Estamos em pleno mês de junho de 2022 e a esta altura as atrações dos festejos juninos das cidades sergipanas estão definidas. Como podemos constatar, mais uma vez, a grande maioria dos artistas do ciclo junino, os forrozeiros, ficaram de fora da programação musical dos principais palcos das cidades do nosso Estado.
Diga-se que a exclusão destes artistas não é de hoje. É um fato que vem acontecendo há alguns anos, porém cada vez mais crescente e acintoso. Os artistas forrozeiros são substituídos por artistas de outros gêneros musicais e por bandas que trazem em seus repertórios e ritmos nada que lembre ou se relacione com o acervo musical e mensagem poética do cancioneiro junino.
Suas apresentações primam pela espetacularização que é vendida como entretenimento a uma plateia de consumidores que já não dançam nem cantam, mas são meros espectadores da exibição que acontece no palco. É a indústria dos megashows que vêm se alastrando através de pessoas travestidas de empresários ou gestores que visam exclusivamente interesses pessoais, político - eleitoreiros e financeiros.
Entendemos que este processo é uma concorrência desleal e danosa ao patrimônio imaterial, o forró, enquanto expressão mais representativa do ciclo junino no Nordeste - uma das riquezas da cultura popular nordestina construída com muito esforço e arte ao longo dos anos por inúmeros artistas provenientes deste mesmo povo.
Excluir os forrozeiros das apresentações musicais dos festejos juninos substituindo por artistas e bandas de outros estilos musicais é privar o povo de um direito a um laser educativo, sadio. Um entretenimento que sempre lhe trouxe a alegria de viver e do conviver festivo, do prazer da dança do forró como terapia que ajuda a reafirmar sua humanidade e resistir às adversidades na luta pela sobrevivência.
O mês de junho no Nordeste sempre foi o período propício para celebração da alegria do viver e do conviver festivo através dos festejos onde as comidas típicas. A dança do forró, das quadrilhas juninas, as fogueiras, os fogos, as bandeirolas enfeitando as ruas e os ambientes residenciais fazem parte de um patrimônio cultural imaterial de grande valor artístico cultural que pertence a uma coletividade: o povo nordestino.
A destruição deste patrimônio imaterial dá-se principalmente pela exclusão dos artistas forrozeiros das programações musicais dos principais palcos das cidades de nosso Estado. Mais uma vez boa parte dos prefeitos das cidades sergipanas está depredando a tradição musical dos festejos juninos, uma riqueza do povo que eles, gestores públicos junto com seus secretários de cultura, têm obrigação de preservar.
O forró enquanto sucessão de ritmos dançantes, com suas canções inspiradas na história e na vida do nordestino do litoral ao sertão, expressão cultural com a qual o povo tanto se identifica, está sendo literalmente abandonado, destruído por uma programação musical alheia e alienante com bandas e artistas que se repetem na programação junina de várias cidades, como se no Estado e na região Nordeste não mais existissem os forrozeiros que são os principais intérpretes da musicalidade deste ciclo.
Vejamos uma pequena amostra da programação dos festejos juninos de 2022 de algumas cidades sergipanas:
CIDADES | ATRAÇÕES | Cachês |
Areia Branca | Wesley Safadão Unha Pintada Alma Gêmea Natan Xand Avião | 550 mil 200 mil 30 mil 200 mil 350 mil |
Capela | Luanzinho Unha Pintada Xand Avião Fogo na Saia Matheus e Kauan Avine Viny
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Estância | Xande Avião Willy Cantor Cleitinho Garanhão Morangos do Nordeste Douglas Gavião Dudu Swingão Banda Cintura Fina
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Itabiana | Sandro D’Jota Matheus e Kauan Wesley Safadão Jonas Esticado Xand Avião Alma Gêmea Natan
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Nossa Senhora do Socorro ---------------------------- Aracaju / Forrozão 2022
Aracaju Forró Caju
| Fogo na Saia -------------------------------------- Devinho Novaes Matheus Fernandes Taty Girl Márcia Felipe Tayrone Calcinha Preta Luan Estilizado Fogo na saia Jonas Esticado Michel Teló |
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Não se trata aqui de condenar o lucro de alguém pelo resultado de seu trabalho. Nem de ser contra este ou aquele artista e bandas que utilizam sua voz e seu corpo, sua arte como instrumentos de expressão para se divertir, para trabalhar e enfim multiplicar seus talentos e realizar-se profissionalmente.
O que está em jogo na dinâmica deste processo é o caráter destrutivo de um bem cultural praticado por pessoas sem escrúpulo, ao arrepio da lei e da honestidade. Veja o que está acontecendo com muitos prefeitos de cidades brasileiras que estão sob a mira dos Ministérios Públicos por causa de cachês absurdos de alguns artistas e bandas da música sertaneja.
Qual a situação danosa disto e a quem compete combatê-la? Um passo para a solução deste problema está na sociedade organizada, na atuação dos órgãos fiscalizadores da sociedade, na adoção de políticas públicas de valorização da cultura popular por parte dos governos municipais, estaduais e federal.
A compreensão deste problema é obrigação de nossos governantes atuais e futuros. Vale repetir o que diz a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Unesco: “A cultura pode ser um instrumento formidável de progresso econômico e social. Ao se desvalorizar a cultura de um povo, está se enfraquecendo a identidade. Uma identidade golpeada gera sentimentos coletivos e individuais de baixa autoestima” - Bernardo Kliksberg.
Repito o que já disse em outra oportunidade: resgatar o forró é devolver ao povo o direito ao lúdico, ao protagonismo da festa e, aos poetas do forró, enquanto intérpretes do povo, a oportunidade de provocar a dança que exorciza cansaço, preocupações, tensões; que liberta pra alegria de viver no aqui e agora e para a esperança de dias melhores.
https://jlpolitica.com.br/#:~:text=das%20festas%20juninas-,sergipanas,-APARTE
[*] É professor aposentado da UFS.
[*] José Paulino da Silva
O Governo de Alagoas, através da Secretaria de Cultura daquele Estado, lançou, no último dia 24 de maio, no Diário Oficial, o Edital Clemilda Rainha do Forró. Um prêmio cujas inscrições irão até 17 de julho.
O objetivo do concurso é premiar as tradições juninas do Estado de Alagoas. No edital está claro: “Serão contemplados projetos de Bumba meu Boi, Coco de Roda, Quadrilhas Juninas, Bandas de Forró, Violeiros e Emboladores, e Trios de Forro- Pé- de – Serra.
Está sendo investido R$ 1,5 milhão que premiará grupos culturais”. Quem leu meu recente artigo publicado neste portal JLPolítica sobre o retrocesso na abertura do São João de Areia Branca – problema que se estende para várias prefeituras do interior -, há de entender melhor as razões porque estou comentando esta notícia do nosso Estado vizinho.
Um bom exemplo para os prefeitos e gestores dos órgãos culturais de Sergipe de como deve e pode ser utilizado o dinheiro público para incentivo às manifestações da cultura popular do ciclo junino. Vejam a diferença do que está sendo aplicado com o mesmo montante de 1,5 milhão!
No caso sergipano, em duas noites, o recurso vai para a conta corrente dos artistas e seus empresários, provavelmente circular fora de Sergipe. Em Alagoas, esta mesma quantia premiará diversos grupos locais, movimentando a economia dos artistas e grupos contemplados residentes naquele estado.
Este prêmio que homenageia Clemilda merece, portanto, os aplausos dos sergipanos pelo reconhecimento que o Governo de Alagoas está dando a esta grande artista do forró Pé-de-Serra. Embora tenha nascido em Alagoas, Clemilda há décadas morava em Aracaju SE.
Pelo que estou lembrado, salvo engano, a homenagem oficial que nosso Estado prestou a Clemilda foi a edição de um Fórum do Forró dedicado à sua biografia e a instalação de um barracão cultural que levava seu nome no espaço do Forró Caju.
Sei que é muito pouco para o legado cultural que Clemilda deixou e pela alegria que ela transmitia a milhares de pessoas quando subia no palco e mandava por exemplo, o delegado ‘prender o Tadeu ou jogar talco no salão para o forró ficar gostoso e ter mais animação’.
É oportuno lembrar que Clemilda também foi responsável por centenas de programas de rádio “Forró no Asfalto” que davam oportunidade a diversos forrozeiros mostrarem seu talento. Me recordo de uma belíssima apresentação de Dominguinhos junto de forrozeiros sergipanos em um desses programas.
Essa é apenas uma das diversas situações provocadas pela carismática Clemilda que juntamente com Carmélia Alves, Marinês e Anastácia se afirmaram em um espaço predominantemente masculino.
O Prêmio Clemilda Rainha do Forró enquanto louvável iniciativa do Governo de Alagoas motiva-me voltar a discutir a questão da preservação da riqueza cultural do ciclo junino em Sergipe. Um desafio sobre o qual nossos gestores públicos atuais e os que serão eleitos ainda terão muio o que fazer.
O primeiro passo a ser dado nesta direção é adotar uma política cultural de valorização desta riqueza. Colocá-la em prática e evitar que a cada ano no período junino ela seja descaraterizada e o pior, saqueada pela ganância da indústria cultural dos mega shows como vem acontecendo.
Para tanto, é urgente que nossos gestores culturais apoiem e estimulem as iniciativas e conquistas já existentes. Não as destruam, como, por exemplo, aconteceu com a Orquestra Sanfônica de Aracaju e o Fórum Sergipano de Forró duas importantes iniciativas que vinham prestando um relevante papel para preservar e divulgar a história do nosso cancioneiro do ciclo junino!
O prefeito Edvaldo Nogueira em duas consecutivas gestões conseguiu destruir estas conquistas tão bonitas do povo sergipano. Nosso edil zabumbeiro queimou literalmente a oportunidade de deixar um legado positivo de preservação dos valores de nosso ciclo junino.
Sua política cultural neste sentido foi um busca-pé que deu xabu. Pelo visto da programação junina deste ano em nossa capital não será montado o barracão cultural que existia no pátio do Forró Caju em homenagem a Clemilda. Um espaço dançante que poderia ampliar a oportunidade de contratação de forrozeiros sergipanos que ficaram de fora do Forró Caju 2022. Nem isto será feito.
Nestes dois anos passados, Sergipe perdeu três grandes artistas do ciclo junino: Marcos Guedes, Edgard do Acordeon e Marluce da dupla Zé Rozendo. Com a volta dos palcos dos festejos juninos presenciais, bem que poderia ser lembrada a memória destes forrozeiros que tanto fizeram pela cultura popular do forró sergipano.
A Fundação Cultural do Estado de Sergipe teve a lembrança de registrar a memória da cantora Paulinha Abelha da Banda Calcinha Preta, recentemente falecida. Dedicou seu nome ao palco oficial dos festejos juninos da Orla da Atalaia. Uma decisão que, embora possa parecer exótica e ter causado surpresa aos aficionados da ‘nação forrozeira’ sergipana, não deixa de ter sido um gesto louvável de piedade cristã do gestor da Fundação Cultural do nosso Estado.
[*] É professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe - UFS.
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