comunidade. A política tem custo para ser feita. Não se faz política sem estrutura. E eu estou usando essa estrutura para fazer política para o meu povo.”

Também perguntei a Isaac se ele compactuava com Nunes e Tarcísio na defesa da anistia a condenados da tentativa de golpe de 8 de Janeiro. “Você acha que no M’Boi Mirim as pessoas ligam para isso?”, ele disse, me devolvendo a pergunta. Eu retruquei: “Você não liga?”.

“Sabe o que importa pra mim? A piscina pública nova, as novas moradias populares que eu fui entregar com o prefeito, o asfalto que a gente está colocando onde nunca teve e as obras”. Obras que, segundo ele, “finalmente estão acontecendo com agilidade”.

“Quando eu estava no PT, ninguém me chamava para discutir emenda. Hoje eu entendo a importância delas. Com elas, o recurso chega. Eles falam e eu vou lá ver se o ar-condicionado foi instalado, se a piscina foi construída. E foi. Política não pode ser discurso vazio. A comunidade quer ver o prédio, o elevador, o equipamento funcionando”, disse.

Quando pergunto se ainda há salvação para a esquerda, ele suspirou: “O navio está afundando. Na minha quebrada, eu vejo um ranço que não sei se dá para resolver.” E complementa: “Eu não sou adversário do Lula. Só que, com as emendas, eu vejo as coisas acontecerem com mais velocidade do que com as coisas do governo. E me pergunto: por quê?”.

Essa resposta eu não pude dar ao Isaac. Os números talvez ajudem a explicar. Entre 2014 e 2025, o Brasil saiu de um modelo em que as emendas eram periféricas no orçamento federal para outro em que se tornaram a principal ferramenta de poder no país.

Ministérios outrora cobiçados agora são menos atrativos do que um mandato parlamentar. Em 2014, o total pago em emendas somava cerca de R$ 9 bilhões. Em 2022, na reta final do governo Bolsonaro, já ultrapassava R$ 35 bilhões com o orçamento secreto.

Em 2023 e 2024, mesmo com Lula no Planalto, o montante continuou no mesmo patamar — agora institucionalizado como emendas impositivas. Ou seja: o mecanismo que garantiu o domínio da direita no Congresso não recuou com a vitória de Lula. Ele sobreviveu a ela.

Lula parece ter entendido isso. Depois de pesquisas aterrorizantes no início do ano, o presidente viajou menos ao exterior e mais ao interior do país para inaugurar obras e encontrar a população – mesmo que em solenidades fechadas, mobilizando “os mesmos de sempre”.

“Isso faz diferença”, disse. “O povoquer saber de duas coisas: o que o governo entrega e o preço da comida”, disse Isaac, com um tom quase arrogante. Mas a verdade é que, desde que almocei com ele, em agosto, o custo dos alimentos só caiu – e a popularidade de Lula só cresceu.

Mas, infelizmente, o favoritismo atual nas pesquisas nacionais não é garantia de estabilidade democrática. Como o meu colega Leandro Becker destrinchou em uma excelente série de reportagens no Intercept, a extrema direita tem outra batalha prioritária: o Senado.

O plano é conquistar maioria em 2026 e, com isso, controlar a pauta de impeachments de ministros do Supremo, vetar autoridades e, se Lula vencer, travar o governo.

E para esse plano sair do papel, as emendas terão papel-chave. Afinal, quem mais lucra com o modelo atual são justamente o Centrão e a extrema direita, porque têm mais cadeiras no Congresso e, portanto, mais orçamento para irrigar seus redutos.

Sim, Lula pode perfeitamente ganhar a Presidência — e ainda assim perder o país.

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