Quinta-feira, 3 de março de 2011- Fonte -site do CEBI
Em várias regiões do Brasil, a expectativa do Carnaval é a de uma festa de liberdade e confraternização, mesmo se, cada vez mais, a sociedade do consumo é dominada pelo comércio de drogas, bebidas e exploração humana. Tradicionalmente, comunidades religiosas criam alternativas espiritualistas para preencher os dias de Carnaval. Ao contrário, grupos de tradição afro-descendente organizam blocos de Afoxé. Participam do Carnaval na comunhão do Espírito. Isso é importante e positivo porque a festa é uma dimensão fundamental da fé.
Quem ama louva e quem louva festeja. Uma sociedade
massificante faz espetáculos. Uma comunidade faz festa. No espetáculo,
espectadores pagantes apreciam um show. Mesmo se interagem, continuam
sendo platéia. Na festa, ao contrário, todos são atores e protagonistas.
A festa cria envolvimento afetuoso e revela que cada um depende de
todos, na construção de um corpo comum. Por isso, a verdadeira festa,
mesmo se não tiver nada de explicitamente religioso, é profundamente
espiritual.
Alguém já comparou um desfile de escolas de samba ou
de bloco de carnaval de rua com uma grande liturgia. É claro que o atual
desfile carnavalesco está organizado como espetáculo. Nele, há
elementos negativos como o espírito de competição, uma exploração do
corpo humano como objeto de comércio, além da eventualidade de drogas,
abuso de bebidas e até violência. Mas, se até em celebrações religiosas
no templo, os profetas bíblicos denunciaram o risco do exibicionismo dos
sacerdotes, a hipocrisia de fingir santidade e a pouca relação entre
culto e justiça, não é de estranhar que em uma festa considerada
mundana, tenhamos de lutar contra elementos negativos.
Em um mundo que favorece o desamor e provoca tantos
casos de depressão, é urgente retomar o verdadeiro espírito da festa.
Roger Schutz, fundador e prior da comunidade ecumênica de Taizé, se
perguntava: "Se o espírito da festa desaparecer do mundo, como
sobreviverão as comunidades?". Há quem ligue a fé e a espiritualidade
com uma excessiva seriedade e ar de tristeza. No velho catolicismo
ibérico, predominam imagens do Senhor Jesus, amarrado no tronco de
torturas e coroado de espinhos. A figura de Maria é principalmente a de
Nossa Senhora das Dores. E os santos parecem todos grandes sofredores.
Não se trata de negar que, muitas vezes, esta vida é
mesmo um vale de lágrimas. Mas, temos de encontrar a forma de ser
felizes. Jesus disse que veio ao mundo para que a nossa alegria seja
completa (Cf. Jo 16 20 ss). Conforme o evangelho de Mateus, sua primeira
palavra pública foi um convite a sermos todos felizes, bem-aventurados.
Na tradição cristã, uma abadessa beneditina medieval, Santa Mectildes
nomeava Jesus como seu "companheiro de brincadeiras". E até hoje, no
Catolicismo popular, existem grupos de folia nos quais os foliões não
são os do Carnaval de agora, mas os devotos do Divino ou dos Santos
Reis.
A festa pode ter também uma dimensão profética de
antecipar o dia da vitória final contra todos os elementos negativos do
mundo. No começo dos anos 70, Cacá Diegues fez um filme chamado "Quando o
Carnaval chegar". Os atores eram, entre outros, Chico Buarque, Maria
Bethânia e Nara Leão. Em plena ditadura militar, o filme tomava o
Carnaval como símbolo da festa da libertação do povo e da vitória contra
a censura e as repressões. Até hoje, muita gente lembra disso ao cantar
a melodia do Chico: "Quem me vê assim, parado, distante, parece que eu
nem sei sambar. Tou me guardando pra quando o Carnaval chegar".
A ONU consagrou 2012 como o ano da valorização das
culturas africanas e do reconhecimento da dignidade das pessoas e
comunidades afro-descendentes. Neste último mês, no norte da África,
povos desarmados e principalmente jovens, através da internet,
conseguiram derrubar regimes ditatoriais fortemente armados e violentos.
Ao menos na Líbia, a repressão foi muito violenta e muita gente está
sendo morta. Mas, da parte do povo, há uma insistência nas manifestações
pacíficas, mas radicais: as pessoas só voltarão para casa quando se
sentirem representadas por governos democráticos e respeitadores da
dignidade humana. Também no Brasil, as comunidades afro-descendentes têm
se organizado e conquistado alguns direitos.
Quem sabe, neste Carnaval, possamos recuperar destas
sabedorias tradicionais a forma de fazer festa como celebração da vida e
acolher o outro como companheiro de caminhada para o grande Carnaval do
reinado divino no mundo.
Marcelo Barros é monge beneditino e colaborador do CEBI. Entre os seus vários livros estão: A dança do novo tempo, Parábolas do projeto divino no mundo, O Espírito vem pelas águas e A vida se torna Aliança.
Quando o carnaval chegar
[ Chico Buarque / 1972 ]
Para o filme Quando o carnaval chegar de Cacá Diegues
.
Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
[ Chico Buarque / 1972 ]
Para o filme Quando o carnaval chegar de Cacá Diegues
.
Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Assista o clip da música AQUI
Leia também:
Carnaval (A opinião de Dom Hélder) AQUI
Mais...
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NOTA
(da ORG Ocupa a Rede Globo): Há quem diga que o carnaval brasileiro é sinônimo
de alienação, que é errado gostar de carnaval, que é um sintoma de nossa
passividade e falta de consciência política. Na verdade, o carnaval em si não
tem culpa de nada.Ao contrário, é uma das (poucas) coisas que realmente nós,
brasileiros, sabemos fazer bem feito. O carnaval brasileiro é um patrimônio
nacional! Uma festa impregnada de solidariedade e humanidade, um dos raros
momentos em que nos despimos da rigidez diária e nos permitimos juntos a
celebrar a vida, misturando classes e culturas. Portanto, não se deixe
influenciar pelos que querem culpar o carnaval pelo que ele não tem culpa. Se
você é consciente, politizado, se se importa com este país, com nossa Pátria,
então, mais do que ninguém VOCÊ tem o direito de ser feliz. Nós, da ORG,
desejamos a todos um excelente carnaval, repleto de felicidade, humanidade,
respeito à diversidade. Aproveite a vida, esteja junto de quem você ama e, se
possível, vista sua fantasia, pois nesses dias, é o que nos resta, e estar
vivo... não tem preço! Este vídeo é nossa homenagem a tudo isso, assista sem
preconceito.
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