terça-feira, 21 de maio de 2013

Teologia da Libertação: uma doutrina em transe

  • Afastada das polêmicas, a corrente de pensamento sobrevive em paróquias e grupos de discussão
Flávio Tabak
Publicado:

RIO - O “pessoal da TL” é conhecido na Paróquia São Simão, em Belford Roxo. Eles não gostam de ser chamados assim por colegas e, dentro dessa igreja, são maioria. Acreditam nos princípios da Teologia da Libertação, a ecumênica e crítica corrente de pensamento originada há mais de 40 anos na América Latina e que enfrentou grandes resistências na Cúria, principalmente nos anos 1980. Hoje já não há tanta polêmica nos pensamentos sobre a luta contra a desigualdade social como ação fundamental da religião. Envolta em escândalos financeiros e de pedofilia, a Igreja tem outras prioridades - como o conclave que elegerá o sucessor de Joseph Ratzinger, o hoje Papa emérito Bento XVI. Mas essa forma de pensar, marcada por críticas de que politizaria e espalharia conceitos marxistas nos templos, sobrevive em constante transformação.
A Paróquia São Simão tem imagens de santos, bancos de madeira, púlpito e tudo como manda o figurino. Mas a artesã Margareth Candido, de 45 anos, sabe que existe ali algo diferente. O padre italiano Bruno Costanzo e as senhoras que vendem artesanato no centro cultural da igreja, também.
- Sou católica apostólica romana, obediente ao Papa etc. e tal. Mas acredito muito na proposta da Teologia da Libertação. Na Baixada não há outra alternativa fora estar preocupado com a vida do pobre. Depois descobrimos que isso tem nome. Aqui as ovelhas caminham, não somos simplesmente cordeiros - conta Margareth, que, além de frequentar a igreja, faz trabalhos sociais numa comunidade eclesial de base. - Somos da TL, assim dizem as pessoas da renovação carismática que frequentam a igreja. Esse título me incomoda, rótulos só atrapalham. Eu sou da Igreja, discípula de Cristo!
Foram-se a Guerra Fria e a ditadura militar brasileira, e o mundo não é mais polarizado entre comunismo e capitalismo. Já fez sentido político dizer que as atividades sociais da Teologia da Libertação representavam risco para a Igreja, podendo resultar até em processos inquisitórios. Padre Bruno defende que esse tipo de teologia aparece, hoje, na forma de encarar a desigualdade, e cita exemplos como cursos de formação de líderes e ações sociais. Talvez a marginalização do movimento, que perdeu força política, tenha contribuído para que sua manifestação apareça agora de forma mais pulverizada.
Quando prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Santa Inquisição, o então cardeal Joseph Ratzinger atuou para calar o movimento. Um caso conhecido é a condenação a um ano de “silêncio obsequioso” do então padre brasileiro Leonardo Boff, em 1985. Ratzinger foi o inquisidor. Em 2013, com a democracia brasileira em pleno amadurecimento, o padre Bruno não tem problemas ao assumir sua visão de mundo. Diz que é seguidor da Teologia da Libertação há décadas e que não teme punições de bispos.
- Há uma certa tentação da Igreja de se fechar em si mesma porque os problemas são muito complicados. Ressurgem tentações de o padre ser a autoridade dentro de seu grupinho e ficar restrito a isso, não encarar os desafios. Isso infelizmente acontece. Tentamos levar em frente os ideais que aprendemos. São a essência do Evangelho. Se Jesus ficasse fechado no templo em Jerusalém, não encontraria ninguém. Mas ele resolveu andar no meio do povo, e vieram as consequências. A Igreja tem que fazer o mesmo, estar dentro do povo.
Por mais que a repercussão não seja a mesma do passado, alguns ecos das antigas críticas aparecem. O teólogo Boff conta que, em 2011, foi convidado para ser professor visitante, por um semestre, da Universidade de Munique, na Alemanha. Foram espalhados alguns cartazes pela instituição para chamar alunos a participar do curso. Foi quando Ratzinger reapareceu na vida de Boff.
- Era um curso aberto sobre novas fronteiras da Teologia da Libertação. Em visita à universidade, o Papa, que descansava na Baviera, viu aqueles cartazes anunciando meu nome e falou com o reitor para cancelar. Logo depois me pediram desculpas, e o reitor me escreveu dizendo que não poderia negar um pedido do Papa. Não dei o curso - recorda-se Boff. - Até os dias de hoje, Bento XVI tentou estrangular a Teologia da Libertação.
Longe de Munique, em Belford Roxo, o trabalho de uma igreja ligada a essa corrente guarda algumas diferenças na comparação com templos tradicionais. No fim de janeiro deste ano, por exemplo, foi feito um curso para formar lideranças, com ajuda da Iser Assessoria, ONG que se originou no Instituto de Estudos da Religião e reúne teólogos, cientistas sociais e historiadores para ajudar religiosos, comunidades eclesiais de base e outros movimentos a levar adiante conceitos originários da Teologia da Libertação. Nessas reuniões, a teologia é abordada, assim como uma leitura progressista do Concílio Vaticano II (1961-1965), que implementou uma série de mudanças na Igreja, como a valorização da convivência com outras religiões.
- Dentro da preocupação da Teologia da Libertação, precisamos entrar na vida da sociedade, porque, antes, a Igreja era maioria, centro de poder e serviço. Hoje não é mais assim - diz o padre Bruno.
Teólogo da Iser Assessoria, Névio Fiorin diz que a ONG trabalha diretamente com padres. Ele diz ter percebido uma mudança no perfil deles:
- Trabalhamos na formação de padres e freiras e com líderes de comunidades eclesiais de base. Temos ajudado bispos, paróquias e organizações religiosas para a revisão da atividade pastoral. A Igreja é um organismo vivo. Por meio da Pastoral da Juventude, temos contato com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Hoje os padres querem mais conforto, trabalhar em igrejas de classe média, ter apartamento e carro. A Teologia da Libertação sentiu o baque, não dá para negar.
Nascido na cidade de Fossano, na região de Piemonte, padre Bruno ordenou-se ainda na Itália. Pouco depois, atendeu a um pedido da Igreja e decidiu vir para o Rio, em 1969. A temporada seria de cinco anos, para ajudar na evangelização na América Latina. Já está por aqui há mais de 42 anos. Aos 71, depois de passagens por paróquias de Bangu e da Baixada Fluminense, não pensa em deixar a São Simão, onde trabalha há 30 anos. Ele dá pistas de onde surgiu o interesse por temas sociais e políticos:
- Quando cheguei de navio, todos queriam saber o que estava acontecendo porque a repressão (militar) estava comendo solta. Dois dias depois da minha chegada, prenderam o Frei Betto e soubemos da morte do (Carlos) Marighella.
Por mais que não apareça como em décadas passadas, Boff vê vivos os princípios. Ele chama a atenção para o método da Teologia da Libertação, segundo o qual a pessoa analisa a realidade para, assim, julgar que decisão tomar. Há também eventos periódicos, como a organização de um fórum específico sobre a corrente de pensamento sempre antes de cada Fórum Social Mundial (encontro criado para ser um contraponto às políticas neoliberais).
- A partir da opção pelos pobres, você tem outra imagem de Deus. Não é o tirano, senhor dos palácios, é o Deus da ternura dos humildes, que usa seu poder para defender o pobre - diz Boff. - (Karl) Marx nos ensinou que pobre é no discurso religioso. No discurso analítico, é oprimido. A religião é usada em dois sentidos: para acalmar os pobres com promessas de eternidade e felicidade e para legitimar os ricos, que se salvam pela generosidade. O pobre se salva pela paciência.
Os ensinamentos de Marx, mesmo citados, não são considerados por Boff criadores da Teologia da Libertação. Ele argumenta que o marxismo existe hoje como teoria sociológica, não como ideologia oficial de um Estado.
- É uma coisa bíblica, não tem nada a ver com marxismo. Marx não é pai nem padrinho da Teologia da Libertação. (Quem acusa a Teologia da Libertação de marxista) Está chutando cachorro morto - diz Boff, que apoia o projeto de governo do PT e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mesmo criticando o que chama de “vícios de governabilidade”, com alianças políticas polêmicas.
Ao responder sobre o futuro da Teologia da Libertação e da Igreja, Boff é otimista e catastrófico. Sobre a corrente teológica, aponta como tema atual a discussão sobre a presença das mulheres na Igreja e na sociedade. Os debates sobre o aquecimento global fizeram, segundo ele, surgir um termo novo, a Ecoteologia da Libertação. “O grande pobre é a terra”, argumenta Boff.
Ele não esconde críticas ao cardeal brasileiro Dom Odilo Scherer, um dos cotados pela imprensa internacional como favorito no conclave.
- Se ele (Scherer) for o Papa, será o Bento XVII. Ele é conservador, passou cinco anos em Roma e entrou para o sistemão romano do Vaticano. Se o próximo Papa não destruir esse sistema, é bobagem. A Igreja não vai se salvar e se tornará uma seita ocidental - prevê. - Enquanto houver injustiça, haverá cristãos que vão se indignar, resistir e iniciar o processo de libertação para que essas vozes não gritem mais. A Teologia da Libertação é perene.



Adicionado em 23 de Maio de 2013 (matéria abaixo)

Padre Marcelo Rossi

Fr. Marcos Sassatelli
Frade Dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em DD.HH. (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da Terra
Adital


Lendo a "Entrevista Padre Marcelo Rossi” (Folha de S. Paulo, 29/04/13, p. A14), fiquei abismado com a superficialidade com a qual o entrevistado trata das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Demonstra claramente que não tem nenhuma experiência pessoal de CEBs e nenhum conhecimento teológico a respeito das mesmas.
Antes de tudo, Pe. Marcelo, comprometer-se socialmente e fazer "a opção pelos pobres” não é só -como você diz- "ter trabalhos com recuperação de drogados e arrecadação de alimentos”. Os pobres não são objetos da nossa ação assistencial e/ou caritativa, mas sujeitos e protagonistas de sua própria história.
As obras de misericórdia, principalmente em determinadas situações sociais de emergência, são necessárias, mas é preciso ter sempre presente sua ambiguidade. Vale o alerta: "A misericórdia sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca de verdadeira justiça social (...)” (DA, 385).
Comprometer-se socialmente e fazer "a opção pelos pobres”, significa, sobretudo, ser uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; uma Igreja despojada, sem poder, sem ostentação, sem luxo, sem triunfalismo e sem clericalismo; uma Igreja solidária com os pobres e que assume a sua causa, que é a causa de um Mundo Novo, ou, à luz da fé, do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica. "Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres"! (Francisco, bispo de Roma,16 de março de 2013).
É lamentável, Pe. Marcelo, que você critique o incentivo da CNBB às CEBs. Elas -apesar das limitações inerentes à condição humana- devem ser incentivadas não por uma questão de proselitismo, mas pela sua fidelidade ao Evangelho. As CEBs, Pe. Marcelo, não "esquecem a oração e não ficam só na política”. Reconhecem que tudo é político, mas que a política não é tudo.
O perigo, Pe. Marcelo, não é as CEBs "se tornarem mais políticas do que sociais”; não é as pessoas terem nas CEBs "a tentação à política” (a política não é uma tentação, mas uma vocação) ou "caírem na política” (se politizarem), "combinando princípios cristãos a uma visão social de esquerda”.
O perigo é os cristãos/ãs serem alienados e omissos diante das injustiças e violações dos direitos humanos; não denunciarem -muitas vezes por covardia e conivência- as "situações de pecado" (DA, 95) ou as "estruturas de pecado” (DA, 92), que são "estruturas de morte" (DA, 112).
O perigo é os cristãos/ãs serem irresponsáveis frente aos desafios do mundo, fechando-se num "egoísmo religioso”, que nada tem a ver com o Evangelho.
Ao contrário do que você, Pe. Marcelo, afirma, o povo hoje, mais do que de "grandes espaços”, precisa de "pequenos espaços”, para deixar de ser massa, viver a irmandade e ser comunidade.
As CEBs, Pe. Marcelo, são sal, luz e fermento em todas as dimensões da vida humana, inclusive na dimensão política e político-partidária. Elas -a exemplo de Jesus- se encarnam no mundo e estão sempre presentes na vida do povo. Iluminadas pelo Espírito Santo, sabem discernir o que Deus quer nas diversas situações humanas
As CEBs vivem a utopia de um Mundo Novo, que, à luz da fé, é a utopia do Reino de Deus, numa sociedade pluralista e, sem perder sua identidade, respeitam e valorizam o diferente.
É lamentável, também, Pe. Marcelo, que você -indo contra todos os ensinamentos da Igreja- tenha aconselhado várias vezes um cristão (não importa agora o nome) a não entrar na política, dizendo: "não faça isso”. Felizmente, o cristão aconselhado demonstrou mais consciência social do que você e não aceitou a sua orientação.
No Brasil, as CEBs (à luz da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano de Medellín -Colômbia- 1968) são, sem dúvida, a expressão mais significativa do modelo de Igreja do Vaticano II.
Como irmão, Pe. Marcelo, permito-me dar uma sugestão: antes de falar das CEBs, faça nelas uma experiência de vida e estude um pouco de Eclesiologia cristã pós-conciliar.
Goiânia, 14 de maio de 2013.

Leia também: Fortalecer as comunidades integrativas de base. aqui

Arte na caminhada das comunidades eclesiais de base. aqui

Na 4a Ampliada das CEBs, no Crato/CE, Thiesco, coord. da PJ Nac.: Juventude e CEBs. 27/01/2013


Livro TEXTO-BASE do 13o Intereclesial das CEBs - de 7 a 11/01/2014, Juazeiro

Na 4a ampliada das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base - realizada na cidade do Crato, no Ceará, de 24 a 27/01/2013, preparando o 13o Intereclesial das CEBs, que vai acontecer em Juazeiro do Norte, Ceará, de 7 a 11 de janeiro de 2014, eu, frei Gilvander L. Moreira, gravei parte do Lançamento do livro TEXTO-BASE do 13º Intereclesial das CEBs, que tem como título "JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA". Socializo com você aqui no youtube. E incentivo você a comprar o livro e lê-lo, pois está muito bom. Obs.: Ampliada das CEBs refere-se à Coordenação Nacional das CEBs do Brasil. Belo Horizonte, MG, Brasil, 28/01/2013.



Provocações sobre  o presente e o futuro das CEBs  aqui
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“É necessário distinguir entre uma Teologia da Libertação equivocada e uma correta”, afirma o Cardeal Gerhard Müller
(acrescentado em 23 de maio de 2013)

A nomeação do cardeal Gerhard Ludwig Müller para prefeito da Congregação que se ocupa da ortodoxia da doutrina católica, somada à eleição do arcebispo de Buenos Aires para bispo de Roma, foi qualificada em alguns ambientes como uma revanche da Teologia da Libertação, criticada por João Paulo II e pelo cardeal Ratzinger.

A decisão do Papa não foi por motivos pessoais: Müller foi nomeado prefeito porque é um dos mais brilhantes teólogos da Igreja, como demonstra sua carreira acadêmica.

Em alguns ambientes católicos a nomeação do bispo de Regensburg para prefeito da ortodoxia católica suscitou preocupação, porque havia sido acusado de ter mantido contatos com representantes da Teologia da Libertação e, particularmente, de ter sido amigo do padre Gustavo Gutiérrez, com quem escreveu o livro Da Parte dos Pobres. Teologia da Libertação.

A entrevista é de Włodzimierz Rędzioch e está publicada no sítio Zenit, 20-05-2013. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você, desde que é sacerdote e também como bispo é muito sensível aos valores da justiça, da solidariedade e da dignidade da pessoa. Por que este interesse pelos problemas sociais?

Eu venho de Mainz e minha cidade, no início do século XIX, teve um grande bispo, o barão Willhelm Emmanuel von Ketteler, que foi um precursor da Doutrina Social da Igreja. Desde criança vivia em um ambiente de empenho social. E não devemos esquecer que se na Europa do pós Segunda Guerra Mundial e após as diversas ditaduras conseguimos construir uma sociedade democrática, isto devemos também à doutrina social católica. Graças ao cristianismo os valores da justiça, solidariedade e dignidade da pessoa foram introduzidos nas Constituições de nossos países.

Em seu currículo vemos que teve muita relação com a América Latina. Como nasceu esta relação?

Durante 15 anos viajei pela América Latina, estive no Peru, mas também em outros países. Passava dois ou três meses ao ano vivendo como vivem as pessoas comuns, ou seja, em condições muito simples. No começo, para um europeu isto é difícil, mas quando se aprende a conhecer pessoalmente as pessoas e se vê como elas vivem, então se aceita a situação. Um cristão tem que se encontrar em sua casa em qualquer parte: onde há um altar Cristo está presente; em qualquer parte se pertence à família de Deus.

No ano passado, quando você foi nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, alguns o acusavam de ser amigo do padre Gustavo Gutiérrez, fundador da Teologia da Libertação. O que nos pode dizer sobre isso?

É verdade que conheço bem o padre Gutiérrez. Em 1988, me convidaram para participar de um seminário com ele. Fui com alguma reserva porque conhecia as duas declarações da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a Teologia da Libertação, publicadas em 1984 e em 1986. Entretanto, pude constatar que é necessário distinguir uma Teologia da Libertação equivocada e uma correta.

Considero que cada teologia é boa se parte de Deus e de seu amor e tem a ver com a liberdade e a glória dos filhos de Deus. Portanto, a teologia cristã que fala da salvação dada por Deus não pode ser misturada com a ideologia marxista que fala de uma autorredenção do homem.

A antropologia marxista é completamente diferente da antropologia cristã, porque trata o homem como um ser privado de liberdade e dignidade. O comunismo fala da ditadura do proletariado e a boa teologia, ao contrário, fala da liberdade e do amor. O comunismo, e também o capitalismo neoliberal, rechaçam a dimensão transcendente da existência e se limitam ao horizonte material da vida. O capitalismo e o comunismo são as duas faces da mesma moeda, a moeda falsa. Ao contrário, para construir o Reino de Deus a verdadeira teologia vem da Bíblia, dos Padres da Igreja e do Concílio Vaticano II.

Em certos ambientes, sua nomeação para prefeito da Congregação que se ocupa da doutrina católica e a recente eleição do arcebispo de Buenos Aires para bispo de Roma foram vistos como uma revanche da Teologia da Libertação, criticada por João Paulo II e pelo cardeal Ratzinger. O que responde a estas vozes?

Em primeiro lugar, queria destacar que não existe nenhuma ruptura entre Bento XVI e o Papa Francisco no que se refere à Teologia da Libertação. Os documentos do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé serviram para esclarecer o que era necessário evitar, da maneira de fazer a Teologia da Libertação à autêntica teologia da Igreja. Minha nomeação não significa que se abre um novo capítulo nas relações com esta teologia; pelo contrário, é um sinal de continuidade.

Bento XVI, ao receber em 2009 um grupo de bispos do Brasil em visita ad limina apostolorum, disse que valia a pena recordar que em agosto do ano anterior foram comemorados os 25 anos da Instrução Libertatis Nuntius da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação. E acrescentou que “suas consequências mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, discordância, ofensa, anarquia ainda agora se fazem sentir, criando em nossas comunidades diocesanas grande sofrimento e uma grave perda de forças vivas”. Concorda com esta análise do pontífice sobre as consequências da Teologia da Libertação?

Estes aspectos negativos dos quais fala Bento XVI são o resultado da mal entendida e mal aplicada Teologia da Libertação. Estes fenômenos negativos não teriam acontecido se tivesse sido aplicada a autêntica teologia. As diferenças ideológicas criam divisão na Igreja.

Mas isto acontece também na Europa onde há, por exemplo, os chamados católicos progressistas e conservadores. Isto recorda a situação de Corinto, onde havia quem se referia a Paulo e quem, ao contrário, se referia a Pedro, ao passo que outros se referiam a Cristo. Mas todos nós temos que estar unidos em Cristo, porque Deus une, o mal divide. A teologia que cria as divisões é antes ideologia. A verdadeira teologia tem que levar a Deus, então não se pode criar divisões.

Excelência, você, ao receber em 2008 o Doutorado Honoris Causa na Pontifícia Universidade Católica do Peru, condenou em seu discurso “a infâmia da nossa época: o capitalismo neoliberal”. O capitalismo neoliberal é uma estrutura do mal?

É difícil fazer comparações entre uma estrutura do mal e um pecado pessoal, embora cada pecado tenha uma dimensão social, estando inserido em alguma ‘estrutura’: família, ambiente de trabalho, sociedade, país. O capitalismo neoliberal é uma daquelas estruturas do mal que no século XIX e XX queriam eliminar os valores do cristianismo. Mas repito: por trás de cada estrutura estão as pessoas que aceitam seus princípios, ou seja, por trás de qualquer estrutura do mal há pecados pessoais. (Instituto Unisinos, Quinta, 23 de maio de 2013)
“É necessário distinguir entre uma Teologia da Libertação equivocada e uma correta”, afirma o Cardeal Gerhard Müller 

A nomeação do cardeal Gerhard Ludwig Müller para prefeito da Congregação que se ocupa da ortodoxia da doutrina católica, somada à eleição do arcebispo de Buenos Aires para bispo de Roma, foi qualificada em alguns ambientes como uma revanche da Teologia da Libertação, criticada por João Paulo II e pelo cardeal Ratzinger.
A decisão do Papa não foi por motivos pessoais: Müller foi nomeado prefeito porque é um dos mais brilhantes teólogos da Igreja, como demonstra sua carreira acadêmica.
Em alguns ambientes católicos a nomeação do bispo de Regensburg para prefeito da ortodoxia católica suscitou preocupação, porque havia sido acusado de ter mantido contatos com representantes da Teologia da Libertação e, particularmente, de ter sido amigo do padre Gustavo Gutiérrez, com quem escreveu o livro Da Parte dos Pobres. Teologia da Libertação.
A entrevista é de Włodzimierz Rędzioch e está publicada no sítio Zenit, 20-05-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você, desde que é sacerdote e também como bispo é muito sensível aos valores da justiça, da solidariedade e da dignidade da pessoa. Por que este interesse pelos problemas sociais?
Eu venho de Mainz e minha cidade, no início do século XIX, teve um grande bispo, o barão Willhelm Emmanuel von Ketteler, que foi um precursor da Doutrina Social da Igreja. Desde criança vivia em um ambiente de empenho social. E não devemos esquecer que se na Europa do pós Segunda Guerra Mundial e após as diversas ditaduras conseguimos construir uma sociedade democrática, isto devemos também à doutrina social católica. Graças ao cristianismo os valores da justiça, solidariedade e dignidade da pessoa foram introduzidos nas Constituições de nossos países.
Em seu currículo vemos que teve muita relação com a América Latina. Como nasceu esta relação?
Durante 15 anos viajei pela América Latina, estive no Peru, mas também em outros países. Passava dois ou três meses ao ano vivendo como vivem as pessoas comuns, ou seja, em condições muito simples. No começo, para um europeu isto é difícil, mas quando se aprende a conhecer pessoalmente as pessoas e se vê como elas vivem, então se aceita a situação. Um cristão tem que se encontrar em sua casa em qualquer parte: onde há um altar Cristo está presente; em qualquer parte se pertence à família de Deus.
No ano passado, quando você foi nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, alguns o acusavam de ser amigo do padre Gustavo Gutiérrez, fundador da Teologia da Libertação. O que nos pode dizer sobre isso?
É verdade que conheço bem o padre Gutiérrez. Em 1988, me convidaram para participar de um seminário com ele. Fui com alguma reserva porque conhecia as duas declarações da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a Teologia da Libertação, publicadas em 1984 e em 1986. Entretanto, pude constatar que é necessário distinguir uma Teologia da Libertação equivocada e uma correta.
Considero que cada teologia é boa se parte de Deus e de seu amor e tem a ver com a liberdade e a glória dos filhos de Deus. Portanto, a teologia cristã que fala da salvação dada por Deus não pode ser misturada com a ideologia marxista que fala de uma autorredenção do homem.
A antropologia marxista é completamente diferente da antropologia cristã, porque trata o homem como um ser privado de liberdade e dignidade. O comunismo fala da ditadura do proletariado e a boa teologia, ao contrário, fala da liberdade e do amor. O comunismo, e também o capitalismo neoliberal, rechaçam a dimensão transcendente da existência e se limitam ao horizonte material da vida. O capitalismo e o comunismo são as duas faces da mesma moeda, a moeda falsa. Ao contrário, para construir o Reino de Deus a verdadeira teologia vem da Bíblia, dos Padres da Igreja e do Concílio Vaticano II.
Em certos ambientes, sua nomeação para prefeito da Congregação que se ocupa da doutrina católica e a recente eleição do arcebispo de Buenos Aires para bispo de Roma foram vistos como uma revanche da Teologia da Libertação, criticada por João Paulo II e pelo cardeal Ratzinger. O que responde a estas vozes?
Em primeiro lugar, queria destacar que não existe nenhuma ruptura entre Bento XVI e o Papa Francisco no que se refere à Teologia da Libertação. Os documentos do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé serviram para esclarecer o que era necessário evitar, da maneira de fazer a Teologia da Libertação à autêntica teologia da Igreja. Minha nomeação não significa que se abre um novo capítulo nas relações com esta teologia; pelo contrário, é um sinal de continuidade.
Bento XVI, ao receber em 2009 um grupo de bispos do Brasil em visita ad limina apostolorum, disse que valia a pena recordar que em agosto do ano anterior foram comemorados os 25 anos da Instrução Libertatis Nuntius da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação. E acrescentou que “suas consequências mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, discordância, ofensa, anarquia ainda agora se fazem sentir, criando em nossas comunidades diocesanas grande sofrimento e uma grave perda de forças vivas”. Concorda com esta análise do pontífice sobre as consequências da Teologia da Libertação?
Estes aspectos negativos dos quais fala Bento XVI são o resultado da mal entendida e mal aplicada Teologia da Libertação. Estes fenômenos negativos não teriam acontecido se tivesse sido aplicada a autêntica teologia. As diferenças ideológicas criam divisão na Igreja.
Mas isto acontece também na Europa onde há, por exemplo, os chamados católicos progressistas e conservadores. Isto recorda a situação de Corinto, onde havia quem se referia a Paulo e quem, ao contrário, se referia a Pedro, ao passo que outros se referiam a Cristo. Mas todos nós temos que estar unidos em Cristo, porque Deus une, o mal divide. A teologia que cria as divisões é antes ideologia. A verdadeira teologia tem que levar a Deus, então não se pode criar divisões.
Excelência, você, ao receber em 2008 o Doutorado Honoris Causa na Pontifícia Universidade Católica do Peru, condenou em seu discurso “a infâmia da nossa época: o capitalismo neoliberal”. O capitalismo neoliberal é uma estrutura do mal?
É difícil fazer comparações entre uma estrutura do mal e um pecado pessoal, embora cada pecado tenha uma dimensão social, estando inserido em alguma ‘estrutura’: família, ambiente de trabalho, sociedade, país. O capitalismo neoliberal é uma daquelas estruturas do mal que no século XIX e XX queriam eliminar os valores do cristianismo. Mas repito: por trás de cada estrutura estão as pessoas que aceitam seus princípios, ou seja, por trás de qualquer estrutura do mal há pecados pessoais. (Instituto Unisinos, Quinta, 23 de maio de 2013)

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