quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Ao lado do Pe Júlio e a favor da comunidade dos deserdados, dos excluídos, dos marginalizados. O ponto de vista de Romero Venâncio, Toninho Kalunga, Pe. Leonardo Dall Osto e Leonardo Boff.

 Afastamento de Júlio Lancellotti das redes é criticado em 1 milhão de posts no X

De acordo com a pesquisa, os termos “devolvam padre Júlio” e “repressão nunca mais” foram as expressões mais usadas na rede social sobre o tema. O nome “Júlio” foi citado 1,3 milhão de vezes ao todo no X.

As interações na internet sobre o "silêncio"   imposto ao Padre Júlio Lancellotti são majoritariamente a favor do padre e contra a decisão da Arquidiocese de São Paulo de proibi-lo de usar as redes sociais e transmitir missas.


 A Mangue Jornalismo publica a seção Ponto de Vista o artigo do professor Romero Venâncio, do Departamento de Filosofia da UFS. Ele escreve sobre o padre Júlio Lancellotti que foi obrigado a encerrar a transmissão online das missas e sair das redes digitais.

Romero lembra que o padre é uma figura muito conhecida nas redes digitais, na vida social de São Paulo e para além da capital paulista. Desenvolve um trabalho marcante com a população em situação de rua há mais de 30 anos e se tornou referência no tema. Incomodou e incomoda políticos de direita, sendo perseguido pelo prefeito de São Paulo e diariamente atacado nas redes digitais. 

Além de celebração eucarística, suas missas aos domingos são lugar de informes e denúncias. O padre indica leituras e reforça um processo de conscientização. Padre Júlio é um notório discípulo de Paulo Freire. O nosso mais famoso filósofo da educação é um dos mais atacados por uma direita desqualificada e despreparada para uma profunda reflexão pedagógica. Para nós, os ataques ao padre Júlio vêm, principalmente, pela ameaça que ele representa aos ‘donos do poder’”, escreve Romero.  

📲 ARTIGO COMPLETO EM https://manguejornalismo.org/padre-julio-lancellotti-as-redes-digitais-e-o-incomodo-aos-poderosos-por-optar-pelos-mais-pobres/ 

E abaixo:

Neste mês de dezembro de 2025, muita gente foi pega de surpresa com o anúncio de que o padre Júlio Lancellotti estaria sendo afastado das redes digitais. A missa que ocorre na Paróquia de São Miguel Arcanjo na cidade de São Paulo não será mais transmitida pelo Youtube.

Ainda se espalhou nessas redes que o padre seria afastado das funções na paróquia por decisão do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer. Desde então, não sabemos de mais nada.

O sacerdote católico não explicou o motivo, mas, segundo Denise Ribeiro, jornalista e voluntária que trabalha com o padre, o fim das transmissões é uma determinação da Arquidiocese de São Paulo. Ela conta que a ordem foi recebida na semana passada diretamente do cardeal. O breve texto da jornalista pode ser lido na internet.
O Pe. Júlio Lancellotti é uma figura muito conhecida nas redes digitais, na vida social de São Paulo e para além da capital paulista. Desenvolve um trabalho marcante com a população em situação de rua há mais de 30 anos e se tornou referência no tema. Incomodou e incomoda políticos de direita, sendo perseguido pelo prefeito de São Paulo e diariamente atacado nas redes digitais.
O padre tem atuação constante, seu Instagram, em particular, tem milhares de seguidores. A conclusão óbvia: o afastamento do padre Júlio foi motivo de controvérsia e de várias polêmicas. Especula-se as razões de seu afastamento sem ainda termos nada comprovado.
Lemos em vários textos e notas nas redes que seria alguma forma de perseguição ao padre. Sabe-se que seu trabalho e atuação na internet tem sido alvo de ataques constantes desde 2016 pelo menos. E, recentemente, Pe. Júlio foi alvo de sistemático ataque em que se resgatou processos antigos em que foi acusado pela Justiça.

Em 2024, Pe. Júlio e seu trabalho pastoral com pessoas em situação de rua foi motivo de uma CPI na cidade de São Paulo perpetrada por um vereador de direita. A CPI foi arquivada. Mas as críticas e ameaças ao padre continuaram.

Qual a novidade destes últimos ataques ao padre Júlio? Denúncias que chegaram ao Vaticano e que “obrigaram” o cardeal arcebispo a tomar alguma decisão. Exatamente quais seriam as denúncias, ainda não sabemos, oficialmente. Como sempre, temos várias especulações. O que se sabe é que um desses “youtubers” de direita e um deputado mineiro do PL fizeram formalmente denúncias contra o mesmo na Nunciatura brasileira.

Nosso texto não tem a intenção de atacar o cardeal ou julgar suas atitudes públicas sobre o padre Júlio, mas tentar entender a situação dentro das informações disponíveis que temos e para além do sensacionalismo midiático.

Também não somos neutros na leitura sobre a atuação do padre Júlio nas redes de internet. Acreditamos que seu trabalho é de grande importância e tem relevância nos meios de comunicação e na sua opção pelos pobres e marginalizados desse País.
Nossa leitura foca num ponto importante: o papel do padre Júlio nas redes digitais no atual momento histórico do Brasil e da conjuntura eclesial vivida pelo catolicismo Romano nas últimas décadas.
É público e notório a polarização interna vivida pela Igreja Católica no Brasil desde 2013 e que foi aumentando paulatinamente em 2014…. 2016… 2018 (ponto alto!) e 2022 (com a disputa Lula/Bolsonaro).
Percebemos sem muito esforço uma extrema direita católica atuante sistematicamente nestas redes digitais por meio de grupos organizados e “Youtubers” se tornaram populares na internet e chegando a influenciar em dioceses e paróquias.

Com militância virulenta, ataques constantes ao Concílio Vaticano II (1962-1965), a teologia da libertação, a defesa de teorias da conspiração, reprodução das ideias de Olavo de Carvalho ou delírios sobe infiltração comunista dentro da Igreja, esses grupos/youtubers prepararam um terreno fértil para ataques de toda ordem. Bispos foram atacados covardemente (a exemplo de Dom Mol ou Dom Vicente Ferreira), teólogos/teólogas, leigos/leigas atuantes nas pastorais sociais, padres… todas essas pessoas foram impiedosamente agredidas. Em casos mais extremos, rolou processo judicial.
E como não poderia ser diferente e por sua relevância, padre Júlio foi um dos alvos que mais sofreu ataques de toda sorte. Desde agressões à sua honra até suas posições políticas.
Acreditamos que um dos pontos que merece uma leitura atenta é as coisas geradas nestas redes digitais. O professor Sérgio Amadeo tem alertado constantemente para os perigos de uma certa militância de direita na internet contemporânea e seus livros mais recentes são necessários para uma compreensão do que ocorre com o padre Júlio.

A igreja Católica no Brasil e suas lideranças na CNBB ainda não perceberam a real relevância das redes digitais e seu papel na popularidade de ideias religiosas. Hoje podemos ver uma imensidão de brasileiros/brasileiras que tem um aparelho de celular e faz uso cotidiano dele. Estamos diante de uma realidade inescapável. E o padre Júlio não se negou ao trabalho pastoral para além do presencial. Entrou nestas redes e fez e faz uma diferença enorme. Ele ampliou seu horizonte de ação.
Como optou livre e evangelicamente em trabalhar com os mais pobres e em condição de marginalidade, ele se tornou alvo de muitos poderosos ou de religiosos de extrema direita.
Além de celebração eucarística, suas missas aos domingos são lugar de informes e denúncias. O padre indica leituras e reforça um processo de conscientização. Padre Júlio é um notório discípulo de Paulo Freire. O nosso mais famoso filósofo da educação é um dos mais atacados por uma direita desqualificada e despreparada para uma profunda reflexão pedagógica.

Para nós, os ataques ao padre Júlio vêm, principalmente, pela ameaça que ele representa aos “donos do poder”.

O padre virou personalidade pública e influente na atual quadra histórica deste Brasil constantemente em transe. Padre Júlio tem uma autêntica atuação popular. Faz um sistemático trabalho de base e disputa políticas públicas para beneficiar os mais pobres de São Paulo. Virou uma pessoa escutada muito além do marco territorial paulista e tem uma rede de apoio nas redes digitais. E isto incomoda e muito. Dentro e fora da Igreja Católica.

Romero Venâncio é graduado em Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife (ITER), em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Sociologia pela mesma universidade e doutorado Interinstitucional em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor de Filosofia na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e presidente da Adufs (Sindicato das(os) Docentes da Universidade Federal de Sergipe)


"Ex-morador de rua 'salvo' pelo religioso, Toninho Kalunga escreveu carta aberta afirmando que ele não está sendo perseguido pelo cardeal. Diz ainda que agentes internos da própria paróquia de Lancellotti, agora sob auditoria financeira, ameaçariam destruir a sua reputação."

A carta é de Toninho Kalunga, reproduzida na página do Facebook de Elenizia Bernardes. 

Kalunga é militante dos Direitos Humanos no estado de São Paulo, bacharel em Direito, membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld e participa da Paróquia São Miguel Arcanjo e do Núcleo Nacional da Teologia da Libertação Política E Religião.

A carta também foi publicada por UOL, 17-12-2025.

Eis a carta.

Agora vemos como em espelho, de maneira confusa; mas chegará o dia em que veremos face a face.” (cf. 1Coríntios 13,12)

Meus irmãos e minhas irmãs de caminhada e fé e companheiros e companheiras de lutas e utopias. Diante dos fatos que estamos assistindo com relação a essa situação relacionada a Padre Júlio Lancellotti, me sinto no dever de apresentar meu ponto de vista e, a partir dele, dialogar com nossa gente!

Esta carta é direcionada, particularmente, aos militantes e agentes de pastoral que, pela distância, enxergam este momento como sendo uma perseguição política contra Padre Júlio em razão de sua atuação pastoral, por parte da Igreja. Não é!

O recente pedido de Dom Odilo Scherer para que Padre Júlio Lancellotti reduzisse sua exposição nas redes sociais não deve ser lido como debate político, censura ou recuo.

A chave correta de leitura é o cuidado com uma pessoa, que do alto de seus 77 anos precisa de proteção diante de riscos reais, de agentes internos que se aproveitam da imagem de Padre Júlio e externos que estão usando estas pessoas para atacar as obras sociais e atividades pastorais da Igreja e, por consequência, atacando padre Júlio!

Padre Júlio, em razão de sua coerência com a luta dos empobrecidos e com a pregação do evangelho, sempre foi, em razão de suas atividades pastorais, perseguido, caluniado e difamado. Todos nós somos sabedores e testemunhas disso!

Mais recentemente e pelas mesmas razões, tornou-se alvo de uma campanha de ódio organizada - esta sim politicamente - que visa criminalizar a ação da Igreja pela evangélica opção preferencial pelos pobres.

As redes sociais são, hoje, um território de linchamento simbólico, onde ameaças e incitações à violência se multiplicam e que não se sabe onde podem parar. A extrema-direita não tem limites, decoro e pudor em sua sanha para, uma vez identificada uma pessoa que consideram inimiga, a tratar como alvo a ser abatido.

Essa situação gera debates, divisões e confusão ao invés de gerar unidade e solidariedade. Estes ataques tem como finalidade um projeto de engajamento político e manutenção de poder de uma ideologia de extremistas católicos e políticos da extrema-direita, portanto, passam longe de ser uma atividade que queira buscar qualquer verdade ou que pretenda promover o bem e acolher as necessidades dos pobres.

Dom Odilo age como o pastor que conhece o uivar dos lobos que rondam o rebanho, inclusive alguns que estão dentro da própria comunidade e que são, neste último período, a base de conflito que sustenta essa situação!

Em meu ponto de vista, seu gesto é um ato de discernimento pastoral para preservar a vida e a integridade de um presbítero que é um símbolo vivo de uma Igreja samaritana, e que em razão de sua atividade, é alvo fácil de aproveitadores. E meu ponto de vista é de alguém que sabe o porquê está dizendo isso. Por esta razão, é crucial entender:

Dom Odilo *não* pediu a interrupção da missão de Padre Júlio, *não* questionou sua fidelidade ao Evangelho e *nem* o desautorizou pastoralmente.

Ao contrário, buscou protegê-lo de uma escalada de violência que só interessa a quem lucra com o ódio, pessoas que fazem a vida vendendo posts em redes sociais e jornais da extrema-direita, inclusive se fazendo próximo e agindo sorrateiramente contra a comunidade.

Assim, na proposta de Dom Odilo, o que se altera não é o conteúdo de sua missão – Padre Júlio continua celebrando missas na paróquia, continua com suas atividades nas ruas, junto aos pobres – o que muda é a forma de exposição desta ação em redes sociais, que, sabidamente é um ambiente comprovadamente hostil e que leva a uma guerra que serve apenas a quem a promove e ganha com ela.

Há momentos em que o cuidado silencioso é mais evangélico do que o confronto permanente. A Igreja não precisa de heróis sacrificados no altar do ódio, mas de pastores vivos, cuidados e protegidos, para continuar servindo.

https://www.ihu.unisinos.br/661423-o-ato-de-cuidado-e-protecao-a-padre-julio-lancellotti-carta-de-toninho-kalunga

 Padre Leonardo Dall Osto no Instagram




A favor da comunidade

Que espera o bloco passar

Ninguém fica na solidão

Embarca com suas dores

Pra longe do seu lugar


A favor da comunidade

Que espera o bloco passar

Ninguém fica na solidão

O bloco vai te levar

Ninguém fica na solidão


A verdade prova que o tempo é o senhor

Dos dois destinos, dos dois destinos

Já que pra ser homem tem que ter

A grandeza de um menino, de um menino


No coração de quem faz a guerra

Nascerá uma flor amarela como um girassol

Como um girassol, como um girassol amarelo, amarelo


Todo dia, toda hora, na batida da evolução


Ouça outras canções em homenagem ao Padre Júlio

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Por Leonardo Boff em 17/12/2025

Leonardo Boff e Fernando Altemeyer Jr

Nos últimos dias, fomos surpreendidos por um fato que nos deixou estarrecidos: o Pe. Júlio Lancellotti, o cura D’Ars dos pobres e de gente de rua, que já há 40 anos cuida com ternura e amorosidade de centenas da população de rua, dando-lhes o pão,o abrigo, a biblioteca, a escola e tantas obras de genuína misericórdia bíblica, foi de repente imposta a proibição de transmitir pela mídia sua missa dominical. Frequentavam a missa, bem no sentido tradicional, portanto, livre que qualquer censura canônica, por pessoas de sua paróquia de São Miguel Arcângelo,  por gente de toda a cidade de  São Paulo, gente vinda de todos os estados da federação, missa seguida até no estrangeiro, na América Latina e Europa. Não só. Foi-lhe vedado o acesso à mídia virtual na qual era frequente com sua presença profética e profunda sabedoria.

Irradiava bondade e esperança. Sempre terminava com estas palavras-geradoras “Força! Coragem! Ninguém desanime!

Foi perseguido e caluniado por políticos que abominam a população de rua. Ele tudo suportou com o espírito das bem-aventuranças evangélicas. A ordem destas suspensões vieram do Cardeal Dom Odilo Scherer, possivelmente por forças mais altas e poderosas da própria Igreja hierárquica ou de opulentos da cidade de São Paulo. Não é o caso de entrar nos méritos desta verdadeira punição que, na verdade, ofende os direitos humanos fundamentais.

O que queremos é afiançar-lhe a nossa solidariedade. Por isso expressamos publicamente nosso apoio, sem esconder certo desapontamento. Eis o  texto:

"Querido irmão Pe. Júlio:

Ainda ressoam aos nossos ouvidos o que você proclamava a cada um de nós e ao mundo: “Força! Coragem! Ninguém desanime!” Estas suas palavras nós a repetimos para você : querido Pe.Júlio, Força!Coragem! Não desanime!" 

Nestas horas nos sentimos irmãos na tribulação, como tantos de nós que sofremos as consequências de nossas vidas em favor dos cristos sofredores de rua. Sua vida foi ajudar a eles a carregar a cruz, a fazê-la o mais leve possível, levantá-la  e  até ressuscitá-la. 

Nesse momento me vem à mente as palavras dos Livro dos Provérbios: “o irmão que ajuda o irmão é como um castelo bem fortificado”(frater qui adjuvatur a fratre, quasi civitas firmissima). Queremos ser esse castelo e o irmão que está a seu lado. Acolha irmãos e irmãs que possam falar com você, dar-lhe força e coragem.O pior do sofrimento não é o sofrimento, mas a solidão no sofrimento. Por isso cerque-se de irmãos e irmãs que possam acompanhá-lo e mostrar-se verdadeiros companheiros e companheiras.

Todos e todas que seguiram suas missas dominicais, do Brasil inteiro e até do exterior, rezaram com você e ouviram suas sábias e proféticas palavras, estão unidos a você. Não sabemos quais são os desígnios de Deus. Apenas sabemos que são semelhantes àquele do Jesus histórico que teve que sofrer e “que passou pelas mesmas provações que nós”(Hebr 4,14) mas que ressuscitou na plenitude da vida. Vc está passando pela sexta-feira santa de Jesus. Mas Deus vai mostrar em você a sua força de ressurreição.

Em momentos de conflito busque uma sincera autocrítica dos equívocos que por ventura tenha cometido. É sempre aconselhável escutar os amigos mais queridos ao invés de voltar-se sobre si mesmo. Desta forma você mesmo cresce e se torna melhor do que já é. Seus mestres Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Luciano Mendes de Almeida vão iluminá-lo e fortalecê-lo.

A causa dos pequeninos que Jesus chamou de seus irmãos menores e que você tão firmemente assumiu, é do domínio do Reino de Deus e por isso maior que qualquer pessoa. Siga com coragem e serenidade. Confiamos muito nas decisões que tomar, sempre inspirado no seguimento de Jesus de Nazaré”

Então, querido Pe. Júlio: “Animo! Coragem!Força! Não desanime diante desta tribulação. Estamos contigo e o Espírito Criador vai mostrar-lhe a sua sua luz”.

Leonardo Boff e Fernando Altemeyer Jr são teólogos e escritores.

Abaixo, a razão principal da importância de  compartilhar conteúdos como esse do blog da Cultura.. 



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