Na quarta-feira, 22/02, inicio da quaresma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da Fraternidade 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=7Yj750HyKh8&t=7s
“Fraternidade e Fome” é o tema.
“Dai-lhe vós mesmo de comer!”, o lema bíblico, extraído de Mateus 14, 16.
De acordo com o mais recente inquérito da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), a insegurança alimentar grave atingia 33,1 milhões de brasileiros em 2022.
E o Brasil, depois 10 anos, voltou a figurar no Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Essa emergência fez com que a CNBB assumisse pela terceira vez a realização de uma Campanha da Fraternidade voltada para a fome.
A CNBB está “convocando todos a considerar a fome como referência para reflexão e propósito de conversão”.
Segundo a CNBB, “um dos objetivos é propor aos fieis um caminho de conversão para não ceder à cultura da indiferença frente ao sofrimento humano conforme pede o Papa Francisco”.
Lamentavelmente a extrema direita católica se insurgiu virulentamente nas redes contra a Campanha .
É disso que trata o artigo do professor Romero Venâncio, enviado por Aton Fon Filho. Confira abaixo.
A EXTREMA DIREITA CATÓLICA E A CAMPANHA DA FRATERNIDADE
Por Romero Venâncio*
A extrema direita católica assumiu nas redes sociais uma crítica virulenta e desonesta à Campanha da Fraternidade de 2023 que tem como tema a fome.
O que chamo no texto de extrema direita católica é uma espécie de “neotradicionalismo” advindo das influências de Marcel Lefebvre (1905-1991).
Tem forte presença nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives, cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao catolicismo romano.
São radicalmente contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são terminantemente contrários às resoluções das conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil.
Mesmo que não afirmem, são sempre “cismáticos” na linha de Lefebvre e estão em pé de guerra nas redes sociais contra o Papa Francisco, chegando a ponto de afirmar que o Papa é um “impostor”.
Grupos e youtubers da extrema direita católica brasileira estão em confronto aberto com a atual Campanha da Fraternidade e seu tema. Uma obviedade é a não-empatia com o tema.
A fome não incomoda esse tipo de catolicismo tradicionalista de direita.
Aplaudiram as armas de Bolsonaro, sua beligerância, seu extremismo e sua total ausência de política pública social de combate a fome.
Defendem a “aporofobia” (corporificam um ódio ao pobre). Percebemos o quão intragável se torna para essa gente um tema como: “Fraternidade e Fome”.
Está em curso uma campanha difamatória contra o tema da Campanha da Fraternidade.
A difamação vem entre frentes: primeiro, nas citações bíblicas. A extrema direita afirma ter equívocos nas citações bíblicas e sua interpretação (como se a CNBB não contasse com biblistas na redação do texto base da Campanha).
Nenhuma citação bíblica está fora de contexto ou manipulada para enganar os fiéis. No próprio lema já percebemos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” – referência explicita a Jesus e sua missão e sem reduzir a ação cristã a um passe de mágica.
Milagre não é magia.
Qualquer teólogo\teóloga sério sabe disto na ponta da língua e qualquer idiota de extrema direita nem sequer aprendeu esta obviedade hermenêutica.
Segundo, querem deslegitimar a Campanha afirmando (sem provas) que os dados utilizados na parte do II do texto base são “falsos”.
Todos os dados sobre a fome são amparados em dados estatísticos ou estudos encabeçados por pesquisadores no tema. Só conferir a bibliografia utilizada que vai de Josué de Castro ao Herbert de Souza, passando por órgãos como o IPEA.
A extrema direita católica é negacionista e preguiçosa na conferência de dados. Uma pena. E comem o velho desaprendizado proposital.
Terceiro é a crítica mais primária e conspiracionista. Afirma a extrema direita católica: a Campanha da Fraternidade deste ano vem com uma mensagem subliminar de temas da “teologia da libertação”. Típico dessa gente: acreditar que tudo diz respeito a “Teologia da Libertação” e “comunismo” (estava demorando surgir o termo).
A CNBB rende-se ao “comunismo”.
Aqui mistura-se desinformação com mau caratismo. Próprios da extrema direita católica e seus “arautos”.
Não temos dúvidas e a CNBB sabe bem disto que a “Teologia da Libertação” latino americana tem sua fundamentação teológica e uma base epistemológica sólida em seus argumentos.
Milhares de livros produzidos sobre o assunto desde os anos 70 são a prova disto. A riqueza desta Teologia não pode ser reduzida ao filminho vagabundo de um tal de Bernardo Kuster (o palhacinho sem graça da extrema direita católica brasileira).
O texto base da Campanha da Fraternidade vem todo embasado em dados e interpretações sobre a realidade da fome no Brasil.
Das páginas 14 a 23, temos as referências bíblico-teológicas da campanha.
Como a Bíblia pode ser luz no tema da fome. E sem deixar de lado o magistério da Igreja: de Santo Ambrósio a São João Crisóstomo. Tomando como base a chamada “economia de Francisco e Clara”. A CNBB não deixou de citar as pastorais sociais e todo um trabalho histórico contra fome.
Foram duas Campanhas da Fraternidade com o tema da fome e do pão (1975 e 1985) antes da atual.
Ainda temos referências de Josué de Castro (pioneiro nos estudos sobre o fome no Brasil e no mundo), aos trabalhos do MST e sua luta por comida orgânica na mesa de todos e todas, a luta histórica por um programa estatal de segurança alimentar efetivo e o apoio a todas as organizações, independente de seu credo religioso ou não, que combatem a fome.
O combate a fome e luta por comida na mesa não é privilégio religioso, mas um direito humano inalienável.
Mais uma vez a CNBB como órgão da Igreja católica romana no Brasil nos chama atenção para um tema fundamental e ao mesmo tempo nos indica o verdadeiro significado (teológico) da “Quaresma”.
Cristãos ou não-cristãos somos todos chamados à luta contra a fome.
De Dom Helder Câmara ao Pe. Julio Lancellotti e em nome de todos e todas que combateram e combatem a fome num país tão desigual e injusto como esse Brasil, somos convocados a uma profunda reflexão sobre a situação dos mais pobres na sua condição vulnerável de não ter o que comer.
Em tempo.
Romero Venâncio é professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
https://www.youtube.com/watch?v=dWrppMcbtd0
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