Live histórica do artista resgata a memória da potência criativa desse país
27/06/2020 - 10:41 / Atualizado em 27/06/2020 - 10:42
Durante as quase duas horas em que Gilberto Gil apresentou sua liveno seu canal do Youtube, parecia que um buraco no tempo e no espaço tinha se aberto. Não havia pandemia, não havia negacionismo, muito menos crise republicana. Havia um ancestral vivo que escancarava a potência de uma nação real que teima em sobreviver, mesmo desdenhada pelo projeto de país oficial. Essa nação que assusta porque se afirma quando dança, sorri e festeja.
Nas redes sociais pularam comentários de brasileiros emocionados vendo naquela sequência de clássicos tocados de forma junina, um brio de esperança que anda desacordada. Muita gente se lembrou que somos feitos de sertão, de sanfona e de forró.
Gil fez tirar da parte mais escondida do armário um certo orgulho nacional que o espírito do tempo não nos deixa mais vestir. Mesmo em casa, conectados digitalmente, pareceu que nos aglomeramos em energia para pulsar a devoção a um orixá. A aura que Gil construiu em sua carreira é religiosa, sem qualquer aspecto litúrgico negativo. Não há medo de pecado nesse encanto.
Se juntaram a Seu Gilberto os filhos Nara, Bem e José Gil tocando e bailando juntos com a zabumba quente de Jorginho Gomes e a destreza da sanfona de Mestrinho. Esse, um destaque à parte. Como honra esse instrumento fundamental para o Nordeste. Dominguinhos, seja onde estiver, deve ter olhado orgulhoso para aquele sergipano o substituindo na banda de Gil.
É difícil elencar um só momento especial. Da sequência de “Lamento Sertanejo” e “Cajuína”, até a memória de Dona Canô citada pela frase “quem não morre, envelhece” o olho não parou de marejar.
Quando Gil escreveu a música “Esotérico”, no disco “Um Banda Um” de 1982, disse que queria “desmistificar e humanizar a categorização do esotérico como algo inatingível, colocando-o como inerente à nossa natureza”. Quatro décadas depois, a simples estada dele em um palco é suficiente para essa compreensão. Sexta-feira a noite, no dia em que fez 78 anos, Gilberto Gil nos devolveu o Brasil e provou que o divino está mais próximo que a gente pensa.
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