Além de Jessé de Souza e André Singer, há outros autores e pesquisadores que, de formas distintas, questionam ou relativizam a aplicabilidade tradicional dos conceitos de "esquerda" e "direita" para explicar as preferências ideológicas dos eleitores brasileiros. Essas abordagens geralmente enfatizam clivagens socioculturais, valores morais, antipetismo, ou a centralidade de pautas não econômicas. Seguem alguns nomes importantes:
1. Sérgio Abranches
Contribuição: Em obras como "Presidencialismo de coalizão" e em análises contemporâneas, Abranches discute como o sistema político brasileiro frequentemente opera por meio de arranjos pragmáticos e clientelistas que transcendem as divisões esquerda-direita, especialmente no Congresso. Ele também explora como identidades e lealdades regionais ou pessoais podem ser mais decisivas do que a ideologia formal.
2. Marta Arretche
Contribuição: Embora mais conhecida por estudos sobre federalismo e políticas públicas, em análises do comportamento político, Arretche destaca a heterogeneidade dentro dos blocos de esquerda e direita e a importância de questões específicas (como segurança, costumes e gestão pública) que não se alinham perfeitamente ao eixo econômico tradicional.
3. Rodrigo Nunes
Contribuição: Filósofo e autor de "Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição", Nunes analisa o bolsonarismo como um fenômeno que não se encaixa na dicotomia esquerda-direita clássica, mas mobiliza uma mistura de liberalismo econômico, conservadorismo moral, antipetismo e uma visão antiestablishment paradoxal.
4. Luis Felipe Miguel
Contribuição: Embora mantenha uma perspectiva de esquerda, Miguel critica a simplificação do espectro político, destacando como questões como racismo, gênero e religião criam divisões que cortam transversalmente a clivagem econômica. Em "Democracia e representação: territórios em disputa", discute a complexidade das identidades políticas.
5. Fabio Wanderley Reis
Contribuição: Sociólogo e cientista político, Reis argumenta que a política brasileira é marcada por personalismo, clientelismo e uma relação ambígua com ideologias programáticas, o que enfraquece a aplicação direta dos conceitos de esquerda e direita. Sua obra "Mercado e utopia" explora tensões entre liberalismo e tradição.
6. David Samuels e Cesar Zucco
Contribuição: Em pesquisas quantitativas, como no livro "Partisans, Antipartisans and Nonpartisans", eles mostram que o antipartidarismo (especialmente o antipetismo) é uma força política autônoma no Brasil, que não se alinha necessariamente a uma ideologia coerente de direita. Zucco também destaca como programas de transferência de renda criaram apoios que cruzam fronteiras ideológicas.
7. Juan Linz (embora não brasileiro)
Relevância: Sua teoria sobre cleavages (clivagens) múltiplas (étnicas, religiosas, regionais) é frequentemente invocada para explicar como sistemas políticos como o brasileiro não se estruturam apenas em torno do eixo esquerda-direita econômico.
8. Rafael Cortez
Contribuição: Pesquisador de opinião pública, em estudos com a Tendências Consultoria, destaca a ascensão de pautas morais e de segurança como determinantes do voto, que frequentemente sobrepõem a identificação econômica esquerda-direita.
9. Flávia Biroli
Contribuição: Em trabalhos sobre conservadorismo e gênero, Biroli argumenta que a "agenda dos costumes" criou novas divisões que recombinam posições econômicas e culturais de formas inesperadas, desafiando a categorização tradicional.
10. Oswaldo Amaral
Contribuição: Em pesquisas sobre o PSL e o bolsonarismo, Amaral destaca como partidos "novos" muitas vezes agregam eleitores com preferências ideológicas difusas, unidos mais por rejeições (ao PT, à "velha política") do que por um projeto coerente de esquerda ou direita.
Temas comuns nessas abordagens:
Antipetismo como força autônoma.
Importância de clivagens culturais/morais (religião, segurança, família, gênero).
Personalismo e lideranças carismáticas que transcendem ideologias.
Hibridismo ideológico (ex.: eleitores favoráveis a políticas sociais, mas conservadores em costumes).
Crítica ao reducionismo de classes na análise política brasileira.
Observação:
Muitos desses autores não negam completamente a utilidade dos conceitos de esquerda e direita, mas propõem camadas analíticas adicionais para capturar a complexidade do caso brasileiro. A relativização é, em geral, uma resposta à crise dos partidos programáticos e ao realinhamento político pós-2013.
Quais os livros escritos pelos autores citados acima e que relativizam a utilização dos conceitos de esquerda e direita no debate contemporâneo sobre as preferências ideológicas dos eleitores brasileiros?
Aqui está uma lista de obras específicas dos autores citados que abordam, direta ou indiretamente, a relativização dos conceitos de esquerda e direita no cenário político brasileiro contemporâneo.
1. Sérgio Abranches
Obra mais relevante: "Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro" (1988).
Por que se relaciona: Embora seja um clássico da ciência política institucional, a obra ajuda a explicar por que a lógica da coalizão pragmática e do toma-lá-dá-cá frequentemente se sobrepõe a alinhamentos ideológicos rígidos no Congresso, relativizando a atuação prática de partidos de "esquerda" e "direita".
2. Marta Arretche
Obra mais relevante: Embora sua produção seja vasta em políticas públicas, para esta discussão, procure seus artigos e capítulos em coletâneas sobre comportamento eleitoral e clivagens. Um exemplo é a organização do livro "Trajetórias das Desigualdades: Como o Brasil Mudou nos Últimos Cinquenta Anos" (2015), que, ao discutir múltiplas dimensões da desigualdade, indiretamente mostra como as preferências políticas não se organizam apenas no eixo econômico esquerda-direita.
Artigo relevante: "Clivagens, Competição Partidária e Desigualdade no Brasil" (em revistas acadêmicas como a Revista Brasileira de Ciências Sociais).
3. Rodrigo Nunes
Obra mais relevante: "Do Transe à Vertigem: Ensaios sobre Bolsonarismo e um Mundo em Transição" (2023).
Por que se relaciona: Analisa o bolsonarismo como um fenômeno pós-ideológico ou "transideológico", que combina elementos de forma inconsistente do ponto de vista tradicional (ex.: liberalismo econômico, estatismo militarista, conservadorismo moral, antipolítica), desafiando diretamente as categorias de esquerda e direita.
4. Luís Felipe Miguel
Obra mais relevante: "Democracia e Representação: Territórios em Disputa" (2014).
Por que se relaciona: Discute como diferentes eixos de dominação (classe, gênero, raça) criam identidades e demandas políticas que não se encaixam perfeitamente no espectro unidimensional esquerda-direita, exigindo uma análise mais complexa das preferências dos eleitores.
5. Fábio Wanderley Reis
Obra mais relevante: "Mercado e Utopia: Teoria Política e Sociedade Brasileira" (1992/2000).
Por que se relaciona: Clássico da teoria política no Brasil, argumenta que a formação social brasileira combinou, de forma peculiar, elementos liberais (mercado) e comunitários/tradicionais (utopia), resultando em um pluralismo de valores que complica a classificação ideológica simplista.
6. David Samuels e Cesar Zucco
Obra mais relevante: O livro seminal é "Partisans, Antipartisans and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil" (2018).
Por que se relaciona: A obra demonstra empiricamente que o antipetismo funciona como uma identidade política poderosa e autônoma, que não corresponde exatamente a uma ideologia de direita. Mostra como muitos eleitores se definem contra algo (o PT) e não por uma agenda programática coerente, relativizando a clivagem tradicional.
7. Juan Linz (Referência internacional)
Obra mais relevante: "A Queda dos Regimes Democráticos" (com Alfred Stepan) e seus textos sobre cleavages (clivagens).
Por que se relaciona: Fornece a base teórica para argumentar que sociedades como a brasileira são marcadas por múltiplas clivagens (regionais, religiosas, urbanas-rurais) que cruzam e fragmentam o alinhamento esquerda-direita, tornando-o insuficiente para explicar o voto.
8. Rafael Cortez (Pesquisador de opinião pública)
Obra mais relevante: Procure os Relatórios e Estudos da Tendências Consultoria, onde atua como politólogo. Não é autor de um livro específico, mas seus artigos e apresentações são fundamentais.
Tema relevante: Pesquisas que mostram o "cidadão de bem" como um significante que agrega eleitores com visões econômicas distintas em torno de valores como segurança, ordem e tradição, criando uma nova identidade política.
9. Flávia Biroli
Obra mais relevante: "Gênero e Desigualdades: Limites da Democracia no Brasil" (2018) e "Conservadorismo, Autoritarismo e Direita no Brasil" (org., com Luciana Tatagiba, 2023).
Por que se relaciona: Mostra como a "agenda dos costumes" (gênero, família, religião) criou uma nova fronteira política que reorganiza alianças e identidades, fazendo com que posições econômicas de esquerda possam coexistir com conservadorismo moral, e vice-versa, desestabilizando as classificações tradicionais.
10. Oswaldo Amaral
Obra mais relevante: Procure seus artigos científicos sobre o PSL e a direita brasileira. Exemplo: "Da Frente para o PSL: a Direita Religiosa e sua Trajetória no Sistema Partidário Brasileiro" (em coletâneas ou revistas como a Revista de Sociologia e Política).
Por que se relaciona: Sua pesquisa mostra como partidos como o PSL surgiram e cresceram agregando eleitores não por um programa ideológico claro, mas por uma combinação de rejeição ao PT, liderança carismática e pautas morais específicas, relativizando a noção de uma "direita" coesa.
Síntese e Recomendações de Leitura:
Para um entendimento profundo do debate, a leitura pode ser orientada por três pilares:
Crítica Teórica à Dicotomia:
Fábio Wanderley Reis ("Mercado e Utopia") oferece a base teórico-histórica.
Juan Linz fornece o ferramental das "clivagens múltiplas".
Análise do Comportamento Eleitoral Contemporâneo:
David Samuels & Cesar Zucco ("Partisans, Antipartisans...") é a obra empírica mais importante, mostrando o papel do antipetismo.
Os artigos de Oswaldo Amaral e Rafael Cortez dão concretude a essas tendências.
Novas Fronteiras Culturais e Morais:
Flávia Biroli é essencial para entender o eixo dos costumes.
Rodrigo Nunes ("Do Transe à Vertigem") oferece uma análise filosófica e abrangente do fenômeno bolsonarista, que é o caso empírico máximo da relativização.
Essas obras, em conjunto, fornecem um mapa completo das principais argumentações que complexificam e relativizam o uso dos rótulos "esquerda" e "direita" para entender o eleitorado brasileiro atual.
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