Orlando Calheiros
@AnarcoFino2016, lembro bem, estava indo dar aula na PUC quando o ônibus quebrou no meio da Av. Brasil. No ônibus, estavam pessoas que, como eu, se deslocavam dos bairros da Zona Oeste para a região central e sul para trabalhar. Rapidamente se formou um grito de "a culpa é da Dilma".
·A tendência não era regional, amigos de outras regiões, e
até de outros estados relatavam algo semelhante. Eu mesmo constatei essa
associação quando viajava pelo Sudeste do Pará. Em São Domingos do Araguaia o
nome da Dilma era lembrado para reclamar do preço da gasolina.
@AnarcoFino
·Mais uma vez, reitero, não estou aqui falando dos
mentecaptos que utilizavam aquele adesivo machista (para dizer o mínimo) em
seus SUV. Estou falando de gente que contava moeda para encher o tanque de uma
moto que deveria ser reciclada como sucata.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Enquanto na internet fingíamos que o antipetismo era um
movimento "coxinha", restrito a uma elite branca ressentida, o
imaginário popular, geral, era infectado com essa relação direta: o infortúnio
era culpa da presidenta.
Orlando Calheiros
Na época, quando falava sobre isso escutava, inclusive de
políticos, a repisada tese - um tanto classista - de que "brasileiro é
assim mesmo, não sabe como o estado funciona e culpa o presidente por
tudo."
Será mesmo?
Bem, entre 2014 e 2016 os "Grupos de bairro", de
"igreja", de "academia" (tudo virava grupo no zap e página
no facebook) foram se tornando cada vez mais comuns. Ali os infortúnios também
eram associados ao cosmos da esquerda, não apenas ao "presidente".
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
O grupo de bairro anuncia um assalto na região ... rapidamente a questão se torna "isso
acontece pois o povo do direito dos manos não deixa a PM trabalhar". No
grupo da igreja fala sobre como Deus criou a vida... "você sabia que as
feministas querem tornar o aborto obrigatório"
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·
Muitos dessas discussões, inclusive, se utilizavam do
voluntarismo de alguns militantes virtuais para consolidar uma imagem negativa
das esquerdas. Lembrem, época dos "textões", sempre tinha um(a) que
escrevia algum estapafúrdio. Essa pessoa era replicada e virava o
"padrão".
Essa tática, inclusive, repetia a tática de diversos
youtubers da direita americana (e aqui replicada por figuras como o Mamãe
Falei), e a prática segue por meio daqueles perfis "ódio d@ bem".
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Existia ali todo um esforço comunicativo (e não apenas no
Brasil) interessado em estabelecer uma ligação direta entre o infortúnio e os
elementos à esquerda. A presidência era um destes elementos. Um esforço que se
desdobrava em um verdadeiro ecossistema, canais, grupos...
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Corta para o presente. A última pesquisa de avaliação do
presidente mostra que ele vem sendo responsabilizado pelo auxílio emergencial e
nem tanto pelas mais de cem mil mortes na pandemia (onde ele tem sim uma
responsabilidade direta). Como isso é possível?
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Se culpar o presidente fosse um "impeto natural"
da sociedade brasileira, nesse momento, Bolsonaro não teria 2% de aprovação. A
ligação direta entre o infortúnio (ou a fortuna) e a presidência (ou
determinada ideologia) é - como tudo - o resultado de uma mediação.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Estes dias eu falava sobre a perda de poder aquisitivo da
população brasileira e a decadência da classe média. Muitos disseram que isso
seria bom para as esquerdas, pois as pessoas "acordariam". Apostam na
emergência natural de uma "consciência de classe" por meio da
penúria.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Ignorando, assim, o ecossistema informacional que
atualmente media a própria experiência do real. Com efeito, o real (o ônibus
quebrado) só existe enquanto experiência e, hoje, boa parte dessa experiência é
mediada por esse ecossistema, que não está do nosso lado.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Desde 2014 eu venho acompanhando a organização e
estruturação da máquina de propaganda da Nova Direita nas redes (como digo, vai
muito além do bolsonarismo), e um dos seus elementos cruciais foi ser capaz de
"traduzir" o abstrato em cotidiano.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·
@AnarcoFino
Traduções enviesadas, naturalmente. Mas eles foram - e
continuam - capazes de fazer algo que, parece, desaprendemos: estabelecem
conexões entre temas que soariam abstratos para a maioria da população e
transformam em uma mensagem sobre como aquilo (supostamente) os afeta.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Esse é um elemento crucial de boa parte das fake news (por
isso elas surfam no desejo). Por exemplo, uma discussão "abstrata"
sobre "gênero, sexualidade e cidadania" se torna um "kit gay nas
escolas". Em 2016 esse tipo de propaganda foi crucial para minar o apoio
popular de Dilma
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Costumamos rir das placas das pessoas que pediam o
impeachment pois gostariam de voltar a ir para a Disney. É imbecil, mas é um sintoma
dessa propaganda. Mostra como a propaganda do outro lado transformou a
"crise" em um problema do cotidiano daqueles indivíduos.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
E, mais uma vez, a eficácia desse tipo de comunicação
depende de uma rede de difusão. Disparos, bots, nada disso adiantaria se não
existissem pessoas, redes, comprometidas - ainda que não intencionalmente - com
a sua difusão.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·
14 de ago
Pois quando você tem uma mensagem que cativa, você
transforma o receptor em multiplicador. Por isso eu insisto tanto que não é
possível falar dessa máquina sem falar de redes de parentesco e de como ela
replica uma hierarquia da sociedade.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·14 de ago
O Bolsonarismo é um fenômeno que começa de cima para baixo
na pirâmide social. Não foram os mais pobres que elegeram Jair Bolsonaro - como
alguns ainda insistem: o bolsonarismo só agora vai se tornando
"popular".
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Mais uma vez, ele segue apostando em uma propaganda
apostando numa propaganda que opera essa conexão direta (e enviesada) do
abstrato com o prático. O Jair, ele próprio, é um pastiche da própria máquina
(lembram dele falando dos taxímetros?).
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
·Mas a máquina é muito mais eficaz que o próprio, muito
mais. Enquanto isso, a esquerda parece cada vez
mais comprometida com uma estética ensimesmada, com bordões que não
comunicam, com meios e estratégias inadequadas (cada vez mais) de comunicação.
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
A gente fala isso e o pessoal se dói, mas é fundamental
aceitar a nossa derrota no campo da comunicação. Fundamental para parar, pensar
e reestruturar. Não é uma questão de autocrítica, é questão de reposicionamento
tático. Urgente!
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Alguns pontos fundamentais da minha thread que alguns estão ignorando.
(1) Eu não acho que ascensão da direita é culpa da esquerda. Não sou cristão, não trabalhamos com esse conceito aqui.
(2) Não ignoro em absoluto que se trata de uma máquina azeitada com dinheiro.
@Arthursgf
Cara, ontem fui procurar um vídeo no YouTube que fosse "o que é MST?" Para enviar para uma pessoa e não achei nenhum que fosse naquele estilo curto, didático e com uma produção ok. A maioria são aulas chatas, entrevistas ou longos demais
(3) Não ignoro em absoluto que a mensagem se propaga por meio do domínio de igrejas, uso de bots, etc... inclusive, falo explicitamente disso quando falo que é necessário, justamente, compreender os grupos por onde a mensagem circula, antropologicamente falando.
(4) Quanto falo sobre a comunicação das esquerda, e sobre a necessidade de se criar uma tática de ocupação das redes não é replicando o modelo bolsonarista - não temos pessoas, capilaridade e nem dinheiro para isso. É mirando numa tática de guerrilha.
ze marcelo moraes
@zemarcelomoraes
Só queria saber como isso seria feito. Perdendo o preconceito com canais como o Tik Tok? Tentando chegar numa galera que não se importa com política mas tem sentido o efeito do http://liberalismo.na carne? Talvez sem os velhos jargões de sempre?
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Comecei a participar de atividades em escolas de ensino médio e fundamental, falava sobre causa indígena. E ao fim das palestras os alunos me pediam dicas de material sobre o assunto no youtube e afins e eu não tinha nada para oferecer.
(3) Não ignoro em absoluto que a mensagem se propaga por meio do domínio de igrejas, uso de bots, etc... inclusive, falo explicitamente disso quando falo que é necessário, justamente, compreender os grupos por onde a mensagem circula, antropologicamente falando.
(4) Quanto falo sobre a comunicação das esquerda, e sobre a necessidade de se criar uma tática de ocupação das redes não é replicando o modelo bolsonarista - não temos pessoas, capilaridade e nem dinheiro para isso. É mirando numa tática de guerrilha.
ze marcelo moraes
@zemarcelomoraes
Só queria saber como isso seria feito. Perdendo o preconceito com canais como o Tik Tok? Tentando chegar numa galera que não se importa com política mas tem sentido o efeito do http://liberalismo.na carne? Talvez sem os velhos jargões de sempre?
Orlando Calheiros
@AnarcoFino
Comecei a participar de atividades em escolas de ensino médio e fundamental, falava sobre causa indígena. E ao fim das palestras os alunos me pediam dicas de material sobre o assunto no youtube e afins e eu não tinha nada para oferecer.
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