Em meados da década de 80, um pai de família sergipano, que residia no Rio de Janeiro, decidiu retornar com a família ao seu Estado de origem. O seu filho mais velho, um menino que amava os Beatles, Chico Buarque/Caetano Veloso, Luiz Gonzaga e a Cor do Som, sentiu-se muito inquieto em retornar para um “deserto cultural” onde prevalecia um modo de fazer política fundamentado nos valores e atitudes típicos do mau e velho sistema do coronelismo.
Para chegar a estas conclusões, o menino partiu dos assuntos dominantes nas rodas de conversas das tias e tios, que às vezes visitavam seus pais, das leituras dos jornais alternativos, a exemplo do Pasquim e outros, e ainda dos jornalões (O Globo e o JB).
Mas, quando tudo está ou parece perdido, sempre existe uma luz, como disse pouco depois um jovem compositor, e o menino se deparou com o Festival de Arte de São Cristóvão, conhecido também como FASC, e aí, quando era tempo do festival, o menino se sentia bastante iluminado culturalmente.
Isso ocorria pelo fato de o FASC lhe recordar as temporadas populares de teatro (vamos comer teatro), os projetos de acesso à música popular (seis e meia), à música clássica (projeto aquarius), os cineclubes da zona sul, eventos e ambientes culturais frequentados pelo ousado menino suburbano
E no FASC o menino pode encontrar um pouco de tudo isso, e ainda melhor, concentrado em um mesmo local, em dias consecutivos, e na antiga cidade onde o menino nasceu, cenário bem propício para uma ação cultural comprometida com a qualidade, a diversidade e a democratização do acesso da população às mais diversas manifestações culturais e artísticas.
Além de curtir as atrações artísticas, nessa ocasião o menino era hóspede da sua querida avó Nanã (Sara), que residia em um casarão próximo à igreja do Rosário, local onde o menino viveu até os sete anos, quando se mudou com a família para Aracaju e, logo depois, para o Rio de Janeiro.
Das atrações artísticas do FASC, o menino tinha uma especial predileção pelas apresentações dos grupos de teatro no auditório do Colégio Paulo Sarazate, em razão da temática regionalista que predominava nos textos encenados. Por ter vivido distante do nordeste por longos anos, precisava disso para se banhar e mergulhar nas fontes culturais de sua terra natal.
Outro momento inesquecível eram os cortejos dos grupos folclóricos, trazendo-lhe uma das poucas recordações que o tempo não apagou: a homenagem aos Santos Reis, cuja data é celebrada em janeiro.
Neste ano de 2011, o menino, agora homem feito, colabora com um grupo de moradores da cidade com o objetivo de obter dos poderes públicos o compromisso efetivo com a retomada e continuidade do FASC, suspenso em 1993 por decisão da Universidade Federal de Sergipe e retomado, de forma descontínua e em proporção reduzida, pelas administrações municipais que se sucederam desde então.
O menino, e agora homem feito, sou eu, que depois de tantas andanças por outros lugares, sempre buscando contribuir “para a felicidade geral da nação”, agora acrescenta sua experiência de agente e educador cultural em favor da cidade que o viu nascer.
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Agente cultural Hora Reis
Os dias em que se realizava o Festival de Artes de São Cristóvão, o FASC, eram marcados por um clima de liberdade e magia que decorriam da união de artistas e visitantes na procura da beleza estética nas suas mais diferentes manifestações populares, nascidas das entranhas do povo simples de nossa terra.
Entretanto, a beleza que marcava o FASC não estava apenas nas apresentações artísticas e culturais, mas também na multifacetada aparência do público que para lá afluíam de todo o Estado de Sergipe e além fronteiras: eram “bichos-grilos”, hippies, estudantes de “aparência comportada”, intelectuais, artistas consagrados e outros em busca de seu lugar ao sol, artesãos e vendedores de doces e petiscos.
Como nunca fui de hábitos noturnos, voltava cedo para casa, em Aracaju, o que me fazia perder os espetáculos e atrações que iam noite adentro. Mas, pela manhã, logo cedo, no sábado e no domingo,
retornava à quarta cidade mais antiga do Brasil para respirar aquele ar de alegria e beleza, apreciando as barracas de dormir armadas nas praças ou próximo às igrejas. Completava o cenário as barracas dos vendedores montadas no passeio que circundava as praças e mesmo em um dos lados de algumas ruas mais largas.
Sentia-me culturalmente iluminado, na feliz expressão cunhada pelo professor Zezito. Violência, se havia, nunca presenciei. Mas via a solicitude com que a população local acolhia os visitantes e artistas populares.
No começo da tarde, os grupos folclóricos começaram seu desfile pelas ruas estreitas da velha capital.
Os brincantes, muitos deles idosos, esbanjam uma vitalidade de nos dar inveja, a nós, os jovens de então: dançar samba de coco, de pareia, naquelas centenárias ruas de calçamento irregular, sob um sol escaldante e trajes que muitas vezes aumentava o calor, não era para qualquer um. Só quem via sentido para sua vida naquelas brincadeiras era capaz de suportar o cansaço com um sorriso de satisfação estampado no rosto: era um momento de glória ser visto por milhares de visitantes que apreciam o espetáculo proporcionado por aquelas pessoas simples, do povo de São Cristóvão, e de outras cidades sergipanas e nordestinas.
Havia muito mais a ser visto, mas a lente de meu interesse mirou apenas o que havia de mais popular naquele que foi um dos maiores festivais de artes do País.
Que o FASC retorne, “para o bem de todos e felicidade geral da nação” !
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Poeta Araripe Coutinho
A emoção é sempre algo vacilante, faz-nos sentir crianças e ao mesmo tempo grandes. Emoção está cada vez mais rara nos dias de hoje. "Tempo de partido, tempo de homens partidos" - diria nosso poeta de Itabira, Drummond.
Ao receber o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco, a Praça de São Francisco na cidade de São Cristóvão, 4ª cidade mais antiga do Brasil, é elevada ao grau de importância para o mundo que ela sempre, na verdade, teve, independente do título ou não. Agora, evidente, de fato e de direito.
A Praça de São Francisco está localizada no centro da cidade e é cercada pelas também históricas Igreja de São Francisco, Convento de São Francisco, Capela da Ordem Terceira - atualmente sede do Museu de Arte Sacra -, Santa Casa, Igreja da Misericórdia e Palácio Provincial.
A praça é a única no Brasil com um traçado urbanístico de origem tipicamente da colônia espanhola. Sua construção é do período conhecido como União Ibérica (1580-1640), quando os reinos de Portugal e Espanha tiveram como único soberano os reis Felipe II, Felipe III e Felipe IV da Casa da Áustria.
Tirando os dados históricos , a Praça São Francisco, na verdade, guarda uma peculiaridade belíssima para o povo de Sergipe. Foi nela que vi mais de dez festivais de Arte de São Cristóvão, organizados pela Universidade Federal de Sergipe, quando não era, como hoje, oficiosa. Ali, se apresentaram centenas de grupos nacionais e internacionais sob a batuta de intelectuais e mestres como Albertina Brasil, João Cardoso do Nascimento, então reitor e Luiz Bispo que fora nomeado pelo Presidente Médici para ser o novo magnífico, sob a ideia de Núbia Marques, já professora da UFS e poeta consagrada. Isso em 1972. De lá pra cá a Praça São Francisco, hoje patrimônio da Humanidade, recebeu vários grupos do Brasil inteiro, alunos e artistas consagrados que fizeram aquele espaço se imortalizar. Foram emoções grandes, espetáculos inesquecíveis de balé, dança contemporânea, música, circo, folclore, literatura e cinema, oficinas de artesanato, mostra de livros, recitais, teatro, gastronomia e festa, muita festa.
Da formação do Fasc até quando ele conseguiu resistir, porque o atual reitor, Josué Modesto dos Passos Subrinho, fez a proeza de enterrá-lo, passaram nomes gloriosos da UFS.
O Fasc mais rico foi sem dúvida, o que tinha Maria da Glória Santana de Almeida, a professora Glorinha, à frente.
Ela era Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários e conseguiu junto aos Ministérios uma fábula em dinheiro, prestigiando todos os artistas e grupos importantes. Foi a glória! De vários reitores me lembro de Aloísio de Campos, Gilson Cajueiro de Holanda, Eduardo Antonio Conde Garcia, Clodoaldo Alencar Filho (um apaixonado pelo Fasc), além de nomes como José Carlos Teixeira, Thétis Nunes, Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, Lu Spinelli, Maria Nely dos Santos, Terezinha Oliva, Francisco José Alves, Luiz Antônio Barreto e Aglaé Fontes de Alencar, Luiz Eduardo Oliva, João Costa, Tereza Prado, Eluzia Carvalho, Gizelda Moraes, José Costa, Fernando Lins, Jorge lins e tantos outros.
A arte de Sergipe na música também foi destaque sempre, ali na praça, de Nino Karva à reação, de Amorosa à Joésia Ramos, Naurea ao quinteto de cordas, orquestras, Antonio Carlos Du Aracaju a Chico e Antonio Rogério, Patrícia Polayne e Crys Emmel, além de tantos que incendiaram o palco com seus talentos. A Praça São Francisco guarda em si a grande glória de tudo isso. Dos braceletes, que as freiras fazem iguais na Suíça, à queijada de dona Geninha que, quando viva, enrolava-as em papel cor de rosa e verde, aquele velho papel de pão; de Vesta Viana endeusada por Jorge Amado e Zelia Gati por sua obra - tudo ali é mágico, é poético, é deslumbrante.
Mas o mais divino e ambicioso prêmio da Praça São Francisco, além de sua gente, sua arte e seu significado, é o Museu Histórico de São Cristóvão, localizado ali, na Praça São Francisco, que guarda a mais bela obra "Ceci e Peri",de Horácio Hora, o pintor sergipano que morreu em Paris, enterrado no Père-Lachaise, onde estão nomes como Honoré de Balzac, Paul Éluard, Oscar Wilde, La Fontaine, Piaf, Chopin, Allan Cardec, Molière, Marcel Proust, Raymond Roussel e foi erroneamente transladado para Laranjeiras, sua terra natal, estando servindo de esterco para cavalos amarrados ao seu monumento. Ele que estava enterrado no mais nobre cemitério da França ao lado também de Victor Hugo. Mas nada disso tira a imagem de Ceci e Peri, imortalizada por Horácio, inspirada na obra de José de Alencar, uma das mais belas páginas da literatura mundial. Ceci e Peri, por si só, já remete à Praça São Francisco a título de patrimônio da humanidade. Isso falo porque é impossível não chorar diante da tela. A moça branca deitada no barco, protegida pelo índio, como num filme de Visconti, uma ópera de Villa Lobos. Atentamos também para o Museu de Arte e Sacra que guarda as mais belas imagens já vistas no país, depois de Ouro Preto, onde um dia, Clodovil, chorou ao visitar.
Por tudo isso, diante da janela do museu, que dá para o pátio do convento, vendo as folhas verdes dos antúrios entremear o espaço cortando a tarde, cujo sol é lilás e a brisa verde, é que a Praça São Francisco, tão bem cultuada pelo historiador Thiago Fragata, é hoje um portal vivo de lágrimas e riqueza. Riqueza eterna, essa que o tempo não corroi.
[https://scprofasc.blogspot.com/2011/04/araripe-coutinho-do-festival-de-arte.html ]
Gestor público Marcos Santana
Eu tinha apenas 12 anos de idade quando aconteceu o 1º Festival de Arte de São Cristóvão - FASC. A nossa pequena cidade ficou cheia de gente. De repente uma trupe invadiu nossas ruas e vielas; homens e mulheres, muitos cabeludos, armaram suas barracas nas nossas praças. Foram três dias de magia. Depois deste primeiro FASC, muitos outros aconteceram. Até alguns que se apoderaram dessa denominação (FASC) mas que dá ideia original nada tinham. O último FASC aconteceu em 2005 e eu já tinha 46 anos e pude reviver deliciosamente os dias de magia que vivi na minha adolescência. Que venha de novo o FASC. E que venha pra nunca mais ir embora. Viva o FASC, viva São Cristóvão, viva João Bebe Água.
[https://scprofasc.blogspot.com/2011/08/viva-o-fasc-viva-sao-cristovao-viva.html]
Músico Antônio Vieira (Brasinha)
O FASC (Festival de Arte de São Cristóvão), jamais deveria ter sofrido solução de continuidade. Foi, enquanto durou, um dos maiores encontros de arte e cultura do nordeste brasileiro. Participei de 03 festivais na categoria arte musical, cantando ao lado do saudoso Hilton Lopes, e tocando/cantando com o grupo Repente. Torço pelo retorno do Festival, neste momento em que a juventude necessita rever valores, e nada melhor do que a arte, para servir de instrumento neste sentido. Sucesso ao pessoal da comissão pró-FASC. Um abraço!
[https://scprofasc.blogspot.com/2011/05/o-fasc-festival-de-arte-de-sao.html]
Um comentário:
Ler o desenrolar desse menino e seu amor pela arte, faz reacender a nostalgia de um tempo bom. Tempo em que a cultura era sensorial.
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