sexta-feira, 14 de abril de 2023

"Em lugar onde não há atividades culturais a violência vira espetáculo." Como aproximar os educadores dos debates sobre leis de fomento a cultura ?

 Como "hackear" as leis de fomento a cultura como  Paulo Gustavo e Aldir Blanc2 em favor da escola em um contexto mais favorável no governo Lula 3, ao mesmo tempo, combinado com  as lutas pelo currículo humanista e humanizador, necessário e urgente.

Zezito de Oliveira

ESPETÁCULO DE AULA 
COM VIVIANE MOSÉ

 https://www.youtube.com/watch?v=6ipDoRNSs5U





A escola dos meus sonhos
Frei Betto

Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao ano, integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiros, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais.

Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula 1 e nas pesquisas do super-telescópio Hubble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-indígenas, senhores-escravos, Exército-Canudos, etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai de santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo;
etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer treinamentos e cursos de capacitação regularmente e só são admitidos se, além da competência, comungarem dos princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática.
Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida;
sua química é analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades são denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde.
O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-plateia, os tabus e preconceitos são reforçados.
Em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória.As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério, e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates; e seus discursos, analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil: os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar. Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar o 6º ano em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, sua aptidão e seus recursos.

É mais importante educar do que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal; e o acesso a ela, dever obrigatório.

Frei Betto é escritor, autor do romance O Vencedor (Ática), entre outros livros.






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2 comentários:

Anônimo disse...

Uma escola assim, seria perfeito.

AÇÃO CULTURAL disse...

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
– Fernando Birri, citado por Eduardo Galeano in ‘Las palabras andantes?’ de Eduardo Galeano. publicado por Siglo XXI, 1994.